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Em coletiva de imprensa realizada na última quinta-feira, 14 de agosto, representantes da comunidade científica, parlamentares, lideranças indígenas e pesquisadores de renome internacional defenderam medidas urgentes contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis na Amazônia. O evento ocorre a sete dias da 5ª Cúpula Presidencial da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), marcada para 22 de agosto em Bogotá, Colômbia, onde presidentes dos oito países pan-amazônicos – incluindo o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva – devem anunciar uma declaração conjunta sobre a crise climática.

Entre os participantes da coletiva estiveram o físico Paulo Artaxo, membro do IPCC; o deputado colombiano Andrés Cancimance; a pesquisadora Paola Yanguas Parra, do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD); e a liderança indígena peruana Olivia Bisa. A mediação foi do jornalista André Borges, da Folha de S.Paulo.

Para Paulo Artaxo, a crise climática é impulsionada essencialmente pela queima de combustíveis fósseis, que responde por cerca de 85% a 90% das emissões globais de gases de efeito estufa. Ele ressaltou que a Amazônia sofre dupla pressão: além do desmatamento, a floresta perde carbono também devido à degradação causada pelas mudanças climáticas:

A questão central na crise climática é a exploração e o uso de combustíveis fósseis, responsáveis por 85% a 90% das emissões globais de gases de efeito estufa. Se a COP30 não implementar políticas efetivas para acabar com o uso de combustíveis fósseis, haverá pouco a ser feito. A segunda maior fonte de gases de efeito estufa é o desmatamento de florestas tropicais, do qual a Amazônia é o componente principal. Vários países têm estratégias para eliminar o desmatamento até 2030, meta que todos devemos alcançar. Mas há um problema importante: a floresta amazônica está sofrendo degradação florestal devido ao aumento da temperatura global e à redução das chuvas, gerando estresse hídrico. A floresta perde carbono não apenas pelo desmatamento, mas basicamente pelo uso e exploração de combustíveis fósseis. Além de implementar efetivamente a transição energética nos países da OTCA, precisamos pressionar os países responsáveis pela maior parte das emissões para acelerar sua transição energética e alcançar um mundo livre de fósseis nas próximas décadas.

A pesquisadora Paola Yanguas destacou os impactos econômicos e sociais negativos da expansão petrolífera, especialmente na Amazônia colombiana, onde o custo de extração é elevado e os danos às comunidades e aos ecossistemas são irreversíveis:

Expandir a fronteira petrolífera na Amazônia colombiana não faz sentido: o custo econômico de extração e transporte é altíssimo, estão em risco sumidouros de carbono fundamentais para a Colômbia e para o mundo, e o impacto sobre comunidades e ecossistemas locais é irreversível. Ganharíamos muito mais ao interromper a exploração e planejar uma saída ordenada onde já existe produção.

Olivia Bisa, liderança do povo Chapra, relatou a resistência de sua comunidade à entrada de empresas transnacionais em seu território:

Como nação Chapra, temos 97% da nossa biodiversidade intacta, o que significa que nossa governança é legítima e exemplar nacional e internacionalmente. No entanto, o Estado peruano tenta explorar nosso território há anos. Resistimos à entrada de cinco empresas transnacionais, pressionamos nossos parlamentares e apresentamos um projeto de lei para declarar a Amazônia intocável, livre de atividade petrolífera e de todo tipo de extrativismo. Espero que na reunião da OTCA e na COP30 os líderes se comprometam a declarar a Amazônia livre de combustíveis fósseis. A floresta é uma esperança de vida. Se queremos um futuro para nossos filhos, é hora de protegê-la e agir.

Andrés Cancimance reconheceu a falta de consenso entre os países da OTCA quanto à eliminação dos combustíveis fósseis:

Não é segredo que há uma forte tensão em torno da ideia de eliminar gradualmente os fósseis na Amazônia, porque, apesar da intenção da Colômbia, países como o Brasil não concordam. Por isso, os parlamentares enviamos uma carta ao presidente Petro, incentivando-o a apresentar o tema mesmo que a OTCA não o priorize devido à falta de consenso. É preciso insistir agora em Bogotá e depois na COP30, para que o tema seja central nessas conferências. A omissão em relação ao problema dos fósseis é gravíssima. Temos muito a fazer no nível multilateral, mas principalmente no parlamentar; precisamos de legislação e regulamentação mais fortes. Referendos e declarações de zonas de exclusão não estão sendo eficazes. São urgentes leis nacionais, alinhadas com propostas legislativas já em debate na Colômbia, Brasil, Peru e Equador, que permitam avançar.

A Cúpula dos Presidentes da Amazônia será precedida por encontros ministeriais nos dias 20 e 21 de agosto. Apesar de não se tratar de um espaço formal de negociação climática, o encontro deve influenciar diretamente a posição regional apresentada na COP30, que acontecerá em novembro, em Belém.

Organizações da sociedade civil e especialistas internacionais defendem que a Amazônia seja considerada uma zona de exclusão para combustíveis fósseis. Entre as medidas propostas estão a definição de uma data para o fim da produção de petróleo e gás no bioma; a interrupção de novas ofertas de blocos de exploração, incluindo em áreas offshore; o redirecionamento de subsídios públicos para fontes de energia renovável; a reparação e recuperação de áreas degradadas com participação ativa das comunidades locais; e a proibição de financiamentos públicos e privados para novos projetos de extração na região.

Ignacio Arróniz, da Earth Insight, afirmou que a OTCA pode impulsionar a liderança climática removendo permanentemente blocos não atribuídos e gerindo a produção em declínio. Ilan Zugman, da 350.org, reforçou que a Amazônia “não pode ser zona de sacrifício” e defendeu a criação de um grupo intergovernamental para debater uma transição justa.

Estudos mostram que mais da metade da floresta equatoriana, 30% da peruana e quase um terço da boliviana e colombiana está sobre concessões petrolíferas. O Equador, maior produtor da região, ignorou o referendo popular de 2023 que proibia a exploração no Parque Yasuní. No Brasil, a pressão por exploração offshore na Margem Equatorial segue, apesar de negativas do Ibama.

Entre 2012 e 2020, o número de campos de exploração na Amazônia aumentou 13%. Em 2023, 74% da floresta permanecia intacta, mas cientistas alertam que a perda de 25% pode levar ao ponto de não retorno. Para evitar o colapso, manter a integridade da floresta e cessar a extração de combustíveis é essencial.

A expectativa para a 5ª Cúpula da OTCA é que os governos avancem para além do combate ao desmatamento e enfrentem, com coragem política, a urgência de uma transição energética justa e vinculante, centrada nos direitos dos povos da floresta e na proteção climática global.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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