Publicado em: 11 de setembro de 2025
O presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, ainda não terminou de proferir seu voto, porém o da ministra Carmén Lúcia formou maioria para a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por todos os crimes da Trama Golpista. A decana acompanhou o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, e do ministro Flávio Dino.
Os três votaram pela responsabilização de Bolsonaro e de outros sete acusados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e deputado federal, os ministros optaram por retirá-lo das imputações ligadas aos danos materiais.
Além de Bolsonaro, estão no rol dos réus o general Walter Braga Netto, candidato a vice em sua chapa presidencial de 2022; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e delator; o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. O núcleo, segundo a Procuradoria-Geral da República e agora respaldado pela maioria formada no STF, teria tramado uma tentativa de ruptura institucional para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 2022.
Em um voto de quase duas horas – rápido, se comparado ao de seus colegas -, Cármen Lúcia ressaltou o caráter inédito e simbólico do julgamento. A ministra classificou a ação como um “encontro do Brasil com seu passado, presente e futuro”, recordando as diversas rupturas democráticas da história nacional e citando versos do poeta Afonso Romano de Sant’Anna, em “Que País é Este?”. Em sua visão, a repetição de crises institucionais atrasou a maturação democrática e travou o surgimento de novas lideranças. “Talvez o diferencial mais candente desta ação penal seja, além do ineditismo do tipo penal a ser aplicado, a circunstância de estarmos a afirmar que a lei é para ser aplicada igualmente para todos”, afirmou. Para a ministra, os fatos narrados na denúncia não foram negados em sua essência e exigem uma resposta à altura da gravidade histórica que representam.
A ministra também destacou que o julgamento acontece no marco dos 40 anos da redemocratização e às vésperas dos 37 anos da Constituição de 1988, período em que o Brasil consolidou nove eleições presidenciais, mesmo atravessando crises e dois impeachments. “Se houve dor, também houve muita esperança”, disse. No entanto, ressaltou que desde 2021 emergiram “novos focos de pesares sociopolíticos”, alimentados por estratégias “espúrias” que minaram a ordem democrática. Em sua avaliação, houve uma “sequência encadeada e finalística” de práticas voltadas a “semear o grão maligno da antidemocracia, tentando romper o ciclo democrático das últimas quatro décadas”.
Nessa linha, comparou o autoritarismo a um “vírus insidioso”, capaz de corroer liberdades e direitos. Citando Victor Hugo, sublinhou que “o mal, mesmo cometido para um pretenso bem, ainda é o mal”, alertando que, em casos de golpe de Estado bem-sucedido, esse mal se torna um exemplo e tende a se repetir. Para a ministra, os ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes não podem ser relativizados como um “passeio de domingo”, mas sim como uma ação planejada e organizada ao longo de anos, desde os ataques sistemáticos às urnas eletrônicas e ao Judiciário até a conspiração final para impedir a posse do presidente eleito.
Cármen Lúcia concluiu responsabilizando diretamente Bolsonaro como líder da organização criminosa descrita pela acusação. “Eu tenho por comprovado pela Procuradoria-Geral da República que Jair Messias Bolsonaro praticou os crimes que são imputados a ele na condição de líder da organização criminosa”, afirmou. A ministra destacou que o ex-presidente estruturou um esquema baseado na propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral, no ataque às instituições, na instrumentalização de órgãos de Estado, na cooptação de comandos militares e no planejamento de medidas antidemocráticas que incluíam neutralização violenta de agentes públicos e instigação de manifestações golpistas.
Após o voto do ministro Cristiano Zanin, que caminha para a consonância com a maioria, amanhã, na sexta-feira, dia 12 de setembro, será concluído o julgamento da trama golpista, com a proclamação da sentença e a fixação da dosimetria das penas dos réus. O STF caminha para o posicionamento final de que nenhum ataque ao Estado democrático de direito será tolerado no Brasil. A democracia respira.
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