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Começou a campanha para as eleições municipais de 2024 e, com isso, a necessidade de sabermos o que é e o que não é permitido pela lei eleitoral, principalmente com o que pode ser observado no Brasil, e destaco aqui o ano de 2018, com a disseminação massiva de fake news e a utilização tecnológica para a manipulação da opinião pública. Segundo levantamento da comScore, o Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais no mundo. A personagem “tiozão do zap” (e sua versão feminina) já faz parte do folclore nacional. A reflexão sobre o pensamento crítico é extremamente crucial. Sempre foi, o problema não é de agora. Entretanto, peço licença para, por um breve momento, esquecer o dever cívico de questionar fatores imperativos para a construção de um futuro democrático e justo para me afundar numa grande nostalgia da minha infância: o horário eleitoral gratuito.

A política sempre esteve muito presente na minha vida, desde criança. É claro que eu praticamente nasci na Assembleia Legislativa do Pará. Reza a lenda que minha mãe só não iniciou o trabalho de parto lá porque foi “proibida” de continuar a trabalhar pelo então deputado Aldebaro Klautau, a quem assessorava na época e que estava em pânico que sua jovem assessora, que se recusava a ficar em casa já com um barrigão quase explodindo, tivesse um bebê dentro do gabinete. Também reza a lenda de que uma das primeiras frases que articulei foi um slogan de campanha, “beijinho, beijinho, Klautau”. E tem a melhor história, ainda nesta época em que eu mal sabia falar mas já provocava muita confusão: minha mãe me levou à cabine de votação e, quando eu percebi que meu voto era, na verdade, o dela, comecei a berrar: “EU QUERO VOTAR NO LULA!”, para o pânico de uma jornalista e estudante de direito que achava que iria ser presa por causa da criança maluca que tinha resolvido ser ativista política e cometer um crime eleitoral “do nada”.

Na maior parte do tempo, entretanto, o meu grande interesse pela política não era pelos motivos certos, digamos assim. Eu era completamente viciada no horário político da televisão. Todas aquelas criaturas que apareciam ali – a maioria delas, cabulosas – me fascinavam. Não havia He-ManX-Men ou As Meninas Super Poderosas que fosse capaz de ofuscar o meu programa favorito. E a parte preferida era, claro, os jingles.

Arrisco a me intitular uma enciclopédia humana dos jingles políticos dos anos 90 e 2000 no Pará. Vários deles, depois de adulta e de ter noção das figuras abomináveis que publicitavam, eu tenho total vergonha de admitir em público que os sei. Mas estão lá, e apesar de não lembrar muitas vezes de informações e conhecimentos relevantes para a minha vida, destes eu nunca esqueço, sabe lá por quê. Na época, é claro que eu não tinha a menor noção, então não podia ver um ônibus todo colorido passando pela Avenida Nazaré que começava a cantar, em alto e bom som, “é você lá da baixada que precisa melhorar, já tem ônibus de graça em Belém a circular”, ou então, ao ver um carro bem específico que adorava parar na frente do Colégio Nazaré, no meu horário de saída, com o alto-falante no último volume, entoar alegremente junto “quem fuma, bebe e cheira, vota no Kaveira!”, para o total horror da minha mãe, que provavelmente tinha vontade de, naquele momento, me desparir.

Se, destas vergonhas, passei incólume na época, há alguns anos caiu a ficha da minha doidice quando aguardava, numa solenidade, a hora de cantar, e estava ao meu lado a soprano Dione Colares, que também iria se apresentar e que foi minha professora. Acho que alguém mencionou o nome do Agostinho Linhares em seu discurso e eu, pomba-lesa sem precedentes, imediatamente comecei a cantar e a dançar “vaaaamos todos votar, vaaaamos todos votar… BEEEEELEMEEEEEENSES” e a Dione vira-se para mim e diz: “tu sabes que ele é meu pai, né?”. Eu queria morrer e ela, claro, quase engasgou de tanto rir da minha cara.

Também costumo contar às pessoas o momento exato em que percebi que estava apaixonada pelo meu namorado. Foi quando, num dia, em casa, não sei por que cargas d’água comecei a cantar “Ey-ey-eymael” e ele veio correndo, da cozinha, para me completar “um democrata cristão!”. Naquela hora soube que tinha encontrado a tampa da minha panela – e que seria impossível encontrar a felicidade plena com um não-brasileiro que não partilhasse tais “heranças culturais”.

É claro que debates políticos exatamente como os que aconteciam naquela altura não existem mais, e ainda bem. Administração pública é coisa séria e devemos exigir que as pessoas que se candidatam para gerir nossas cidades, estados e país apresentem planos de governos viáveis, com propostas sérias, que melhorem efetivamente a vida da população, corrigindo cinco séculos de negligência, corrupção e opressão. Porém é impossível segurar o riso com as lembranças das coisas inacreditáveis que o Hélio Gueiros dizia. Quem pode imaginar um homem com a robusta carreira política que ele teve, hoje em dia, atender pela alcunha de “Papudinho”? A única vez que vi alguém conseguir superá-lo em uma piada, num debate, foi quando ele finalizou uma participação dizendo “o novo e o velho votam no Hélio” e, imediatamente, o candidato ao lado replicou “o bêbado e o bom votam no Abdon”. Até hoje gargalho, quando lembro.

O horário eleitoral gratuito da televisão já não é a forma como as pessoas escolhem os seus candidatos. Se considerarmos uma internet orgânica, isto é bom, pois temos uma equidade de oportunidade de propagação de ideais e propostas, entretanto sabemos que não é bem assim, apesar de “ferramentas” como bots, fake news e deep fake configurarem crime. Quero acreditar que, como povo, evoluímos em nossas exigências políticas e que não votaríamos para “fazer graça”, mas se formos analisar a maior parte dos eleitos para o poder legislativo, no Brasil, sou obrigada a deixar este pensamento para lá. Continuarei, no entanto, a relembrar com nostalgia das campanhas políticas da minha infância, quando não sabia que rir, nesses casos, não é a melhor solução.

Foto: Por Gabriel dos Santos – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=104814271

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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