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A cena recente de violência policial contra os manifestantes em frente à Assembleia Legislativa do Pará não chega a ser uma novidade. Terrivelmente, são mais recorrentes do que qualquer sinal de civilidade por parte da autoridade. Se é verdade que ela não é única, nem por isso a torna desculpável. Aqueles que lutam pelo direito a uma vida digna sempre são reprimidos com as justificativas levianas de eficiência e modernização do Estado, no entanto o que observamos é um maior empobrecimento e degradação das condições a dar suporte à vida como salário satisfatório e condições de trabalho adequadas.

O modo como a oligarquia Barbalho tem procedido deslegitima ainda mais qualquer projeto do desenvolvimento regional, pois subtrai parte expressiva de instituições, equipamentos e estruturas que fomentam a possibilidade de um desenvolvimento autóctone. As perdas salariais infringidas ao lado do desmonte de instituições destinadas à promoção do acesso aos bens culturais, tem como contraponto a distribuição de benesses descabidas para setores que já têm muito acumulado, basta lembrar o uso do nepotismo nas indicações em postos públicos à revelia de qualquer sentido de ética do já tão desgastado republicanismo.

Mais gravosa é a situação de não propor um debate franco com a sociedade, notadamente com aqueles interessados e mais afetados pelas modificações embutidas no projeto de reorganização administrativa de uma tacada só, realizada no meio do mandato atual, ao invés desta proposição ser colocada no programa do governo quando iniciou.

A fusão e extinção de órgãos, cujo cerne foi o reconhecimento da necessidade de instituir uma política acelerada, porém permanente, de fomento de ciência, tecnologia e inovação está sendo duramente afetada. Podem parecer coisas díspares, entretanto, de conjunto desestabilizam uma possível agenda de desenvolvimento regional, calcado fortemente na agregação de valor gerada pelas redes da economia da cultura, desprezada com a subtração de órgãos acochambrados em uma única secretaria como é o caso da comunicação, modelo que se repete em outras secretarias. Não menos preocupante é a mera extinção da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Educação Paraense, desnutrida financeiramente, acabou marginalizada, sem integrar qualquer processo de estruturação significativa do desenvolvimento regional, por exemplo, atado à Fapespa, Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas, na constituição de um cluster para incitar a iniciação científica durante a educação básica. Vale a pena mencionar que as muitas propostas anunciadas de expansão do projeto FORMAPARÁ sequer saíram do papel, frustrando sobremaneira as populações dos municípios paraenses que ainda esperam pelas ofertas de cursos de pós-graduação, tanto quanto as IES que fizeram investimentos na elaboração de propostas de curso e projetos de intervenção que poderiam impactar arranjos produtivos locais.

Assombrado, assisto a derrocada do governo Barbalho (o filho), carente de ideias e propostas capazes de alterar esta cena de subordinação ao esquema neoliberal de estado mínimo.

Acrescendo-se, o legado do governo Helder parece ser o da mesma intolerância com aqueles que pensam diferente dele. A utilização da violência para abafar a rejeição dessas medidas que não foram suficientemente analisadas seguiram, todavia a possibilidade de manter base de apoio, ou seja, aquele que extrapola a partidos organizados, e está diluída em diversas instituições da sociedade civil tende a sofrer forte abalo.

Por outro lado, a ausência de um projeto de valorização das populações da Amazônia, no Pará, ainda carece de discussão em um fórum de sindicatos de trabalhadores, de empresários, de governos municipais para debater estratégias e soluções, com a devida sistematização e exposição pública de um programa totalizador que enfrente as profundas desigualdades sociais crescentes, a sanha destruidora do meio ambiente e um projeto de organização administrativa adequado aos desafios colocados pela e para a gestão pública. A oportunidade dada pela COP 30 está fugindo entre nossos dedos quando não é colocado à lume a questão da agricultura periurbana, espaços de lazer, educação e preservação ambiental, preservação do patrimônio material e imaterial como parte da estratégia de desenvolvimento sócio-bio-econômico.

É falsa a noção de que a Fundação Cultural do Pará é antieconômica, ela é um ativo que reúne acervos inestimáveis para a elaboração de propostas de grande envergadura para projetar o desenvolvimento, se bem aproveitada. À guisa de ilustração, entre suas obras raras está preservado “A Amazonia: meio de desenvolver sua civilisação” do bispo Antonio Macedo Costa, na qual rejeita o modelo de exploração vigente à época da borracha e sustenta a necessidade de uma instrução pública moderna.

Nossa resposta a essa violência será com mais ciência, educação e cultura, inclusive aproveitando a herdade do Centur, construído no governo Barbalho (o pai).

Fernando Neves
Fernando Neves é Doutor em História pela PUC/SP, Mestre em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido e Licenciado em História pela UFPA, da qual é Professor Associado, tendo exercido o cargo de Pró-reitor de Extensão, Diretor Executivo da FADESP e Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. É membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e da Sociedade Cinco de Agosto. Atua principalmente nos temas igreja, ultramontanismo, história das religiões, crítica ao desenvolvimento, semiótica, humanidades digitais e teoria da História.

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