Publicado em: 6 de outubro de 2025
O Itaú Cultural abre nesta terça-feira, 7, às 18h, no Museu da Imagem e Som do Pará, a mostra Claudia Andujar – cosmovisão, revelando a trajetória singular da lendária fotógrafa de 94 anos, entre as décadas de 1960 e 1970. A curadoria é de Eder Chiodetto e o projeto expográfico de Marcus Vinicius Santos.
A abertura traz bate-papo com os fotógrafos paraenses Elza Lima e Alexandre Sequeira e o curador Eder Chiodetto, no auditório Eneida de Moraes, do MIS, seguida de visita ao espaço expositivo, a partir das 19h. A entrada livre e gratuita, limitada à lotação de espaço.
A mostra seguirá em cartaz no MIS Pará até 18 de janeiro de 2026. Os 71 trabalhos exibidos em Belém foram realizados por Claudia durante seis décadas, desde que, fugindo do nazismo, partiu da Hungria para os Estados Unidos e em 1955 desembarcou em São Paulo para encontrar a sua mãe e ali viver até hoje.
A artista exerceu forte influência para que a fotografia entrasse nos museus como arte nos anos de 1970. Claudia usava filmes fotográficos infravermelhos, cromos riscados, filtros monocromáticos, imagens refotografadas com distorções e mutações de luzes e cores, justaposições e duplas exposições. Para Chiodetto, eram estratégias para chegar à representação da percepção sensorial. “Isso permitiu que, anos mais tarde, a artista pudesse materializar em imagens a espiritualidade, a relação dos indígenas com as entidades e guardiões da floresta”, diz. “Ela precisava que a fotografia atravessasse a superfície do real para representar de forma potente o lado de lá, o não visível. Só conseguiu isso justamente por essa experiência anterior de expansão da linguagem e possibilidades fotográficas.”
No MIS Pará, Claudia Andujar – cosmovisão está separado em três ambientes, ocupando todo o andar. Assim que o visitante chega, encontra a produção de sua fase mais experimental. Em uma ampla sala ao lado, estão os trabalhos realizados com os Yanomami. Um terceiro espaço exibe um audiovisual do livro de fotos Amazônia (Praxis, 1978), publicado por Claudia e o também fotógrafo George Love, editado por Regastein Rocha, com design do artista Wesley Duke Lee e prefácio do poeta amazonense Thiago de Mello – cujo texto foi, depois, censurado pela ditadura militar. Neste espaço, o público também poderá ver a videoinstalação Sonhos Yanomami (2002-2024), obra de Andujar com releitura do artista Leandro Lima.
A mostra começa com as séries Pesadelos e Homossexuais. A primeira é um ensaio que a fotógrafa publicou na revista Realidade, em 1970, para uma reportagem sobre os avanços da ciência no campo psíquico. Nela, Claudia demonstra sua desenvoltura técnica e conceitual ao propor imagens enigmáticas e perturbadoras por meio de sobreposições, mutações cromáticas e descolamento da gelatina do negativo revelado com alta temperatura. Na segunda, ela usa outras técnicas para a concepção das imagens de modo a não revelar as identidades das pessoas homossexuais fotografadas e para criar atmosferas diversas. Eram tempos de ditadura e opressão à homossexualidade e ela precisava preservá-los.
Aqui, o visitante também encontra a série de fotos intitulada A Sônia. A protagonista era uma mulher negra e baiana, que sonhava em se estabelecer como modelo em São Paulo. Ela precisava de boas fotografias para montar seu portfólio e levar às agências, mas não tinha recursos para isso. Claudia fez as fotos em troca de autorização para usar as imagens que julgasse necessárias para o seu projeto.
Em 1971 a fotógrafa apresentou o trabalho no Museu de Arte de São Paulo (Masp) de forma diferente: uma projeção de slides em uma sala com vários desses projetores, então considerados inovadores. As suas projeções, em diversas direções e simultaneamente, eram ultra coloridas, acompanhadas de música. Chegavam a provocar um efeito visual lisérgico por meio de um plástico espelhado acondicionado no centro da sala, onde a luz e as imagens batiam e voltavam para o espectador.
Um dos destaques da mostra é O voo de Watupari, resultado da travessia que ela fez em 1976, ao lado do missionário Carlo Zacquini. Eles viajaram de São Paulo até a Amazônia a bordo de um fusca preto. Em Yanomami, “watupari” significa urubu. Quando eles viram o carro que a transportava, acharam engraçado e diziam que parecia com esta ave, mas sem asas. Por fim, concluíram que, como o veículo a levou até ali, ela fez um voo de watupari.
Para a exposição, este trabalho ganhou uma releitura colorida das imagens que a artista fez em P&B há 48 anos. Em 2024, as fotos foram reconstituídas por ela, com o recurso da sobreposição de peças acrílicas coloridas, montando, desmontando e remontando as mais diversas hipóteses de leitura, até chegar às que lhe agradassem.
Em O sonho verde-azulado, a fotógrafa faz uma ode ao onírico e à harmonia entre a natureza e o ser humano. São parte de seus primeiros registros em terras Yanomami. Claudia havia feito várias fotografias em preto e branco da jovem indígena Paxo+m+k+. Em 1982, ao revê-las, refotografou os retratos com filme infravermelho e, em etapas sucessivas de manipulação, conferiu a eles as tonalidades verde e azulado.
Por sua vez, Reahu, o invisível, registra importante ritual indígena ligado à morte e à ressurreição em imagens que parecem demonstrar a separação do corpo e do espírito. Ela alcançou este efeito por meio de múltiplas exposições, baixa velocidade de obturador e uso experimental do flash. É a única série toda copiada de forma analógica, em papel de prata, especialmente para a exposição.
A série Sonhos Yanomami é composta de fotos feitas por ela a partir de 1976, quando viveu com os indígenas durante um ano – acabou expulsa pelos militares, acusada de ser uma perigosa espiã estrangeira. Anos mais tarde, em 2002, devido às suas experiências em justaposição de retratos e paisagens, ela conseguiu chegar a uma representação muito próxima das imagens que os Yanomami relatam quando voltam do transe xamânico. Alcançar essas imagens era seu grande desafio.
Naquele ano, Claudia manuseava os cromos dessas fotos em sua casa quando percebeu que alguns deles haviam se fundido, resultando em registros visuais muito próximos dessas mirações. Quando seus amigos indígenas as viram disseram que, sim, era assim mesmo. Deste modo, a fotógrafa conseguiu tocar com a sua arte o não visível.
Quando encontrou no trabalho com a arte uma possibilidade de vida, Claudia Andujar carregava consigo o trauma de, aos 13 anos de idade, ter voltado para a sua casa, na Hungria, e encontrado a mesa de jantar feita, porém vazia. Durante a refeição, o seu pai fora deportado para um campo de concentração nazista, onde foi morto, com parte da sua família. Ao tornar-se artista, vivendo no Brasil, ela se dedicou a se aproximar dos povos em perigo, como (ainda) são as mulheres, os homossexuais e os seres da floresta.







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