Nove anos após o rompimento da barragem de Fundão, operada pela Samarco em Mariana (MG), o julgamento de uma das maiores tragédias ambientais da história do Brasil teve início nesta segunda-feira, 21 de outubro, em Londres. O caso, que envolve 620 mil atingidos, entre pessoas físicas, comunidades tradicionais, 46 prefeituras e cerca de 1.500 empresas e instituições, busca responsabilizar a anglo-australiana BHP, uma das controladoras da Samarco, pelos danos causados.
Em 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos da mineradora Samarco, um consórcio entre Vale e BHP, se rompeu, liberando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. A avalanche de lama tóxica destruiu comunidades inteiras, contaminou o Rio Doce e seus afluentes, afetando 49 municípios em Minas Gerais e Espírito Santo, e matou 19 pessoas. Além das perdas humanas, a tragédia de Mariana devastou modos de vida tradicionais e causou danos ambientais cujas consequências são sentidas até hoje por todos, em especial pelos povos indígenas da região, como os Krenak e os Pataxós. O impacto da lama tóxica também chegou ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo.
O processo foi movido contra a BHP em 2018 por milhares de atingidos que buscam reparação financeira pelos danos sofridos. As vítimas argumentam que a mineradora tinha controle operacional sobre a Samarco e, portanto, deveria responder pelos eventos que levaram ao colapso da barragem. A decisão de levar o caso ao Reino Unido se deve ao fato de que a BHP estava listada na Bolsa de Valores de Londres na época do desastre, e os advogados das vítimas alegam que o sistema jurídico brasileiro não permitiria uma ação coletiva com a mesma abrangência. A defesa das vítimas, liderada pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead, sustenta que a BHP sabia ou deveria saber dos riscos relacionados ao rompimento da barragem e, portanto, deve sim ser responsabilizada.
A expectativa é de que o julgamento, que pode durar até três meses, seja um dos maiores processos ambientais coletivos do mundo. Caso a BHP seja considerada culpada, o valor das indenizações pode chegar a R$ 230 bilhões. A Vale, outra acionista da Samarco, já firmou um acordo com a BHP para dividir os custos das indenizações, caso haja condenação.
Em resposta ao desastre, a Samarco, em conjunto com Vale e BHP, criou a Fundação Renova para gerenciar as ações de reparação e compensação. A fundação afirma já ter destinado R$ 37,83 bilhões para a reparação de danos, incluindo R$ 14,86 bilhões em indenizações. Mais de 430 mil pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e quilombolas foram “compensadas” até o momento. É difícil pensar em algo que realmente compense a dor da destruição de uma comunidade totalmente coberta por lama tóxica. Novo Bento Rodrigues, uma cidade construída pela Renova como parte das ações de compensação, oferece uma nova vida para alguns moradores, mas muitos lamentam a perda de suas raízes e da unidade comunitária. Uma grande parte dos atingidos não se sentem completamente reparados.
A BHP nega qualquer responsabilidade pela tragédia e afirma que a ação no Reino Unido é desnecessária, uma vez que já existem processos em andamento no Brasil, além das ações da Fundação Renova. No entanto, para os advogados das vítimas, os esforços da BHP e da Renova são insuficientes. Eles afirmam que os acordos e compensações oferecidos no Brasil não são justos e que o julgamento no Reino Unido oferece uma chance de obter uma compensação mais completa.
A expectativa é de que a sentença seja proferida em 2025, com os possíveis pagamentos às vítimas começando em 2028. Até lá, , as vítimas da tragédia de Mariana continuam a lidar com as consequências da destruição de suas comunidades e a perda de entes queridos. O julgamento põe em foco as responsabilidades das grandes corporações no manejo de riscos ambientais.
Foto: Matthew Pover / Divulgação
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