Publicado em: 16 de junho de 2025
Pela primeira vez, cientistas conseguiram cultivar corações contendo células humanas em embriões de porcos. O experimento, apresentado nesta semana na reunião anual da International Society for Stem Cell Research, em Hong Kong, é um passo tanto inédito quanto promissor no desenvolvimento de quimeras interespecíficas voltadas à geração de órgãos humanos para transplante.
O trabalho foi conduzido pela equipe do biólogo do desenvolvimento Lai Liangxue, do Instituto de Biomedicina e Saúde de Guangzhou, da Academia Chinesa de Ciências. O grupo já havia conseguido desenvolver rins humanos em estágios iniciais em porcos no passado, mas essa é a primeira vez que se registra um coração batendo com células humanas em embriões de suínos, que sobreviveram por até 21 dias.
A pesquisa ainda não passou por revisão por pares, mas os dados divulgados indicam um avanço técnico significativo. Para o experimento, os cientistas reprogramaram células-tronco humanas, inserindo genes que aumentam a sobrevivência celular e promovem o crescimento. Em paralelo, modificaram geneticamente embriões de porcos, eliminando dois genes fundamentais para o desenvolvimento do coração.
Em um estágio muito inicial do desenvolvimento, o da mórula (quando o embrião ainda é uma pequena esfera com cerca de 12 células), os pesquisadores injetaram as células humanas nos embriões de porco, que foram então implantados em porcas substitutas. O objetivo era fazer com que as células humanas preenchessem a lacuna deixada pelos genes ausentes nos embriões, formando um coração composto, total ou parcialmente, por células humanas.
Segundo Lai atestou para a revista Nature, os corações nos embriões atingiram o tamanho equivalente ao de um coração humano em desenvolvimento naquela fase (cerca da ponta de um dedo) e apresentavam batimentos. As células humanas foram identificadas graças a marcadores fluorescentes introduzidos previamente, o que permitiu acompanhar sua presença nos tecidos.
A equipe, no entanto, não especificou a proporção de células humanas nos corações desenvolvidos, o que é crucial para determinar o potencial de uso clínico desses órgãos no futuro. Em estudos anteriores sobre rins em embriões de porco, de 40% a 60% do tecido era humano; o restante, ainda suíno.
O uso de quimeras (organismos com células de diferentes espécies) ainda enfrenta muitas barreiras éticas, científicas e regulatórias. O biólogo Hiromitsu Nakauchi, da Universidade Stanford, alertou para a necessidade de verificar se as células são realmente humanas, uma vez que contaminações com células de outras espécies não são incomuns em experiências com quimeras.
Já Hideki Masaki, do Instituto de Ciência de Tóquio, destacou que as células fluorescentes humanas estavam restritas a áreas limitadas do coração, o que levanta dúvidas sobre a eficácia da integração com as células suínas. Para que um órgão seja transplantado com segurança, ele precisa ser composto integralmente por células humanas, de modo a minimizar a rejeição pelo sistema imunológico do receptor.
A pesquisa se insere num campo cada vez mais promissor e controverso: o de cultivar órgãos humanos em animais, como forma de suprir a demanda global por transplantes. Porcos são considerados bons candidatos por possuírem órgãos semelhantes em tamanho e anatomia aos dos humanos.
Ainda que os resultados sejam preliminares e enfrentem obstáculos significativos até chegarem à aplicação clínica, o experimento abre novas perspectivas para o futuro da medicina regenerativa. O próximo passo será melhorar a integração celular e aumentar a proporção de células humanas nos órgãos gerados.
Foto em destaque: Daniel Sambraus/Science Photo Library/Nature
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