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Na culinária, o BANHO-MARIA é um método onde a comida não entra em contato direto com o fogo, experimentando um cozimento mais lento. Seja salgado ou doce, o alimento fica em um recipiente, que é colocado dentro de outro maior, onde já existe água fervendo ou prestes a ferver. Trata-se, portanto, de um preparo realizado pelo calor de forma indireta, de modo lento, progressivo e uniforme. Nos laboratórios químicos e na indústria de transformação, o Banho Maria ganha status de método científico, utilizado para o aquecimento gradual de qualquer substância líquida ou sólida, sempre com o uso de dois recipientes. E qual a razão do tal banho ter o nome de Maria e não o de outra mulher, entre as centenas de belos nomes femininos que existem? Seria uma homenagem especial àquela que os católicos e a própria Igreja reverenciam como a Abençoada Virgem Maria, aquela que é considerada a “Rainha do Céu e da Terra”, a venerada “Nossa Senhora – a Mãe de Deus”, assim chamada desde o período medieval e como tal reconhecida desde o Concílio de Éfeso, no remoto ano de 431? Desta vez não. Reza a lenda que se trata de uma alusão à alquimista Maria conhecida como Maria Hebraica, Maria Judia ou Maria Profetisa, que seria inclusive irmã de Moisés. Foi ela quem inventou o processo de cozinhar lentamente, mergulhando um recipiente na água fervente contida em outro maior. Concebeu também várias bases teóricas para a alquimia, que mais tarde evoluiu triunfalmente para a química. Em Portugal, “em Banho Maria” é igualmente uma expressão popular e se refere às toalhas de praia que nossos patrícios utilizam, tendo como significado esperar numa boa, ficar flutuando no tempo, de vez que atualmente, as idas ao mar fazem parte indissociável do verão dos portugueses. Trata-se de um singelo ritual do bom tempo, aonde alguém vai à praia, estende uma toalha, dá um mergulho e volta para se enxugar. Uma rotina que é praticada com frequência e que permite “ficar em Banho Maria”, derreado na toalha de praia, até que o corpo ganhe um perfeito bronzeado de verão. Por outro lado, devido ao Banho Maria ser um processo lento, a expressão “deixar em Banho Maria” ou “levar em Banho Maria” com o tempo também passou a ser usada para indicar que alguém está enrolando, procrastinando, engazopando ou embromando outra pessoa ou em uma situação em que ela vai permitindo indevidamente que algo aconteça, vai incorrendo em erro, vai sendo enganado, iludido ou logrado em sua boa-fé, sem qualquer reação. Costuma ser usada nos relacionamentos amorosos, quando um pretendente não quer nada de sério com uma mulher, mas não a dispensa, deixando-a como opção, à qual pode recorrer sempre que quiser. É muito comum, na linguagem coloquial, ouvir que “alguém ainda não decidiu se vai levar adiante aquele projeto ou vai deixá-lo cozinhando em Banho Maria”. Ou, ainda, no escrutínio dos bisbilhoteiros: “…todo mundo vê que fulano está levando sicrana em Banho Maria, pois até agora, nada de casamento…”. A música e a literatura não deixaram de se valer dessa curiosa expressão, incluindo-a em textos e canções, como fez Joyce Moreno na música intitulada “Banho Maria”, cuja letra é significativa: “só sei, quando a gente se abraça // a paixão se ameaça // fica sempre a ferida // eu sei que o seu medo da morte // não é assim tão forte // como o medo da vida // se é cedo o café bem quente // o abraço morno, banho de água fria // se é tarde, a amarga dose, a canção // o prato em Banho Maria”. O escritor Ildefonso Guimarães, que na juventude morou em Portugal e abrilhantou a Cadeira n.º 5 da Academia Paraense de Letras, um dos maiores ficcionistas que o Pará já teve, em seu excelente romance “Os Dias Recurvos”, narra a impaciência do delegado de polícia obidense Tenente Fontelles, no ingente esforço de convencer o telegrafista Zé Cosme, ambos maçons convictos, a passar uma mensagem urgente ao interventor Magalhães Barata, avisando-lhe que os sargentos do 4.º Grupo de Artilharia de Costa do Exército, sob a liderança de um certo Coronel Pompa, haviam se sublevado, aprisionado toda a oficialidade e incondicionalmente aderido à Revolução Constitucionalista de 1932 de São Paulo. Eis o diálogo, na página 112 da magnífica obra: – “Não se trata disso, seu Cosme; não ponha a Ordem nessa questão, porque acima de tudo está o seu dever de cidadão brasileiro e esse é também um princípio maçônico: o dever para com a Pátria” (o tempo voa este sacana está querendo me cozinhar em Banho Maria). O senhor vai passar já e já esta mensagem, ou eu não me chamo Fontelles”. Na política, é trivial candidatos eleitos ficarem “cozinhando o galo”, “empurrando com a barriga”, embromando, retardando providências, demorando a fazer algo que poderiam ter feito e simplesmente não fazem, sendo acusados de estarem levando a administração em “Banho Maria”. Finalmente, existe o “Banho Maria Invertido”, utilizado para o resfriamento rápido de alimentos, trocando-se a água fervente por água com gelo ou muito gelada. O apreciado “molho holandês”, que consiste em uma mistura de manteiga e gema de ovos com um toque cítrico, de textura leve e muito saboroso, é conseguido com esse método.

Célio Simões
Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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