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A Associação Indígena dos Educadores Munduruku do Alto Tapajós (Arikico) manifestou publicamente sua preocupação com os graves prejuízos pedagógicos provocados pelo modelo de turmas multisseriadas adotado nas escolas indígenas de Jacareacanga. A partir da denúncia da entidade, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Prefeitura do município que realize um estudo técnico sobre a viabilidade de extinguir, de forma gradual, esse formato de ensino na rede escolar indígena.

recomendação foi formalmente emitida nesta última terça-feira, 5 de agosto, e é fruto de uma representação encaminhada pela Arikico, que desde 2008 atua pela valorização da educação escolar indígena diferenciada, defendendo o fortalecimento de práticas pedagógicas construídas em diálogo com as comunidades Munduruku e respeitando suas especificidades culturais e linguísticas.

Segundo os educadores indígenas, o modelo multisseriado (que reúne alunos de diferentes etapas escolares na mesma turma) compromete a qualidade do ensino, sobrecarrega professores e dificulta o desenvolvimento de metodologias adequadas às realidades locais. O professor precisa dar conta de três ou quatro níveis de conteúdo, ao mesmo tempo em que enfrenta a falta de material didático adequado e formação específica para lidar com tamanha complexidade. Isso compromete não só a aprendizagem dos alunos, mas também a saúde mental dos professores.

O MPF determinou o prazo de 60 dias para que a Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto (Semecd) elabore e envie um relatório técnico detalhado sobre a atual situação das turmas multisseriadas. O documento deve conter o número de escolas indígenas que ainda utilizam esse modelo, a quantidade de alunos e professores envolvidos e a frequência de programas de formação continuada voltados a esses profissionais.

A procuradora da República Thaís Medeiros da Costa ressaltou que, embora a prefeitura tenha alegado a impossibilidade de extinguir o modelo ainda em 2025, a resposta apresentada anteriormente foi considerada incompleta e evasiva, pois não trouxe dados que possibilitem uma avaliação objetiva da política educacional adotada.

De acordo com o MPF, a manutenção do ensino multisseriado, sem estrutura adequada e sem consulta às comunidades afetadas, pode configurar uma violação ao direito constitucional à educação escolar indígena específica, intercultural, bilíngue e de qualidade, como estabelecido no Artigo 210 da Constituição Federal e reforçado por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A recomendação do MPF salienta que o ensino multisseriado não é, por si só, ilegal. No entanto, sua aplicação deve ser uma decisão pedagógica fundamentada, construída com a participação da comunidade, acompanhada de formação docente adequada, infraestrutura suficiente e materiais contextualizados à realidade local.

A Arikico reitera que a luta pela extinção das turmas multisseriadas não é um pedido pontual, mas parte de uma demanda histórica dos educadores Munduruku, que há anos denunciam os efeitos negativos desse modelo na formação das crianças e jovens indígenas. A associação quer uma escola que respeite seu modo de ser, suas formas próprias de aprender e ensinar, com professores valorizados e estruturas que garantam a permanência e o sucesso escolar dos alunos.

Caso a recomendação não seja acatada ou se os argumentos apresentados pela prefeitura forem considerados insuficientes, o MPF poderá adotar medidas judiciais e extrajudiciais contra os responsáveis pela gestão da política educacional no município.

Foto ilustrativa: Alberto César Araújo/Amazônia Real, sob licença CC BY-NC-SA 2.0 / via MPFPA

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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