Pesquisadores percorreram em sete dias quinhentos quilômetros às margens do rio Xingu e, além de confirmarem a presença de três espécies de peixes-das-nuvens – Pituna xinguensis, Plesiolebias altamira e Spectrolebias reticulatus, classificados como criticamente em perigo de extinção, e ainda descobriram novas espécies, nunca antes descritas pela ciência.
A expedição Xingu, organizada pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio) no âmbito do projeto Pró-Espécies: Todos contra a extinção por meio das ações previstas pelo Plano de Ação Territorial para Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção do Território Xingu, contou com a participação de pesquisadores da Universidade Federal do Pará/Campus Altamira e da Universidade do Rio Grande do Sul. Representantes do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Rivulídeos, coordenado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da UFPA/Campus Marajó-Soure, da Universidade Federal da Paraíba e da Ong Meandros também participaram da viagem científica.
O PAT Xingu visa a conservação de oito espécies-alvo, quatro de flora e quatro de fauna. A maioria é classificada como Criticamente em Perigo de extinção e não é contemplada em instrumentos legais de monitoramento e conservação. O território abrange grande área na região do Médio e Baixo rio Xingu, totalizando 37.844,86 km² e os principais vetores de pressão estão relacionados à expansão da fronteira agrícola e pecuária, além do desmatamento ilegal e da usina hidrelétrica de Belo Monte, que causam alterações ambientais e modificam a paisagem.
Os peixes-anuais ou peixes-das-nuvens das Américas fazem parte da família dos Rivulídeos e são muito sensíveis às mudanças do ambiente. Vivem em ambientes temporários, que podem ser poças, alagados, brejos ou áreas marginais de rios, e medem até dez centímetros.
Por conta das pressões antrópicas na região, a preocupação dos pesquisadores da expedição era confirmar a presença das três espécies-alvo do PAT Xingu na área. De acordo com professor André Netto Ferreira, da UFRGS, doutor em Zoologia, com a construção da UHE-Belo Monte, a ilha onde esses animais haviam sido identificados pela primeira vez, em 2003, e que supostamente seria o único local de ocorrência deles, acabou sofrendo modificações, o que poderia ter provocado o desaparecimento desses animais naquele local. A boa notícia é que as equipes encontraram populações das três espécies em ambientes temporários protegidos pela Resex (Reserva Extrativista) e o Parque Nacional da Serra do Pardo, ao longo de diferentes trechos do rio Xingu, entre Altamira e São Félix do Xingu.
Os pesquisadores coletaram amostras para fazer um estudo genético e, assim, ampliar o conhecimento sobre esses peixes. “Eles vivem em um trecho de rio que tem cerca de 500 Km, o que é algo atípico para esses animais. Normalmente, por viverem em ambientes restritos, em poças isoladas, e o rio Xingu ter muitas corredeiras, por enquanto não conseguimos enxergar uma possível conectividade entre essas populações”, explicou o professor.
Para o Dr. Leandro Sousa, um dos pontos mais relevantes da expedição é o contato com os moradores locais. Muitos deles nunca tinham observado os rivulídeos, apesar de pescarem todos os dias nos rios próximos às casas e conhecerem bem o ambiente. “Nós mostramos os peixes, explicamos sobre o ciclo de vida e com certeza essas informações serão muito importantes para essas pessoas. A região sofre com as pressões de grandes empreendimentos, como as usinas, e as comunidades tradicionais precisam de argumentos para tentar barrar algumas dessas atividades. Essas espécies de um centímetro podem ser muito valiosas para eles”, contou.
Entre as ações previstas pelo PAT Xingu está a elaboração de um diagnóstico etnobiológico, que tem o objetivo de estudar as relações das comunidades com as espécies-alvo das pesquisas e, a partir daí, elaborar material educativo e de divulgação. Afinal, as comunidades que coabitam e se relacionam diretamente com essas espécies ameaçadas são aliados importantes na luta pela conservação das espécies e, especialmente, dos seus habitats.
Para o Dr. André Ferreira, um caminho seria uma formação para os líderes dessas comunidades. “Eles seriam agentes do monitoramento dessas espécies. Poderia ser algo simples mesmo, apenas para transmitir informações básicas, mas que complementariam os dados sobre esses animais. Podemos falar nas escolas, conversar com fazendeiros também. Explicar sobre a importância de preservar alguns ambientes para conservar os peixes e é a natureza quem agradece”.
O empenho dos pesquisadores para preservar os rivulídeos demonstra como é importante preservar a biodiversidade brasileira. Esses animais coloridos, com menos de 10 centímetros, convivem com outros pequenos bichos e plantas garantindo, assim, o perfeito equilíbrio desse pequeno ecossistema.
“Para nós, biólogos, é uma questão moral e ética garantir a preservação dessas e de todas as espécies. No caso desses peixes, eles desempenham um papel fundamental no ecossistema e só os encontramos se o ambiente está bem conservado. É o que chamamos de espécie bioindicadora: só são encontradas onde a mata está íntegra, com o ciclo hidrológico completo. Considerando sua beleza natural, apesar do pequeno tamanho, poderiam ser ótimas espécies-bandeira para ações de conservação”, esclareceu Leandro Sousa.
André Ferreira reforçou, ainda, que todos os seres que coabitam o planeta “merecem viver”. “Não temos o direito de acabar com um produto da evolução e da natureza. E no caso dos rivulídeos, eles indicam quais áreas devemos priorizar para conservação. Essa é uma boa ferramenta, inclusive, para combater um eventual desmantelamento de regiões que sofrem com o desmatamento. A preservação desses peixes pode ser argumento muito importante para garantir a manutenção de áreas como a Resex e o Parna Serra do Pardo, além de evitar que mais áreas fora destas áreas de preservação sejam degradadas”, ponderou.
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