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Edyr Augusto é amigo de Carlos Augusto há muitos anos. Hoje ele completa 70 anos de idade. Estou feliz. Quando veio a Belém com “Macunaíma”, assisti ao espetáculo umas quatro vezes, deslumbrado. Saí do teatro e escrevi “Angelim, o outro lado da Cabanagem”, espetáculo com o palco tomado por atores e bailarinos. Nosso amigo comum, Rohan Lima estava à frente do Experiência e o trouxe para a oficina “Experimenta que eu gosto”. Ali travamos contato. Antes, voltara a Belém com uma peça sobre “Zé Fidélis”, quando teve de se apresentar em horário alternativo por conta do show de Rogéria. Rohan o trouxe mais uma vez, agora para dirigir “Senhora dos Afogados”, de Nelson Rodrigues, em um prédio ali no Ver o Peso. Coube a mim e Rohan adaptar o texto. Em outro momento, veio ministrar outra oficina, pela Secult. No meio disso tudo, “Meu tio Iauaretê”, que deslumbrou mais uma vez o mundo. Então, Eduardo Silva produziu a peça “Nunca houve uma mulher como Gilda”, com a saudosa Gilda Medeiros no elenco e Cacá Carvalho na direção. Uma audácia. Foi quando ele começou a mudar a minha vida de autor teatral. Uma noite, me perguntou a razão de escrever. O que queres dizer? Não apenas isso, mas com a dificuldade de Gilda com o texto do monólogo, em função do longo tempo parada, me incumbiu de adaptar o texto para dois auxiliares de cena. Alberto Silva e Cláudio Barros, que até então eram assistentes de direção. O que percebi ao longo dos anos, é que ele me tirava do conforto de escrever e apenas assistir ao processo de montagem. Queria minha participação. Porque o texto, no papel, é obra literária. Quando vai ao palco, contém a opinião de toda a equipe, iluminadores, figurinistas, sonoplastas, diretor e atores, de tal forma que ao chegar ao palco, é obra coletiva. Estar atento às mudanças, às interpretações de todos, era minha tarefa. Aprendi. E como aprendi. Ele já estava frequentando o Centro de Experimental Teatral de Pontedera, Italia, com a estrela Jerzy Grotowski. Grande luxo, vinha de lá e colocava em prática tudo o que aprendera. Foi assim em “Convite de Casamento”, com Zê Charone e Claudio Barros. Os dois me pediram três esquetes. Algo bem humorado. Cacá chegou e me pediu para unir os esquetes em um texto só. Ensaiou por um mês intenso apenas movimentos dos atores. Poucos dias antes da estréia, autorizou a entrada do texto. Acho que foi o maior sucesso do Cuíra. Ficamos uns sete anos em cartaz e circulamos por Rio de Janeiro, Curitiba, Macapá, Santarém e Ceará. No meio da temporada, veio a Belém para o Círio. Assistiu. Reunimos depois e tiramos um bom pedaço, para acelerar. Sempre mudando, provocando os atores. Quanto ao Cacá, também trazia a Belém seus espetáculos como “O Homem com a Flor na Boca”, de Pirandello, autor que seguiu encenando com palmas até na Italia. Podia, com o sucesso de “Macunaima” e “Meu tio..” seguir nessa linha de retumbantes espetáculos. Mas não. Foi ao que é mais profundo, o que lhe trazia mais felicidade, aprimorando cada vez mais seu talento. Quem é dirigido por ele sabe de sua obsessão pela fala precisa, o movimento do corpo, a posição dos pés, o “time” necessário. Em longas discussões, aprofunda-se o conhecimento do texto e suas verdades mais recônditas. Veio mais uma vez para “Toda minha vida por ti”, grande elenco e novamente me tirou do conforto. Me disse para ler frases deixadas por suicidas. Para trabalhar o final das “Três Irmãs”, de Tchecov. Construiu aos poucos, uma espécie de museu dos artistas paraenses, porque era o tempo da escuridão da Cultura, que passamos por mais de 25 anos. Escreveu uma carta que chamou a cena de “um deserto de idéias”. “Fim de Jogo”, de Beckett foi antes ou depois de Hamlet? Ele e Edson Celulari em cena. Que show. Shakespeare na Amazônia? Dinamarca em Belém? Discutimos muito antes de mexer na tradução de Millor. Encontramos reis e rainhas no Marambiré. Durante os ensaios, se algo com o texto empacava, mudava na hora. O dramaturgo dentro do processo. Encenamos no Waldemar Henrique. Cem pessoas por noite, enquanto no Teatro da Paz, um concorridíssimo concurso de canto lírico era assistido por umas dez pessoas. Era assim. O mundo rodou, o Cuíra teve seu Teatro e ele trouxe uma peça com jovens atores para mostrar. Fez novela da Globo e ficou famoso. Os telemaníacos, na sua bovina falta de cultura acharam que era um comediante. Imagina. Veio a pandemia e de repente, ele encena, via Zoom, ou sei lá o quê, uma colagem que reunia meus poemas, livros e peças, patrocinado pelo governo de SP. Foi lindo. Para mim, a grande recompensa. Hoje, aos 70 anos e filmando na Globo o Cine Holiudi, ele marca presença enquanto pesquisa novas ações. Tem saúde, é feliz e como se diz, “positivo e operante”. Há muito não traz nada para cá. Problemas com datas e outros detalhes. Aguardemos. Ele é o paraense que mais brilha lá fora. Virou textão, eu sei, mas se há o grande Cacá Carvalho, para mim há o Carlos Augusto, a quem amo muito, que me influenciou, escreveu até prefácio de livro meu. Há o amigo com quem divido alegrias e tristezas. Uma amizade que já superou até divergências. Espero que para sempre.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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