Quase dois mil anos após a erupção devastadora do monte Vesúvio que soterrou a antiga cidade romana de Pompeia em 79 d.C., a ciência segue desvendando mistérios sobre a identidade e o cotidiano de suas vítimas. Um estudo conduzido por pesquisadores das universidades de Harvard e Florença e publicado na revista Current Biology questiona interpretações anteriores sobre quem eram essas pessoas e seus vínculos familiares, a partir de uma análise mais recente, baseada em DNA extraído dos restos preservados.
A cidade de Pompeia, situada na baía de Nápoles, Itália, foi lar de cerca de 20 mil pessoas. A erupção do Vesúvio, uma das mais trágicas e documentadas da antiguidade, vitimou aproximadamente 10% da população local. A rápida acumulação de cinzas e detritos vulcânicos ao redor dos corpos das vítimas criou moldes ocas, que preservaram suas formas e, em alguns casos, detalhes impressionantes. Desde o final do século XIX, arqueólogos utilizam esses moldes para estudar a vida e a morte em Pompeia.
Um dos moldes mais icônicos de Pompeia, conhecido como a “família da casa da pulseira de ouro” – apelido dado devido a uma peça de joalheria encontrada junto à figura mais velha – retrata uma criança de mãos dadas com um adulto. Supunha-se que essa figura adulta fosse a mãe da criança, mas as novas análises de DNA revelaram que não havia relação genética entre as duas vítimas.
Assim, os pesquisadores foram capazes de refutar ou desafiar algumas das narrativas anteriores, baseadas unicamente na forma como estes indivíduos foram encontrados. Alissa Mittnik, pesquisadora do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, explicou para o NY Times que o estudo do material genético abre espaço para outras interpretações sobre quem eram essas pessoas e da composição e organização social da cidade.
Próximo a essa “família” foram encontrados os restos de um segundo adulto, do sexo masculino, e de outra criança, antes considerados parte do mesmo grupo familiar. No entanto, o DNA revelou que nenhum dos quatro indivíduos compartilhava laços de parentesco. Os cientistas levantam agora a possibilidade de que essas pessoas poderiam ser servos, escravos ou crianças nascidas de servos que habitavam a mesma casa.
Os pesquisadores analisaram o DNA de catorze moldes de restos mortais encontrados em Pompeia, examinando o sexo, as origens genéticas e as possíveis conexões familiares entre as vítimas. A análise aponta que Pompeia abrigava uma população diversa, com pessoas de várias partes do Império Romano.
Alguns dos indivíduos identificados mostraram ascendência genética similar à das populações do Mediterrâneo Oriental, como as regiões do Egeu ou do Levante. Esses dados destacam a mobilidade da população no Império Romano, sugerindo que Pompeia atraía habitantes de diversas regiões, possivelmente em busca de oportunidades comerciais ou como resultado do tráfico de escravos.
As descobertas provocam uma reconsideração sobre como se compreende a vida e as relações sociais na Pompeia antiga. A identificação genética dos cidadãos de Pompeia refuta suposições anteriores e enriquece o entendimento sobre a organização social romana. A diversidade genética encontrada na população local reforça a ideia de que Pompeia era um microcosmo do império, onde pessoas de diversas origens conviviam em proximidade.
Comentários