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No dia 25 de novembro, a Universidade de Coimbra, em Portugal, receberá o fotógrafo, pesquisador e curador Guy Veloso, um dos maiores documentaristas dos rituais religiosos brasileiros, que ministrará a conferência “Encomendação das Almas – ritos de sangue no Brasil profundo”. O evento é aberto ao público e acontecerá na Sala do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), localizada no piso 5 da Faculdade de Letras (FLUC), às 14h.

Penitentes, Juazeiro-Bahia, 2005. Foto: Guy Veloso.

Nascido em Belém, Pará, Guy Veloso é premiado nacional e internacionalmente por seu trabalho. Sua carreira é marcada pela dedicação à pesquisa visual e antropológica. Guy é conhecido especialmente por sua extensa documentação dos rituais dos penitentes no Brasil, uma tradição secular que se desenvolveu nas irmandades laicas do país e permanece viva em regiões remotas. Por quase duas décadas, ele viajou por treze estados brasileiros para registrar a “Encomendação das Almas”, um ritual de caráter místico e, para muitos, desconhecido.

Esse trabalho resultou na documentação de 232 grupos que praticam a Encomendação das Almas, que ocorre anualmente durante a Quaresma e a Semana Santa. Essas confrarias, compostas por homens e mulheres leigos, saem em procissões pelas ruas para rezar pelas “almas perdidas” que, segundo a tradição, não tiveram descanso após a morte. Parte dos membros das irmandades chega a praticar a autoflagelação como forma de penitência, em uma herança que remonta à Europa medieval e que foi adaptada ao contexto religioso brasileiro ao longo dos séculos. Através de uma plástica singular, ele preserva a memória desses rituais de Encomendação das Almas que resistem ao tempo e à falta de novas gerações interessadas em mantê-los vivos.

O projeto “Penitentes – dos ritos de sangue à fascinação do fim do mundo”, iniciou-se em 2012 e foi finalista do Prêmio Jabuti 2020 na categoria de melhor livro de arte, e o grande vencedor da categoria de melhor capa. Esse trabalho, curado por Rosely Nakagawa, envolveu mais de 17 anos de pesquisa e documentação.

Guy Veloso formou-se em Direito em 1991, mas encontrou na fotografia, a partir de 1989, seu verdadeiro caminho. Através de suas lentes – sempre de 35mm – ele é especialista em capturar rituais de fé que exploram o corpo e a transcendência, numa prática que ele descreve como um “corpo-a-corpo” com seus temas.

Guy Veloso. Foto: Joyce Nabiça.

Com uma carreira que se destaca tanto pela produção fotográfica quanto pela curadoria, Guy Veloso participou da 29ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2010, a convite dos curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, e foi o curador-chefe da mostra de Fotografia Contemporânea Brasileira na XXIII Bienal Europalia Arts Festival, em Bruxelas, em 2011/12. Em 2017, suas fotografias sobre rituais religiosos no Brasil foram apresentadas em uma mostra individual na 4th Biennial of the Americas, no Museo de las Americas, em Denver, Colorado, com curadoria de Maruca Salazar.

Seus trabalhos integram acervos de instituições renomadas, como a Essex Collection of Art from Latin America, na Inglaterra, o Centro Português de Fotografia, em Portugal, e museus brasileiros como o Museu de Arte do Rio e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP), além do Banco de Dados do Itaú Cultural.

Segundo o curador Moacir dos Anjos, Guy transita entre devoção e violência, capturando momentos de extrema intensidade física e espiritual. O curador Paulo Miyada também elogia seu trabalho, afirmando que suas fotografias “exploram gestos e feições limítrofes, muito próximas do esgotamento físico, da dor e da paixão”. A curadora Marisa Mokarzel reforça que Guy “potencializa o real lançando-o no limite do medo”, criando imagens que evocam sentimentos profundos e contraditórios.

O trabalho de Guy desafia normas e explora novas possibilidades tanto no campo artístico quanto tecnológico. Em 1998, ele realizou o primeiro vernissage transmitido ao vivo pela internet no Brasil, um dos primeiros no mundo, em parceria com o técnico Antonio Fonseca. Sua trajetória como curador teve início em 2005, e sua obra já foi tema de documentário para a TV dirigido por Débora 70, exibido no Canal Brasil. No mesmo ano, a convite da ONU, representou o Brasil na exposição “Miradas del Mundo”, em Pamplona, Espanha, sob a curadoria de Alejandro Castellote.

Em 2007, Guy expôs individualmente na sede da Leica em Solms, na Alemanha, tornando-se o primeiro brasileiro a exibir suas obras na própria fábrica da renomada marca de câmeras e lentes. Seu trabalho também foi catalogado em diversas obras sobre fotografia e arte no Brasil, como “Fotografia no Brasil, Um Olhar das Origens ao Contemporâneo”, de Angela Magalhães e Nadja Peregrino, e “Um Olhar Sobre o Brasil: A Fotografia na Construção da Imagem da Nação”, de Boris Kossoy e Lilia Schwarcz.

Guy Veloso criou um dos mais completos acervos de registros de religiosidade popular no Brasil, explorando temas complexos e, por vezes, controversos. Em 2014, foi homenageado no 33º Salão Arte Pará, onde compartilhou espaço com o fotógrafo Pierre Verger na exposição “Entre Dois Mundos”, explorando o sincretismo religioso e a interação entre ritos de matriz africana e cristã. Em 2012, realizou uma mostra na Igreja Jesuíta de Santo Alexandre, em Belém, integrando, pela primeira vez, fotos de rituais afro-brasileiros em um templo católico da cidade.

A obra de Guy Veloso documenta e suscita debates sobre a fé, o corpo e a cultura brasileira, aproximando o público de uma realidade multifacetada e fascinante. Seu trabalho dá visibilidade a práticas religiosas que refletem a complexidade e a profundidade da fé popular no Brasil, solidificando seu lugar como um dos mais importantes fotógrafos documentais do mundo.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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