A utilização de imóveis residenciais como alojamento local representa, hoje, um grande problema em cidades turísticas. Alugar casas por diárias através de plataformas digitais é muito mais lucrativo para os proprietários do que contratos de aluguel fixo, o que desencadeia a falta de oferta de moradia e preços mais caros para as restantes, impossíveis de serem assumidos para a maior parte da população, causando a gentrificação – a expulsão da maior parte da população dos centros para áreas mais afastadas, muitas vezes de difícil acesso.
Em junho de 2024, a Prefeitura de Barcelona anunciou que não renovará as licenças de aproximadamente 10.000 apartamentos turísticos, quando expirarem, em novembro de 2028, para que essas propriedades possam retornar ao mercado de habitação residencial, contendo assim o aumento dos preços e melhorando a qualidade de vida dos residentes. Os aluguéis na cidade aumentaram 68% na última década, enquanto os preços de compra de imóveis subiram 38%.
Amsterdã também tomou medidas para controlar o impacto do turismo excessivo, proibindo a construção de novos hotéis e combatendo o turismo de massa como forma de preservar a qualidade de vida da população da cidade. No Rio de Janeiro, é impossível para um trabalhador médio viver de aluguel na Zona Sul, com apartamentos de um quarto sendo alugados em plataformas como o Airbnb por diárias de 2 mil reais – às vezes até mais.
Tudo isso para falar de um “fenômeno” que já começou a virar piada em meios nacionais e internacionais: os preços de alojamento praticados em Belém para os onze dias da COP30, em novembro de 2025. Se me contassem que existem residências (que não são mansões ultra tecnológicas com vinte e nove suítes) com diárias de um milhão de reais, eu diria que era potoca, e das grandes. Mas não, não é.
Belém tem um potencial turístico colossal, historicamente negligenciado e não-fomentado com a única justificativa para isso ser, além da má utilização de verbas públicas, a condição de opressão colonial exercida pelo Brasil sobre nós – que pela inteligência mais básica nos faria, no mínimo, o hub do Brasil por causa de nossa localização estratégica para voos internacionais com a Europa e Américas Central e do Norte. Quando finalmente hospedaremos uma grande convenção internacional, que tem como poder impulsionar o mercado turístico e transformá-lo numa fonte de renda contínua para a população, simplesmente piramos na batatinha, no delírio do grande lucro imediato, e já vamos destruindo aquilo que sequer começou.
A função da COP é discutir e chegar a soluções ambientais urgentes que possibilitem a continuidade da vida humana no planeta Terra – e não um show privado da Mariah Carey no meio do rio. Com esse tipo de prática surreal dos alojamentos locais, os proprietários de imóveis de Belém vão fazer seus pés de meia às custas das grandes corporações, as únicas com a possibilidade de arcar com os preços para os participantes que vierem as representar. E, adivinhem só, essa galera não tá nem um pouco afim de salvar o meio ambiente, de combater as mudanças climáticas, de proteger a Amazônia e proporcionar uma vida digna para a população. Eles querem arrumar formas de contornar as políticas e a opinião pública para explorar ainda mais nossos territórios às custas do suor e sangue da nossa gente.
Portanto, queridos conterrâneos, precisamos cobrar sempre mil coisas dos governos federal, estadual e municipal, mas é duro quando, no âmbito privado, contribuímos para um sistema violento que pode acarretar o desastre maior da humanidade: seu fim. Eu sei, todo mundo tem boletos para pagar e eu entendo – e até apoio, devo admitir – o anseio de embolsar os olhos da cara das megas cooperações, mas tenhamos a consciência de que a qualidade das pessoas que participam das discussões climáticas é de extrema importância para a nossa sobrevivência na Terra. Quem realmente tiver boas intenções, muito provavelmente, não terá condições financeiras de vir.
Quem tiver seu puxadinho, vai sair do vermelho. No final, vamos todos pagar com sangue.
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