Publicado em: 21 de agosto de 2025
“A gestão ambiental precisa fluir como um rio”. A metáfora, que sintetiza o entendimento do professor Dr. João Paulo de Cortes, coordenador da pesquisa “Águas para a vida”, traduz uma mudança de paradigma essencial para pensar o ordenamento do território amazônico: tomar as bacias hidrográficas como base estruturante da gestão ambiental e da formulação de políticas públicas. É justamente essa a proposta do projeto de diagnóstico socioambiental participativo desenvolvido pelo Grupo de Estudos Avançados em Gestão Ambiental da Amazônia (GEAGAA), vinculado ao Instituto de Ciências e Tecnologias das Águas (ICTA) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), na bacia do rio Paissandu, localizada no PAE Lago Grande, em Santarém.
Desenvolvido desde 2024 em colaboração direta com os moradores do território, o projeto buscou, desde o início, construir conhecimento em diálogo com a realidade local. “Desde a apresentação da demanda para a universidade, a definição dos pontos de coleta, reconhecimento de campo, coleta de amostras em campo, análises em laboratório, discussão dos resultados e produção dos materiais. Isso ocorreu por meio de oficinas, circulação de textos e assembleias, ou seja, o projeto inteiro foi desenvolvido de forma participativa”, explica Cortes.
A enfermeira Maria das Graças Almeida, de 58 anos, nascida na comunidade de Paissandu e filha de um dos fundadores da localidade, foi uma das colaboradoras da pesquisa. “Foi muito gratificante participar do trabalho e, principalmente, saber como está a bacia hidrográfica da nossa região”, relata. Ela recorda com preocupação os efeitos das secas recentes: “Ficamos sem estrada, sem condições de viajar de barco, as pessoas eram transportadas por embarcações no meio da lama. Tudo muito diferente de quando eu era criança”.
Essas mudanças no regime hidrológico trazem à tona a vulnerabilidade das populações amazônicas frente aos efeitos da crise climática. O estudo parte justamente da escuta dessa realidade, com o objetivo de fortalecer estratégias comunitárias de adaptação e conservação. A pesquisa foi conduzida com base em metodologias de ciência participativa, mapeamento social e produção de materiais acessíveis, como cartilhas, mapas, maquetes em 3D e experiências de realidade aumentada, que foram entregues a escolas e lideranças do PAE Lago Grande.
Além da produção científica, o principal resultado do projeto é o Relatório de Recomendação de Políticas Públicas (policy brief), que aponta caminhos concretos para o fortalecimento das comunidades tradicionais. Entre as demandas urgentes destacadas estão o avanço da regularização fundiária, melhorias no saneamento básico e a garantia de direitos fundamentais. “O objetivo foi não apenas descrever a situação socioambiental, mas também fortalecer estratégias locais de gestão e conservação da bacia”, ressaltam os pesquisadores.
Um dos dados mais preocupantes levantados pela pesquisa é a perda de floresta nos últimos 40 anos. “Desde 1985, a bacia do Paissandu perdeu uma área de floresta equivalente a 921 campos de futebol. A partir de 2005, ano de criação do PAE, observamos uma mudança na trajetória de degradação com uma ligeira recuperação da cobertura nativa e aumento na área ocupada pela comunidade, reforçando os padrões observados pela cartografia social”, informa o documento.
O Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande é um dos maiores do Brasil, com cerca de 6.600 famílias distribuídas em 154 comunidades. Criado em 2005, o PAE ainda não teve seu Contrato de Concessão e Direito Real de Uso (CCDRU) emitido pelo Incra, o que impede o acesso pleno da população a políticas públicas essenciais. A situação se agrava com o avanço de pressões externas, como o garimpo ilegal, a exploração madeireira, o agronegócio e a pesca predatória, gerando conflitos e ameaçando modos de vida tradicionais baseados na agricultura familiar, pesca artesanal, extrativismo e pecuária.
A relevância do projeto foi reconhecida internacionalmente: ele será apresentado na 8ª edição da conferência Adaptation Futures 2025, o maior evento global sobre adaptação às mudanças climáticas, promovido pela ONU por meio do World Adaptation Science Programme (WASP). O evento ocorrerá entre 13 e 16 de outubro, em Ōtautahi Christchurch, Nova Zelândia. No dia 14, o professor João Paulo de Cortes participará do painel The Nexus of Food, Water, Climate, and Community: Freshwater Fishing Adaptation Strategies, destacando como a experiência de Santarém pode contribuir para o fortalecimento de comunidades diante da crise climática global.

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