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O bispo do Marajó, Dom José Azcona, foi ardorosamente aplaudido de pé durante a sua palestra sobre  “Exploração sexual infantil e tráfico de pessoas”, na Conferência Internacional de Direitos Humanos da OAB, no painel coordenado pelo juiz Elder Lisboa, que teve a participação da professora
doutora 
Esther Martínez Quinteiro, do Programa Doutorado Direitos Humanos de Salamanca/Espanha; da secretária de Estado Izabela Jatene, membro
do Comitê Permanente da América Latina para Prevenção do Crime – ILANUDI/ONU; 
da delegada geral adjunta de Polícia Civil do Pará Christiane Ferreira; de Ildo Gasparetto, superintendente regional da Polícia Federal do Pará e do Amapá; da promotora de justiça Lucinery
Rezende (Promotoria de violência contra a mulher do MP do Pará); de 
Leila Silva (coordenação estadual de Promoção dos Direitos dos Trabalhadores
Rurais, Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Secretaria de
Estado de Justiça e Direitos Humanos); de 
Ana Celina Bentes Hamoy, (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Cedeca/ Emaús); de Marcel Hazeu (Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia – Sodireitos); de Eugênia Melo (Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra
Crianças e Adolescentes); de  
Assis Oliveira (Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Contra
Crianças e Adolescentes de Altamira/PA); de 
Andreza Pantoja de Oliveira Smith (advogada e professora de Direitos Humanos), de Adriana Macedo(coordenadora do Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes); de 
Érika Sobral (inspetora da Polícia Rodoviária Federal, presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos da PRF) e de Ricardo Washington
Moraes de Melo (presidente da Comissão da Criança e do Adolescente
da OAB/PA).

O sacerdote falou sobre a constante violação dos direitos humanos no arquipélago marajoara. Abusos sexuais contra crianças e adolescentes, exploração sexual infantil e tráfico humano e de drogas e armas, dentre outras atrocidades. Pelas denúncias que faz desde 1983, Dom Azcona sofre ameaças de morte, mas continua o seu trabalho evangelizador e não aceita ser escoltado. Foi ele que, com muita coragem, levou o problema da pedofilia no Brasil para o Vaticano, pedindo providências ao Papa. 

Durante sua exposição, foi exibido parte do documentário feito pela TV Aparecida mostrando cenas chocantes das chamadas “Meninas Balseiras” do rio Tajapuru, entregues por suas próprias famílias a pedófilos em troca de um quilo de carne, ou um pacote de biscoito, ou um litro de óleo diesel, tal é a miséria em que vivem. 

Eis alguns trechos de sua impactante fala.

“No mês de agosto, setembro, recebi uma ligação de um membro da Comissão de Direitos Humanos, gritando: ‘Monsenhor, Monsenhor’ – esteve uns três minutos, nervoso, agitado, e eu tentando acalmá-lo. De que se trata? ‘Se trata que os contatos que temos aí em Belém estão nos dizendo que tanto o senhor quanto eu estamos sendo seguidos para nos matar, e que os grupos são muito perigosos’. No dia 09 de dezembro o mataram, dois dias depois da visita do presidente Lula em Breves. Que prometeu a salvação do Marajó, mas não fez nada. Zero. Dia 21 apareceu meu nome no jornal O Globo, com a manchete “Marcados para morrer no Pará”. Dezesseis nomes, o meu no meio, junto com outros dois bispos, o grande Dom Erwin Krautler e Dom Flávio Giovenalle.”

“Em 2009 e 2010 a Assembleia Legislativa do Pará criou a CPI da Pedofilia, 25 mil casos foram denunciados. Segundo os especialistas em estatística, atrás de cada caso denunciado há mais quatro não denunciados. Percebemos que esse problema não é um problema só do Marajó, do Pará, da Amazônia, mas do Brasil e do mundo. A Assembleia fez um trabalho ótimo, e os esforços levaram à CPI do Tráfico Humano, em 2011. Em 2014 houve a campanha da Fraternidade “Enfrentamento ao Narcotráfico, fruto em grande parte do trabalho feito no Pará pela Comissão Justiça e Paz da CNBB Norte II. “

“Melgaço é o município mais pobre de todo o Brasil, tem o índice mais baixo de desenvolvimento humano e 50% dos adultos são analfabetos, desenvolvimento zero. E o Marajó está declarado pela Constituição Área de Proteção Ambiental.”

“A ausência do Ministério Público é uma das causas mais graves de toda essa situação. Já faz um ano inteiro que Breves – que fica na outra beira do rio Tajapuru e tem população de 100 mil habitantes – não tem promotor titular. Este é um crime de Estado e tem que ser denunciado aqui! “

“Tem aumentado enormemente nesses últimos meses os crimes de abusos sexuais e a impunidade. Durante os meses de novembro, dezembro e janeiro não tem juiz nem promotor. Eu denuncio aqui, nesta conferência!”. 

“Perto está Bagre, com uma população de 25 mil habitantes, não teve delegado durante os oito últimos anos. São crimes de Estado.”

“Para que vejam a transcendência dessa realidade e a influência desta temática, tenho aqui uma declaração de um promotor recentemente concursado que diz: “_Embora haja 109 cargos vagos, segundo informações do site do MP, a situação é mais precária nos pequenos municípios, onde há quase 70% de cargos vagos. Por falta de verba orçamentária, pode ser que nomeiem apenas 30 candidatos inicialmente. Não se pode ponderar que, por falta de orçamento, a cidadania de uma sociedade não tenha provisão de promotor! Isso é muito grave, é uma razão ingênua. Seria bom que a OAB entrasse aqui, enfrentasse o problema, senão quem vai defender?”

Um elemento decisivo é a demolição sistemática da capacidade de resistência ética.  Não tem ética. Todo o Brasil perdeu. Somos um povo que perdeu sua dignidade ética, em grande parte, desde os grandes até os menores também. Nós precisamos de homens novos, brasileiros novos, brasileiras novas, para um Brasil verdadeiro, através de um choque ético, forte, que para mim, que creio em Jesus Cristo, vem.”

Muitos jornalistas me têm feito esta pergunta, do Sri Lanka, Holanda, Argentina: ‘_Excelência, o Sr. não tem medo de morrer?’ Quem quer entrar na luta em defesa dos direitos humanos vai correr risco mesmo. Esta é a pergunta chave para todos nós, para esta conferência. Eu respondo para eles o que vou dizer com muita simplicidade para os irmãos e irmãs aqui presentes. Eu penso muito na morte, e é um pensamento salutar. Porque o que marca o presente de modo forte é o que vai vir. (…) Estes fatos não me têm feito perder um minuto de sono. Se um dia Jesus me chamar para dar o testemunho Dele, eu estou preparado. (…) E nessa linha, se um dia Deus me orientar para morrer por essas ovelhas do Marajó, como essas pequenas que vocês têm visto, maltratadas, perseguidas, abandonadas por todo mundo, da Federação e também do Estado… Agradeço por tudo o que têm colocado aqui, de progressos, de projetos, planos, aplausos, mas são completamente insuficientes para mudar essa realidade. Se um dia Nosso Senhor me chamar a morrer por esse Marajó abandonado, essas ovelhas que são vendidas e compradas como coisas, para mim será o fecho melhor, alegria suprema. “
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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