Publicado em: 28 de setembro de 2025
Eu havia preparado um texto sobre tendências para as gerações futuras. Iria falar apenas sobre o luxo no futuro. Mas o episódio envolvendo um frigorífico com um placa onde se lia: petistas não são bem vindos, lembrou-me de fazer a linkagem com o fato ocorrido em 17 de setembro de 2025, em Florianópolis (SC), quando o desembargador João Marcos Buch, membro do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, foi vítima de um ataque verbal homofóbico e politicamente motivado.
Os dois episódios representam o recrudescimento da intolerância e da polarização política, que se entrelaçam no Brasil, eclodindo em agressões que transcendem o debate racional e invadem a vida cotidiana. É bom lembrar também dos episódios virtuais no Brasil acerca comemoração da morte do estadunidense Charlie Kirk, um ativista de direita, para mostrar que a violência política ocorre nos dois espectros.
O desembargador Buch, conhecido por suas posições progressistas e em defesa da diversidade no Judiciário, relatou que, enquanto caminhava pelo centro da cidade, acompanhado de assessores, um motorista de aplicativo reduziu a velocidade do carro, parou o veículo e gritou repetidamente frases como “Petista não entra no meu Uber” e “Bicha e petista não entram no meu carro”. O tom hostil e a repetição das ofensas deixaram o magistrado com a sensação de ameaça iminente, a ponto de temer um possível disparo de arma ou atropelamento intencional. Ele registrou a placa do veículo, publicou o relato em suas redes sociais (onde tem cerca de 45 mil seguidores) e anunciou providências cíveis e criminais, além de notificar a empresa Uber.
Esse episódio reflete um padrão mais amplo de discriminação negativa, onde se misturam preconceito de orientação sexual com ódio político, especialmente contra apoiadores do PT (Partido dos Trabalhadores), por militantes bolsonaristas.
Casos semelhantes envolvendo pessoas públicas já foram reportados pela imprensa, como em 2022, quando uma advogada em Belém (PA) foi recusada por um motorista de Uber que alegou “não transportar petistas” ao vê-la com uma camiseta vermelha, cor associada ao partido.
Outro episódio, recordo-me, envolveu uma assessora parlamentar, que sofreu o mesmo tipo de recusa. A usuária do serviço moveu uma ação judicial contra a plataforma por violação ao direito do consumidor. Esses exemplos ilustram como a polarização, alimentada por anos de eleições acirradas e discursos inflamados, transforma preferências políticas em critérios de exclusão social, violência e intolerância, afetando serviços básicos.
A intolerância no Brasil, particularmente a homofobia, ganhou contornos políticos exacerbados nos últimos anos. O termo “bicha petista” não é mero insulto casual; ele conjuga o pejorativo homofóbico com o estigma de “petista”, elaborando um sinônimo de “inimigo da nação”, um rótulo que Bolsonaro e seus aliados popularizaram durante o impeachment de Dilma Rousseff (2016) e no período das eleições de 2018 e 2022.
Buch, que não pode ter filiação partidária, por ser magistrado, destacou ironicamente que a acusação de ser “petista” é infundada, mas o impacto emocional foi profundo: ele se sentiu ameaçado “como poucas vezes antes na vida”. Essa fusão de preconceitos revela uma intolerância estrutural, onde minorias sexuais (comunidade LGBTQIA+) são duplamente visadas quando associadas odiosamente à esquerda – vista como “defensora de pautas identitárias” pelos conservadores.
Pesquisas e relatos indicam que a homofobia no Brasil mata. Em 2024, o Grupo Gay da Bahia registrou mais de 400 assassinatos de pessoas LGBTQIA+, motivados por ódio. Mas o episódio de Buch mostra que a violência não se limita ao físico; é verbal e simbólica, e reforça um ambiente de medo que inibe a liberdade de expressão e movimento. A Uber, citada no incidente, tem uma política de “tolerância zero” a discriminações, mas casos recorrentes sugerem falhas na fiscalização, permitindo que motoristas usem o app como plataforma para expressar motivações e preconceitos pessoais.
A polarização no Brasil não é nova e remonta aos anos 1960, com a ditadura militar dividindo esquerdas e direitas, mas atingiu níveis tóxicos com as redes sociais e o advento do bolsonarismo, que transformou o debate em guerra pessoal cultural.
Em 2022, durante as eleições, a polarização gerou uma onda de agressões: em 48 horas, registraram-se um médico ameaçando atirar em uma petista em Curitiba, um petista agredido com barra de ferro em Manaus, e uma mulher espancada em Brasília por motivos políticos. No RS, um motorista colidiu intencionalmente em um carro adesivado com propaganda petista. Esses episódios mostram como o ódio, a estigmatização e a violência se banalizam: de discussões em Ubers (o caso de uma tia petista obrigada a pagar fiança após briga com um motorista bolsonarista, é exemplar) a prisões arbitrárias por posts antigos criticando o PT, sob acusações de “golpe”. A militância petista retribui a violência, ao demonizar e generalizar opositores, julgando-os “fascistas” ou “nazistas”, criando um ciclo vicioso onde ambos os lados se veem vítimas e agressores.
Essa polarização tem raízes sociais: desigualdade econômica, fake news e a ascensão de grupos religiosos ligados à política partidária (sobretudo ao PL de Bolsonaro). Esses grupos alimentam discursos de cruzada do bem contra o mal, de forma maniqueísta.
O Brasil de 2025, pós-eleições de 2022, continua dividido, temperando o ódio de classes com a intolerância, em estigmas de petistas vistos como “pobres sem carro” por uns, e bolsonaristas como “fanáticos armados” por outros. O resultado? Uma sociedade onde um desembargador progressista teme andar na rua, e motoristas recusam corridas por cor de roupa.
O caso de Buch é um alerta: a intolerância não é exclusiva de loucos extremistas; ela permeia insidiosamente o dia a dia, erodindo a democracia. O desembargador planeja ações judiciais, o que pode punir o agressor e pressionar a Uber, mas soluções maiores exigem maturidade social e política, além de ações repressivas contra preconceitos e moderação nas redes sociais.
Superada essa pauta, tenho visitado temas importantes da atualidade e da transição deste 1/4 de século. Tenho lido que o conceito de luxo, que reflete costumes e sociabilidades, é um espelho das aspirações humanas, valores e desigualdades em cada época. No passado, o luxo era definido por símbolos tangíveis de riqueza e poder: palácios opulentos, joias raras, carruagens ornamentadas. Hoje, em um mundo marcado por crises ambientais, avanços tecnológicos e mudanças culturais, o luxo ainda está pautado nessas referências, mas está se transformando, passando de uma exibição suntuosa de posse para uma busca por significado, exclusividade intangível e impacto positivo.
Historicamente, o luxo tem sido ferramenta de diferenciação social, reservada às elites que buscavam afirmar poder. Na França do século XVII, o Palácio de Versalhes, construído por Luís XIV, era a quintessência do luxo: um complexo arquitetônico suntuoso, adornado com ouro, espelhos e jardins meticulosamente planejados. A opulência de Versalhes não era apenas estética, mas política, projetada para consolidar a monarquia absolutista. Da mesma forma, no século XIX, a Revolução Industrial democratizou parcialmente o consumo, mas o luxo permaneceu exclusivo. Marcas como Louis Vuitton, fundada em 1854, começaram a atender a uma burguesia emergente, oferecendo malas de viagem feitas à mão, que simbolizavam status social.
Esses exemplos ilustram que o luxo do passado era intrinsecamente material e visual. A exclusividade vinha da raridade dos materiais: diamantes ou sedas importadas, e do artesanato meticuloso, acessível apenas a uma minoria. No entanto, a definição de luxo era estática, centrada na posse e na exibição, com pouca consideração por impactos sociais ou ambientais. A produção de bens de luxo frequentemente dependia de exploração de recursos naturais ou mão de obra, como as minas de diamantes na África colonial ou as oficinas de costura do século XIX.
No futuro, o luxo está se deslocando do material para o intangível, refletindo mudanças de paradigma social. Enquanto no passado o luxo era sobre “ter”, o futuro valorizará o “ser” e o “viver”. Cinco dimensões principais definem essa transformação, com exemplos concretos que contrastam com o passado.
Origem:
No passado, a origem dos materiais de luxo raramente era questionada. Por exemplo, o marfim e as peles exóticas usadas em acessórios do século XIX eram símbolos de riqueza, apesar do custo ambiental e ético. Hoje, a conscientização sobre as crises climáticas e a exploração trabalhista está reformulando o luxo. Marcas como Stella McCartney, que utiliza couro vegano e práticas sustentáveis, exemplificam essa mudança. Em 2023, a Gucci anunciou sua coleção “Circular Line”, feita com materiais reciclados, sinalizando que até marcas tradicionais estão adotando a sustentabilidade como valor central.
Impacto positivo:
No futuro, o luxo será definido por cadeias de suprimento transparentes e impacto positivo. Por exemplo, a marca de joias Brilliant Earth utiliza diamantes éticos e reciclados, contrastando com a era dos “diamantes de sangue”. Essa mudança representa uma ruptura com o passado, mas também uma tensão: a sustentabilidade pode aumentar custos, mantendo o luxo inacessível, perpetuando a exclusividade de forma paradoxal.
Exclusividade:
No século XIX, o luxo era personalizado, mas limitado pela escala artesanal. Um vestido de alta costura da Maison Worth, por exemplo, era feito sob medida para aristocratas, mas o processo era lento e restrito a elites locais. Hoje, a tecnologia permite personalização em escala global. Marcas como Nike By You oferecem tênis customizados, enquanto empresas de luxo como Dior utilizam inteligência artificial para criar experiências digitais personalizadas: provadores virtuais.
Personalização:
No futuro, a personalização alcançará novos patamares. A empresa de biotecnologia Zymergen, por exemplo, está desenvolvendo materiais personalizados para moda de luxo, como tecidos biológicos adaptados às preferências do cliente. Comparado ao passado, onde a personalização era um privilégio de poucos, a tecnologia democratiza parcialmente o acesso, mas cria novas barreiras: o custo de tecnologias avançadas e preocupações com privacidade de dados (vide caso de Cambridge Analytica) desafiam a ética do luxo personalizado.
Desconexão:
No passado, o luxo do tempo era reservado a aristocratas que não precisavam trabalhar. A nobreza europeia do século XVIII, por exemplo, passava meses em retiros rurais, como as propriedades de campo inglesas. No futuro, o tempo e a privacidade serão os maiores luxos em um mundo hiperconectado. Retiros como o Six Senses, que oferecem programas de desconexão digital em locais remotos, ilustram essa tendência. Em 2024, uma empresa de tecnologia chinesa criou o recurso “Digital Detox”, permitindo que usuários pagantes limitem notificações, sinalizando que a privacidade está se tornando um serviço premium. Sair da internet será um luxo.
Essa redefinição contrasta com o passado quando a desconexão era um privilégio implícito. Hoje, a saturação digital torna a privacidade um bem escasso, mas acessível apenas a quem pode pagar por ela, reforçando desigualdades. Um trabalhador comum não tem meios para escapar da vigilância digital ou das demandas do trabalho remoto, ao contrário das elites que podem se isolar em ilhas privadas. Escapar das redes sociais e do ambiente digital será um grande luxo.
Saúde e vida saudável:
No passado, o luxo relacionado à saúde era limitado a tratamentos raros – cito as águas termais de Baden-Baden frequentadas pela aristocracia europeia. No futuro, o luxo será investir no corpo, um projeto de longo prazo. Clínicas como Elysium Health oferecem suplementos personalizados baseados em testes genéticos, enquanto retiros de bem-estar, como os da Aman Resorts, combinam ciência e espiritualidade. A promessa de longevidade, promovida por empresas como Calico (financiada pelo Google), eleva a saúde a um status de luxo supremo.
Essa tendência diverge do passado, quando a saúde era um privilégio passivo. No entanto, a exclusividade desses tratamentos levanta questões éticas: enquanto elites investem em terapias genéticas, milhões carecem de acesso a cuidados básicos. O luxo da longevidade, portanto, reflete tanto o progresso científico quanto a persistência da desigualdade.
Experiências estéticas:
No passado, o luxo cultural era restrito a patronos das artes, como os Medici, que financiavam artistas renascentistas. Hoje, o luxo cultural está se democratizando, mas mantém sua aura de exclusividade. Eventos como o Art Basel, acessível apenas a colecionadores de elite, ou jantares privados com chefs estrelados, como os do Noma, exemplificam essa tendência. No futuro, experiências culturais imersivas, como shows em realidade virtual com artistas como Beyoncé, serão o ápice do luxo.
Comparado ao passado, o luxo cultural hoje é mais acessível, mas ainda excludente. A tecnologia permite que experiências culturais cheguem a mais pessoas (por exemplo, museus virtuais), mas a curadoria exclusiva continua sendo um privilégio. A tensão está em equilibrar inclusão com a aura de raridade que define o luxo.
A transição do luxo material para o intangível não é isenta de contradições. No passado, o luxo reforçava hierarquias sociais de forma explícita; no futuro, ele o faz de maneira mais sutil, mas igualmente poderosa. A sustentabilidade, por exemplo, é louvável, mas muitas marcas de luxo usam o discurso ambiental como marketing (greenwashing), conforme apontado em relatórios da Fashion Revolution. A personalização tecnológica promete exclusividade, mas depende de dados pessoais, levantando questões de privacidade. O luxo do tempo e da saúde é desejável, mas inacessível para a maioria, perpetuando desigualdades.
Além disso, o luxo do futuro enfrenta o desafio de manter sua aura de exclusividade em um mundo onde a tecnologia democratiza o acesso. No passado, a raridade era garantida pela escassez física; hoje, marcas devem criar escassez artificial, com edições limitadas ou experiências exclusivas. Por exemplo, a Rolex mantém sua exclusividade com listas de espera, enquanto a Hermès limita a produção de bolsas Birkin, criando um paralelo com as estratégias do passado, mas adaptadas ao presente.
O luxo do futuro, ao contrário do passado, será menos sobre ostentar riqueza e mais sobre viver com propósito, autenticidade e impacto. Enquanto Versalhes simbolizava o poder absolutista, o luxo contemporâneo, como os retiros de bem-estar ou as joias éticas, reflete uma busca por significado em um mundo caótico e ruidoso. No entanto, a essência do luxo permanece: a exclusividade. Seja por meio de sustentabilidade, tecnologia, privacidade, saúde ou cultura, o luxo continuará a ser um privilégio, acessível apenas a poucos: sempre um marcador de classe e de exclusão.
A comparação com o passado revela uma evolução, mas também uma continuidade: o luxo sempre foi um reflexo dos valores e das desigualdades de sua época. O desafio para o futuro será equilibrar a exclusividade com a responsabilidade, garantindo que o luxo contribua para um mundo mais justo e sustentável. Sim, isto é um pouco utópico, mas é uma tendência apontada pelos especialistas no assunto.
Algumas fontes para leitura sobre o tema:
Bain & Company. Luxury Goods Worldwide Market Study, Fall-Winter 2023.
McKinsey & Company. The State of Fashion 2025.
Deloitte. Global Powers of Luxury Goods 2023.
The Business of Fashion. The Future of Luxury: What’s Next for the Industry, disponível no businessoffashion.com.
WGSN. Luxury Consumer Trends 2025 and Beyond.
Vogue Business. How Luxury Is Redefining Itself for a New Era.
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