Publicado em: 24 de maio de 2025
Quando Robert Zimmerman, aliás, Bob Dylan teve seus primeiros discos lançados aqui em Belém, eu era um moleque entre 11 e 13 anos. Ouvia tudo o que meu irmão mais velho, que já trabalhava em rádio trazia para casa. Suas músicas tinham melodias simples, letras enormes, o cantor era fanhoso e cantava rápido. Muito difícil de traduzir. Por isso, para mim, não foi amor de primeira. Acompanhar a carreira, muito mais difícil pela rara oportunidade de ler uma revista estrangeira, ou algum destaque fosse dado em jornal, com a legenda de uma radiofoto da UPI. Somente algum tempo depois, com o inglês já no ponto certo, descobri a urgente importância das letras. “Blowind in the wind”, “A hard rain’s gonna fall”, “The times they are a-changing” e, principalmente, “Like a Rolling Stone” com sua letra tão importante para a época. É preciso circunstanciar o mundo dos americanos do norte, naquele tempo. Havia a guerra no Vietnã, lutas por direitos civis, drogas, negros contra o racismo, luta contra o comunismo e suas listas negras que não permitiam que artistas com músicas de protesto, fossem tocados nas rádios ou aparecessem na televisão. Havia Cuba, assassinato de Kennedy, a explosão dos Beatles, enfim, um vulcão.
Robert Zimmerman nasceu em Iron Range, Estado de Minnesota, de uma família judia, classe média. Primeiro houve piano, depois o violão, algumas peraltices e a paixão por Woody Guthrie, um cantador que percorria as estradas poeirentas cantando em bares por gorjetas, bebidas e uma cama. Ele decidiu o mesmo, encontrando amigos no caminho e acabando em NY. Ali, contou várias mentiras sobre sua trajetória. Vestia-se como o vagabundo das fotos, dormia nos sofás das casas dos amigos, tocava canções folk, preferencialmente de Guthrie. Foi cantando em bares que foi notado. Uma de suas músicas, a “Blowind in the wind”, soou diferente em um gênero que falava de saudade, paz, vizinhança e campo. Pete Seeger, uma das maiores figuras do folk americano, pesquisador, criador do festival de Newport, na época o maior festival de música do país, notou o garoto, que também foi notado por um empresário, Grossman, o levaram até a Columbia Records para trabalhar com John Hammond. Seus dois primeiros discos tinham repertório dos shows nos bares, músicas de outros. E então ele começou a ficar famoso. Era o momento certo para suas letras demolidoras. Era recebido como um Messias, aquele que veio dizer. Ficou rico, encontrou com os Beatles, influenciou John Lennon e de repente, junto com a chegada devastadora do rock americano, gravou “Like a Rolling Stone” que explodiu nas rádios, mesmo durando mais de seis minutos, um pecado para as rádios que tocavam músicas com três minutos.
Elijah Wald foi o jornalista que acompanhou tudo e escreveu o livro “Dylan Elétrico”, que motivou o filme “A Complete Unknown”, com o ator Timothy encarnando o bardo. O livro é amplo e disseca a cena musical americana, a cena folk, o castelo de Seeger em Newport. Quem quiser saber tudo sobre essa cena, leia o livro. O ápice é a noite em que Bob, aguardado por 17 mil pessoas, ao invés de cantar com seu solitário violão, trouxe uma banda de rock e chocou a platéia, com rock and roll. Os conservadores vaiaram e o chamaram de traidor. A molecada adorou. Foi um escândalo e também o começo do fim de Newport, que foi seguido por festivais como Woodstock. Bob seguiu adiante, com sua banda em uma espiral que acabou quando sofreu um acidente sério em sua motocicleta e precisou ficar anos em casa, recuperando-se. Quando voltou, sua banda de apoio agora era The Band e as composições eram sobre qualquer coisa. Ele se encheu de ser aguardado para dizer as verdades, que outros não tinham coragem de dizer. Atualmente segue na sua “Non Stop Tour”, fazendo mais de cem shows por ano. Sua voz está mais rouca ainda e ele muda os arranjos de seus sucessos, tornando-os quase sempre, incompreensíveis. Mas eu estava passeando no comércio, em Boston, um walkmen sintonizado em rádio e de repente, veio “Like a..” e nunca foi tão certeiro. Ei era “A complete unknown”
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