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A ocupação irregular de áreas sagradas e sítios arqueológicos do povo Wajuru, em Alta Floresta d’Oeste (RO), reacendeu o alerta sobre as consequências da ausência de proteção efetiva em territórios de ocupação tradicional. Pousadas, piscinas e estruturas turísticas de pesca têm sido construídas em áreas reconhecidas como de interesse arqueológico e cultural, enquanto processos de demarcação de terras indígenas e quilombolas seguem estagnados há mais de duas décadas.

Segundo denúncias das lideranças, pelo menos três sítios arqueológicos foram identificados na região do distrito de Rolim de Moura do Guaporé, área de importância histórica para o povo Wajuru. A situação ganhou destaque no dia 11 de junho, quando a Defensoria Pública da União (DPU) enviou um ofício à Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Rondônia, solicitando intervenção urgente para impedir o avanço de empreendimentos turísticos e salvaguardar o patrimônio cultural ameaçado.

De acordo com o defensor público federal Thiago Roberto Mioto, autor do ofício, há uma omissão grave na atuação dos órgãos de proteção. “Até o presente momento, não se tem notícia de vigilância efetiva no local, o que pode estar contribuindo para o avanço de obras que comprometem o patrimônio arqueológico e cultural da região”, declarou.

O Iphan, responsável legal pela proteção de sítios arqueológicos, é também obrigado a realizar ações de salvamento e impedir atividades que coloquem em risco o patrimônio histórico. Contudo, a ausência de fiscalização tem facilitado o crescimento desordenado de construções turísticas, abrindo caminho para a especulação imobiliária e a destruição de locais de importância ancestral.

Para o povo Wajuru, a situação é de urgência. Najela Wajuru, liderança indígena, afirmou em entrevista à Amazônia Real que as invasões continuam, mesmo após a formalização das denúncias. “A invasão está a todo vapor. Agora estão invadindo até a beira dos rios com barcos flutuantes. Essas pessoas que vêm destruindo nunca responderam por nada”, criticou.

Najela denuncia uma rede de interesses formada por empresários, religiosos, fazendeiros, autoridades locais e setores ligados ao turismo, que se beneficia da ausência do Estado. “Dentro do meu território tem uma milícia muito grande e as coisas vêm sendo abafadas”. Ela afirma que o turismo predatório é muito incentivado por todas as frentes. “As pessoas vêm, invadem, constroem. Às vezes, compram terrenos de terceiros e pagam caro num pedaço de terra para construir pousada, sabendo que não podem escavar, mas eles escavam”, acrescentou.

As casas de veraneio, erguidas por pessoas vindas principalmente do Sudeste do País, cresceram de forma acelerada nos últimos anos, relata Najela Wajuru. A destruição já alcança as margens dos rios, tomadas por barcos flutuantes que despejam gasolina e óleo na água, contaminando os peixes e comprometendo a subsistência das comunidades locais. “Vai tudo para dentro do rio. A gente acha um absurdo isso, tanta invasão, tanta destruição dentro do território e na beira dos rios. É só barro”, denunciou.

Um estudo da Universidade Federal de Rondônia (Unir) aponta que, pela ausência de saneamento básico, os poços da região apresentam indícios de altos índices de contaminação, o que tem provocado problemas de saúde na população indígena. “Na época da chuva, dá muita febre, dá muita diarreia nas crianças. Não é que a gente não tenha falado, nós não somos ouvidos”, lamentou Najela.

O turismo desordenado também agrava a situação, com o acúmulo e descarte irregular de lixo por visitantes, pousadas e barcos-hotéis, além da queima de resíduos sem controle. De acordo com a liderança, turistas realizam caça ilegal de animais e há registros de exploração sexual envolvendo mulheres indígenas, fruto do aliciamento praticado por alguns visitantes.

“Eles também têm o hábito de matar jacaré e tirar só o rabo. Outro impacto é o aliciamento para a prostituição. Vai muito homem para o território, bêbados. Eles bebem demais. Era para a prefeitura vir notificar, fiscalizar, só que na prática não acontece. Uma coisa é o juiz determinar, outra coisa é fazer valer”, afirmou a liderança.

A região é reconhecida como um território multiétnico, habitado por comunidades indígenas e quilombolas que há décadas reivindicam a demarcação das terras. A ausência de titulação e a demora nos processos administrativos abrem espaço para conflitos e violências, além de ameaçar tradições e práticas ancestrais. Sem a proteção legal efetiva, sítios arqueológicos e lugares sagrados correm risco de desaparecer ou serem irreversivelmente danificados.

Fotos: Povo Wajuru

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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