Publicado em: 19 de julho de 2025
Desde a descoberta do Novo Mundo, a Amazônia despertou a atenção do pensamento científico e da imaginação do ocidente, seja pela sua fauna, flora, bioma ou sua biodiversidade. O discurso de conquista da região e o espaço de sua representação não escaparam às arbitrariedades ocidentais, como diz a professora Neide Gondim, em seu livro “A invenção da Amazônia”. informa que a fundação discursiva das primeiras representações na cultura ocidental acerca da Amazônia constituiu-se da transferência do imaginário europeu, como forma de mascaramento do processo de colonização e de conceitos próximos à realidade dos financiadores da dominação.
Os mitos clássicos foram o fio condutor de uma representação que legitimou a exploração nos espaços da região e consolidou o surgimento do imaginário – ora realista, ora fantástico, ora sobrenatural – a começar por lendas como das Amazonas, as “mulheres guerreiras” que guardavam o “El dourado”. Essa representação do “El dourado”, criada pelos primeiros cronistas que lançaram seus olhares pelo rio Amazonas, eternizou-se na fundação de um imaginário de preceito bíblico da terra prometida. A Amazônia tornou-se o “paraíso terrestre”, onde os mistérios e as riquezas seriam inesgotáveis. Por isso, observam-se numerosos exploradores que chegaram à região entre os séculos XVI e XVII, a saber: Vicente Pinzón, Pedro Teixeira, Francisco Orellana, La Condamine, entre outros nomes que surgem para mapear a arquitetura de uma narrativa que converge para a perspectiva de um imaginário amazônico de perfil ufanista.
No decorrer dos anos, várias representações passaram a povoar a mente e o imaginário de estrangeiros e brasileiros sobre a Amazônia. Os relatos de viagens, principalmente produzidos entre os séculos XVI e XIX, pelo rio Amazonas, superlativaram imagens e consolidaram os mistérios de uma região insólita, inatingível, de grandes dimensões e impenetrável.
A construção de signos universais elaborados pelos viajantes tem sua origem baseada em uma identidade europeia. As narrativas produzidas nesse período, reconstruídas na trajetória do tempo, alimentaram o inconsistente coletivo do Amazônida. Os relatos de viagens, a maioria produzidos para o oriente asiático, disseminaram-se a datar do século XIII. Relatos de histórias fantásticas e maravilhosas, reproduzindo imagens de seres estranhos e monstruosos e terras fantásticas, espaço da fonte eterna da juventude.
A Idade de Ouro, descrita por Ovídio, serviu como fonte de inspiração para diversos cronistas estabelecerem imagens sobre a Índia e o cobiçado Novo Mundo. A professora Neide Gondim atribui essas representações conforme as mitologias indiana e greco-romana. Marco Polo, Jean de Plan de Carpin e Ibn Battuta povoaram o imaginário de grande parcela da população na Europa Medieval com lendas sobre o Oriente. As riquezas, a fonte da eterna juventude, a “terra da canela”, o reino das Amazonas, o “El dourado” e o Éden incentivaram expedições e patrocinadores à descoberta do Novo Mundo.
A Amazônia é o espaço, dentre as regiões brasileiras, mais vário e diferente quando se estabelece um olhar para o bioma e para a biodiversidade. Para entender esse espaço territorial, histórico e cultural, é importante buscar, no plano das narrativas, os estereótipos e as representações que configuraram e distorceram as imagens amazônicas como consequência de distintos olhares e interesses.
As ideias dos primeiros cronistas no campo narrativo e a visão portuguesa dos que passaram pela Amazônia está firmada histórica e culturalmente. O discurso fundador potencializa a ideologia do colonizador. É mediante o discurso fundador que são evidenciados outros discursos, “um complexo de formações discursivas.” As narrativas produzidas sobre a paisagem amazônica possuíam uma variação, uma dualidade entre a elaborada de forma realista – sedimentada no cientificismo – e uma outra, vislumbrada pelo imaginário dos viajantes europeus, fundadas como consequência dos sonhos de riqueza. Os primeiros narradores, que da Amazônia se ocuparam, construíram, no processo de criação, um olhar promissor, dentro da perspectiva de que, esse espaço geográfico poderia ser, facilmente, conquistado pelo colonizador.
A Amazônia passa a (re)configurar-se em um ambiente aterrorizante, as referências narradas em antítese corroboram como figuras literárias para as marcas desses enunciados. A Amazônia torna-se protagonista e antagonista nesse paraíso perdido ou inferno verde, como diz o escritor Alberto Rangel em Inferno Verde (cenas e cenários do Amazonas) de 1908: “O repiquete da cheia anuncia-se estrépito, sem empolamentos acapelados da água, que irá, mais tarde, escalar as ribanceiras, afogar as várzeas todas e esconder o pedregal das correntezas estuantes. Na areia das praias o rio assinala o seu movimento de ascensão imperceptivelmente também, adquirindo uma polegada a mais na cota do nível do dia anterior. Vai assim, de instante a instante, no crescimento invisível do organismo vivo. Algumas vezes há de parar na marcha. Faltar-lhe-á fôlego ou preparar-se-á, numa concentração de forças, para a expansão monstruosa da enchente.”
Os rios são soberanos, em Inferno Verde de Alberto Rangel, a grandiosidade do espaço e o deslumbramento da paisagem diminutam as personagens. O predomínio das águas sobre a terra indica a importância do rio no cotidiano do Amazônida. O rio, centro do olhar quando se narra a Amazônia, possui afluentes, rios menores, furos, lagos, igapós, fluxos correntes de água envolvidos na floresta. Euclides da Cunha superlativa a força do rio e imprime sua percepção singular que destoa da visão edênica, ele diz que “a impressão dominante e talvez correspondente a uma verdade positiva é esta: o homem ali é ainda um intruso impertinente, chegou sem ser esperado nem querido- quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem […]. Os mesmos rios ainda não se firmaram nos leitos; parecem tatear uma situação de equilíbrio desviando, divagantes, em meandros instáveis”.
As narrativas sobre a região estabeleciam um lugar de enunciação, interesse, representação e espaços de disputas sociais, políticas e culturais. Todas as narrativas que descortinaram o Novo Mundo estavam carregadas de ideologias que atravessaram o tempo e ainda se alojam no modo de ver e perceber a Amazônia. Como diz a professora e pesquisadora Vânia Torres, “quase nada mudou”
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