Publicado em: 21 de dezembro de 2025
O belo poema já foi atribuído a Friedrich Schiller sob aquela velha perspectiva de que quando não se sabe a autoria de um bom poema, este seria alguma autoridade.
O caso mais recente é um poema sobre o passar dos anos atribuído a Mario de Andrade, e na verdade não é dele.
O texto chama-se “O valioso tempo dos maduros”, aquele que já ficou famoso pela autoria indevida e que fala de quem já se cansou de egos inflamados e de mediocridades, reuniões, conversas intermináveis, assuntos inúteis, invejosos “tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte” – bela reflexão cujo autor já reclamou sua autoria, depois de muita treta na internet.
O autor é Ricardo Gondim que lutou contra a autoridade de mortos famosos como Mario de Andrade e Rubem Alves.
A velha questão de autoria é delicada, reticente, minunciosa.
E quem leva a fama no fim?
Quem recebe os louros?
(a coroa de louro era o ápice a um vencedor nos famosos torneios literários da Grécia Antiga).
Sabemos que o poema alemão “Die Gedanken sind frei” (Os pensamentos são livres) é uma canção sobre a liberdade de pensamento, e sua origem é incerta.
Acredita-se que o texto foi publicado pela primeira vez em folhetos por volta de 1780, enquanto a melodia apareceu entre 1810 e 1820.
Um fato é certo: a sua popularidade rompeu barreiras de toda sorte e muitos reclamam sua autoria.
Não há consenso sobre quem escreveu a cançāo.
Por uma questāo histórica, todavia, é frequentemente associada a Hoffmann von Fallersleben, que publicou uma versão, reunida à antologia de canções populares silesianas, em 1782.
As seletas em prosa & verso se tornaram frequentes no Romantismo, movimento popular surgido na Escócia, com poetas como James Mcpherson e Robert Burns, este havia recolhido a famosa cançāo “Auld Lang Syne”.
“For auld lang syne, my jo,/ for auld lang syne,/we’ll tak’ a cup o’ kindness yet, for auld lang syne.”
Defendo a tese de que ao filólogo (o que compara textos) recai a tarefa mais difícil na busca da autoria de uma obra.
E mais ainda: a questão de autoria é como um fio que puxa outro fio na tessitura da obra.
Veja o exemplo: aqui, nas Américas, Cielito Lindo mexicano preservou a melodia original escocesa que, por sua vez, se espraiou no Brasil pela voz de Carmen Costa, sucesso de 1943, muito cantando nos estádios de futebol quando o torcedor via seu time vencer: “… ai, ai, ai,/ai,ai, ai, /está chegando a hora,/ o dia já vem raiando, meu bem,/ e eu tenho que ir embora…”.
Esse exemplo musical ilustra a questão da autoria: se torna uma tarefa como procurar a agulha no palheiro: vamos bater em uma fonte obscura.
A versão brasileira da canção mexicana “Cielito Lindo”, que tem influência escocesa, é conhecida como “Está Chegando a Hora”, “feita” originalmente por Quirino Mendoza y Cortés, em 1882.
A adaptação brasileira é de Rubens Campos e Henricão.
Vamos reprisar:
Canção popular escocesa (recolhida por Robert Burns)
Quirino Mendoza y Cortés (versão “original” mexicana).
Rubens Campos e Henricão (adaptação brasileira).
Carmen Costa gravou a canção, sucesso no Carnaval de 1943.
Wilson Simonal também regravou a canção em 1967, e desde então ela se tornou um clássico da “música brasileira”.
O Romantismo tem a voz do povo.
É isso que quero dizer.
Na mesma proporção, o pensamento é livre assim como a autoria.
Pensar livremente, não é de hoje, remonta à qualquer época na qual se quer pensar, como na Antiguidade Clássica.
Na Idade Média foi o livre-pensar cantado por poetas como Walther von der Vogelweide e Freidank.
“Die Gedanken sind frei” se tornou um símbolo de resistência contra a repressão política e a censura, especialmente durante o regime nazista na Alemanha.
Virou uma forma de protesto por grupos de resistência, como a Rosa Branca. Em 1942, Sophie Scholl, membro da Rosa Branca, tocou a música em sua flauta fora da prisão de Ulm como um ato de resistência.
Apesar da fama, nāo é de Friedrich Schiller o belo poema.
Ele, como um importante poeta e dramaturgo alemão, conhecia a canção mas não há evidências de que ele tenha escrito “Die Gedanken sind frei”.
A autoria do poema permanece, nas brumas do tempo, anônima ou associada a Hoffmann von Fallersleben devido à sua publicação em “Schlesische Volkslieder”.
Eis os versos em português:
OS PENSAMENTOS SÃO LIVRES
1.
Os pensamentos são livres,
quem pode adivinhá-los
eles fogem passando
como sombras noturnas.
Nenhum homem pode sabê-los,
nenhum caçador alvejá-los,
Eles assim permanecem:
pensamentos são livres.
2.
Eu penso no que eu quero,
e no que me faz feliz,
mas tudo no entanto,
é como emana
Meu desejo e o desejo
ninguém pode negar,
Eles assim permanecem:
pensamentos são livres.
3.
Eu amo o vinho,
E acima de tudo
A minha menina
Não me faz sozinho
Com o meu copo de vinho,
E ela agora aqui comigo:
pensamentos são livres.
4.
E se eles me bloqueiam
No calabouço escuro,
todos estes são puramente
obras fúteis;
Porque os meus pensamentos
Quebram as barreiras
As paredes ao meio:
Pensamentos são livres.
5.
Então, eu renuncio
Aos pesados cuidados
Sem problemas lamentar.
Meu coração está
sempre rindo e brincando
Assim pensando:
pensamentos são livres.
Do original: Die Gedanken sind frei.
Se os pensamentos são livres, por que não as “autorias”.
E que cada um cante à sua maneira em português ou em alemão.
Os pensamentos são livres.
Die Gedanken sind frei
Idioma : Alemão
Die Gedanken sind frei, wer kann sie erraten,
sie fliehen vorbei wie nächtliche Schatten.
Kein Mensch kann sie wissen, kein Jäger sie schießen
es bleibet dabei: Die Gedanken sind frei!
Ich denke was ich will und was mich beglücket,
doch alles in der Still’, und wie es sich schicket.
Mein Wunsch und Begehren kann niemand verwehren,
es bleibet dabei: Die Gedanken sind frei!
Ich liebe den Wein, mein Mädchen vor allen,
sie tut mir allein am besten gefallen.
Ich bin nicht alleine bei meinem Glas Weine,
mein Mädchen dabei: die Gedanken sind frei.
Und sperrt man mich ein im finsteren Kerker,
das alles sind rein vergebliche Werke;
denn meine Gedanken zerreißen die Schranken
und Mauern entzwei: die Gedanken sind frei.
Drum will ich auf immer den Sorgen entsagen
und will mich auch nimmer mit Grillen mehr plagen.
Man kann ja im Herzen stets lachen und scherzen
und denken dabei: die Gedanken sind frei.
Traduçāo: Benilton Cruz, cadeira 11, patrono: José Wilson Malheiros da Fonseca, da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará (AMALEP); cadeira 35, da Academia Paraense de Letras (APL). Professor da UFRA.





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