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O football era uma das formas de demonstração das relações de poderes entre a Europa e os sujeitos de outros continentes nos seus primeiros passos. Uma afirmação que é bastante atual quando comparamos o poder aquisitivo dos diversos clubes filiados ao esporte mais popular do planeta, que variam de acordo com a realidade de cada local. Assim é possível nos indagarmos sobre a relação dessa afirmação histórica com o nosso RE X PA deste sábado e a Copa do Mundo de clubes que ocorre nos Estados Unidos? Uns podem dizer que não existe nenhuma relação. Mas digo-lhes que sim, que novamente temos realçados o debate entre resistência cultural local e o discurso de civilização europeia no âmbito futebolístico.

O futebol mundial com padrão inglês de regras e habilidades tem sua origem no final do século XIX e se fortaleceu como o esporte mais jogado no planeta por todo o século XX. Nesse contexto à “supremacia futebolística” ocorria pela dita habilidade dos europeus praticarem o esporte que haviam criado sendo uma das formas de justificarem o discurso civilizatório do velho continente com objetivos de controlar e inferiorizar outros grupos étnicos em sua perspectiva neocolonial. Esta passa a ser relativizada a partir das experiências de sujeitos que vivenciavam a possibilidade ascensão social em países de desigualdade estrutural histórica, como Brasil, por exemplo.

Estamos caminhando para quase um século desde que o “esporte bretão” se “abrasileirou” e se internacionalizou, como já afirmou o historiador britânico Eric Hobsbawm em sua obra A era dos extremos. Uma resistência mestiça, indígena e africana que enfrentou as primeiras décadas do século XX e os debates sobre profissionalização e inclusão no âmbito nacional, assim como estabeleceu, principalmente a partir dos anos de 1950, um padrão de jogo que fugia as regras ditas civilizadas e “cavalheirescas” do velho continente na sua superioridade arrogante.

Pelé, Garrincha e seus companheiros sentiram na pele a discriminação dos jornalistas, torcedores e jogadores do selecionado que enfrentaram na final da Copa de mundo de 1958, quanto à forma de jogar e a falta de um “padrão atlético corporal”. Os mesmos foram a final e mostraram resistência ao padrão estabelecido à época, venceram um jogo que era importante até os brasileiros ganharem, aí passou a ser somente um “jogo”. Ou seja, a visão eurocêntrica prevaleceu. Não tínhamos “ganhado” da cultura europeia.

Depois já sabemos da história. Chegamos ao penta campeonato e aumentaram as discussões sobre o padrão brasileiro que se internacionalizou até o fatídico 7 x 1 para Alemanha na Copa de 2014. A partir de então e por coincidência quase que espiritual, começamos a aceitar a dita superioridade europeia. Mesmo antes, os clubes brasileiros não venciam europeus no “mundial de clubes continental” desde 2012, quando o Corinthias Paulista se consagrou campeão do mundo sobre o time inglês do Chelsea.

A Copa do Mundo de Clubes de 2025 tem outros apelos, e obviamente outro contexto histórico. No geral, está sendo transmitida por redes de televisão, plataformas digitais, dentre outros. Esta visibilidade do torneio em epigrafe, trouxe a tona o debate sobre o futebol brasileiro, sul-americano e o antigo discurso da superioridade europeia que para muitos sempre nos é imposto por vários ângulos da existência, sendo um deles a prática futebolística.

Nos jornais e “you tubes” da vida os debates estavam novamente pautados no padrão europeu de jogar e no capital acumulado pelos clubes do velho continente. Sabemos que Palmeiras, Flamengo, Fluminense e Botafogo, assim como River Plate e Boca Juniors representam um conglomerando de jogadores que são verdadeiras seleções sul-americanas, não são totalmente nacionais e também possuem grande apelo ao capital internacional.

No entanto, a discussão entre o melhor futebol colocou a tona novamente as pretensões civilizatórias europeias cujo protagonismo era evidente por eles mesmos antes da copa do mundo de clubes, o que deixava claro que o padrão “civilizado de jogar” estava nos clubes europeus. Aí vem os times brasileiros e começam a ganhar de clubes tradicionais como PSG da França e Chelsea da Inglaterra, assim como repercutiu os empates entre Palmeiras e Porto de Portugal, e Fluminense e Borussia Dortumont da Alemanha.  Apesar dos feitos as muitas diminuições apareceram. Uma espécie de marcação de território de poder de times europeus. Essas “vitórias” dos times brasileiros apresentaram “contextos épicos”, que para os que acreditam foi como se de forma metáfisica ou espiritual Pelé, Garrincha, Didi e outros que já partiram estivessem dando força e deixando a mídia europeia espantada com os acontecimentos. 

 Nesse debate civilizatório em torno do football no século 21, o nosso histórico RE X PA deste sábado representa uma resistência bem maior que a que ocorre com os times brasileiros nos Estados Unidos, nessa Copa do mundo de Clubes. Pois, nesse debate que se torna evidente a ideia de protagonismo do estilo de jogo e padrão civilizatório europeu, o nosso clássico que completou 101 anos de existência no ultimo dia 14 do mês corrente, aparentemente seria muito menor, já que nem está no torneio mundial. Somente parece! Já que a sua construção cultural evidencia valores que vão para além de um simples jogo de futebol no território amazônico.

Leão e Papão mesmo vivenciando o contexto de grandes conglomerados financeiros que fortalecem os clubes europeus, tem como fator determinante para sua popularidade e rivalidade como patrimônio do povo paraense, a riqueza do cotidiano de uma cidade amazônica que tem uma construção cultural conectada as diversas experiências locais, como o apanhar e tomar o açaí, os rios e florestas que interagem com as grandes transformações da COP30, vivenciadas pelas pessoas que fortalecem a cidade como verdadeira capital da Amazônia, conectada ao cosmopolitismo sem perder o seu protagonismo cultural dos homens e mulheres paraenses, que no campo futebolístico tem um “titulo mundial” por manterem uma tradição viva, mesmo que a globalização do futebol seja a grande concorrente.

O RE X PA da urbe amazônica deste sábado, cujos ingressos estão esgotados, se torna inexplicável para os defensores do protagonismo europeu, mas estes não sabem que nossa rivalidade histórica é fruto de experiências em cada bairro, cidades marajoara, igarapés, no apanhar do açaí, no cotidiano dos clubes como São Domingos do Jurunas, nos ônibus indo ao estádio, na rivalidade do ver-o-peso, no ir e vir dos barcos na baia do Guajará, no Círio de Nazaré, na entrada de homens e mulheres na Nova Arena Mangueirão, nos re xpa’s de fim de ano, nas torcidas organizadas, no churrasquinho, nos jogos de travinhas. Ufa! O nosso clássico se torna uma verdadeira copa do Mundo, que movimenta a cidade nos seus encontros e desencontros entre diversos grupos sociais. Uma realidade que mostra a importância da construção cultural na cidade capital da COP30, que é a “verdadeira capital da Amazônia!” ou por que não falar: “Belém do RE X PA, a capital do futebol da Amazônia!        

Itamar Gaudêncio
Itamar Gaudêncio é mestre e doutor em História Social da Amazônia; especialista em Ciências Jurídicas, em Defesa Social e Cidadania e em Direito Constitucional. Bacharel e Licenciado Pleno em História. Bacharel em Ciência da Defesa Social e Cidadania e em Direito. Tenente-Coronel da PMPA. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio honorário da Academia de Letras e Artes de Bragança. Integra a Associação Nacional de História (ANPUH), a Associação Brasileira de História Oral (ABHO) e a Associação Portuguesa de Sociologia (APS).

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