Publicado em: 22 de junho de 2025
Junho! “Mês joanino do Santo Antônio de Lisbôa, do João Batista precursor, do Velho São Pedro, chaveiro do céu”. Esse trecho abre a poesia São João do Folclore e Manjerico” inserido no Livro ‘Batuque’ (1931) de Bruno de Menezes que viveu intensamente as manifestações Juninas no bairro do Jurunas em Belém.
A estância Jaqueira no bairro do Jurunas e a efervescência das práticas religiosas e culturais vividas foram fontes onde Bruno bebeu para a criação e produção de suas obras. Um dos marcos dessa intensidade cultural captada em sua vida foi a obra Boi-Bumbá de 1958, tema de uma minuciosa pesquisa realizada pelo literato que o tornou um dos mais bem elaborados livros sobre esse folguedo. Câmara Cascudo infere que é uma das melhores sobre o Bumbá no Brasil.
Na leitura de Bruno de Menezes, a “brincadeira” do boi teve sua origem ligada ao comércio escravagista. Arrancados de sua pátria, clãs destroçados, apanhados de surpresa, cujos chefes com seus descendentes, mulheres e filhos e sua “corte” tudo fazia para conservar no cativeiro, a sua anterior organização hereditária. Isso explicaria a postura altiva dos personagens do boi Bumbá, como pai Francisco, mãe Catirina, compadre Cazumbá e mãe Guimá, negros que não se curvam ao chicote do amo, respondendo as ameaças em sua língua, carregada de dialetos afros, fazendo pilhérias, desafiando a autoridade que lhe é outorgada pelo patrão fazendeiro.
Os folguedos e, especificamente o Boi Bumbá, possuem traços marcantes na cultura popular do bairro da infância de Bruno de Menezes, o Jurunas. Ele é parte da historia oral do negro no Brasil, cujo início aconteceu no século XVIII, e, ao mesmo tempo, uma é expressão de luta de classes, onde aparece também a figura do índio.
O bairro do Jurunas possibilitou ao escritor Bruno de Menezes múltiplos olhares e funcionou como um mosaico. Cada olhar fomentava sua interpretação diante da pluralidade dos cheiros, dos gostos, das pessoas e seus diferentes significados.
Bruno de Menezes era partícipe dessas práticas sociais, culturais e religiosas, vivenciadas em seu bairro, como dizia o príncipe dos poetas E um dos presidentes da Academia Paraense de letras, Alonso Rocha, Bruno de Menezes vivia “livre e solto” circulava nos mais diversos ambientes bebendo da sociabilidade e da intensa tradição do bairro.
Entre essas manifestações vivenciadas pelo autor de Batuque está a sua participação nas festas de boi-bumbá e a amizade com João Golemada, um balisa, um capoeira, figura que, na composição do folguedo do Boi-Bumbá, era o sujeito que caminhava a frente dos cordões para garantir a segurança dos integrantes. De Campos Ribeiro, escritor que ocupou a cadeira de número 37 da Academia Paraense de Letras, e participou dos encontros na Academia do Peixe Frito em “Gostosa Belém de Outrora” (1965) comentou sobre a função dos capoeiras, ele disse que “os balisas” em tais grupos eram respeitados ases da capoeiragem. Um “encontro” entre eles seria empolgante contenda daqueles bailarinos da braveza se não resultasse, fatalmente, em cabeças quebradas, cortes de navalha, furadas de punhal, em que pesasse ao romântico figurino de suas roupagens, dando-lhes ares de pajens medievos, inclusive com as cacheadas cabeleiras louras por cima de caras bronzeadas e mesmo negras. Dentro do auto do Boi-Bumbá, o “capoeira”, era uma figura polêmica. João Golemada era o capoeira, nascido no Maranhão, teve os primeiros comentários à sua atuação como amo de boi, no ano de 1897, dono do Boi Canário, do Umarizal. Possivelmente, pela posição que ocupava, era um exímio capoeira. Sua presença era certeza de grande público para as festas juninas. Seu nome era confundido com o nome do boi: Boi Golemada.
A presença do balisa ou capoeira tornava-se necessária quando a apresentação do boi acontecia fora de seu espaço territorial, todos os integrantes seguiam fantasiados pelas ruas de Belém, porém quando dois grupos de bumbás encontravam-se, normalmente de bairros diferentes, era inevitável o confronto entre eles. Um ritual exercido durante o encontro dos bumbás exigia que o boi “invasor” pedisse licença para passar, era comum a negação do pedido.
Dalcídio Jurandir dedicou um trecho de sua obra Chão de Lobos (1976) ao folguedo do Boi-bumbá e faz referência à presença dos capoeiras. O autor de Chove nos campos de Cachoeira faz uma referência ao espaço sacralizado pela brincadeira do boi. “Chão dos lobos”, seria uma metáfora, era um “chão que só um boi pisa, um só Amo canta, uma só tropa entoa, um só curral festeja”. É o próprio território do boi.
O cronista De Campos Ribeiro dizia que os três maiores bairros de Belém daquela época, Cidade Velha, Umarizal e Jurunas, possuíam bumbás famosos que, vez por outra, se confrontavam, daí a confirmação desse espaço territorial do bairro, sacralizado pelos brincantes dos bumbás.
Bruno de Menezes em trecho do poema “Pai João”, também inserido no livro “Batuque”, registra a atividade do capoeira na execução do “rabo de arraia”, um golpe executado durante as brigas: “E rabo-de-arraia, cabeçada na polícia,/ Xadrez, desordens, furdunço no cortiço”. Em outro trecho, reporta-se a ação praticada pelo capoeira e critica a violência dos manejadores de navalha. “Juvená, Juvená! Arrebate esta faca, juvená! Vale realçar que Bruno de Menezes em 1951, realizou um trabalho de pesquisa sobre essa brincadeira, “A evolução do boi-bumbá, como forma de teatro popular”. A pesquisa foi publicada nos anais do primeiro congresso brasileiro de folclore.
Indubitavelmente, o bairro do Jurunas foi o espaço geográfico de intensa prática social, que propiciou a Bruno os primeiros contatos com a vida periférica e popular, das estivas, das baiúcas, dos terreiros, bumbas e de santos. Esses territórios de experiências sociais proporcionaram ao poeta arquitetar uma produção literária, em que a cidade de Belém, mesmo em tempo de Belle Époque, fosse visibilizada a partir de outras paisagens culturais. Ultrapassando vivências de uma elite endinheirada, Menezes talhou um cenário de uma urbe popularmente polifônica em que homens e mulheres de variadas cores e camadas sociais, sejam de periferias ou ruas esquecidas, fossem recuperadas na cena urbana apresentando saberes, fazeres, cultura e crenças de seus modos de vida.
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