Publicado em: 7 de outubro de 2025
Entre os últimos dias 29 de setembro a 2 de outubro, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, aconteceu a MILSET Expo–Ciências Internacionais (ESI) 2025, que reuniu mais de 2.043 participantes de 45 países e apresentou cerca de 600 projetos nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática (STEAM). O único representante da Amazônia brasileira no evento foi o Projeto Flor de Lótus – Óleo Sustentável e Inclusão, desenvolvido pela Apae de Abaetetuba, representado pelo aluno Eduardo Lobato Pires, de 30 anos, e pela professora Gina Manuelle Carneiro Cardoso.
Eduardo é aluno da Apae de Abaetetuba no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Morador do Ramal do Maranhão, na zona rural do município, ele se tornou o primeiro pesquisador com síndrome de Down a defender um projeto científico nesse evento internacional. Munido de fone de ouvido e aplicativo de tradução, conseguiu dialogar com visitantes de diferentes nacionalidades. “Gostei muito de apresentar o nosso trabalho e quero continuar falando desse projeto. Me emocionei ao representar os meus colegas, professores e minha família”, contou, emocionado.

Criado no Centro Profissional de Trabalho, Emprego e Renda (Cepter) da Apae de Abaetetuba, o projeto tem como propósito reaproveitar óleo de cozinha para transformá-lo em sabão ecológico, ao mesmo tempo em que promove a inclusão de pessoas com deficiência, em especial com autismo e síndrome de Down. Em apenas três anos, a iniciativa conquistou reconhecimento em eventos científicos nacionais e agora alcança visibilidade internacional como exemplo de sustentabilidade, inovação e inclusão social.
A trajetória contou com o empenho da professora Gina Manuelle Carneiro Cardoso, 43 anos, pedagoga, especialista em Educação Especial e servidora pública estadual, que atua há nove anos na Apae de Abaetetuba. Ela enfatiza o papel das famílias no processo de desenvolvimento: “a família tem que acreditar que eles são capazes, independentemente das dificuldades de fala, locomoção… Devemos dar oportunidade para que se desafiem. O Eduardo teve esse privilégio, a família dele confiou seu tesouro nas minhas mãos”.
Para a professora, que tem dois filhos, sendo um deles autista, o feito de Eduardo abriu caminhos inéditos: “o Eduardo, como única pessoa com síndrome de Down defendendo um projeto científico, quebrou paradigmas, e a partir de agora acredito que muitas oportunidades vão surgir para as pessoas com deficiência”.

A conquista foi celebrada pela Federação das Apaes do Estado do Pará (Feapaes-PA). O presidente da entidade, Emanoel O’ de Almeida Filho, avaliou: “para nós é um orgulho muito grande do movimento apaeano, de todo o Brasil. Na verdade, é um feito inédito essa participação. Só temos a agradecer à equipe da Apae de Abaetetuba e a todo o empenho em executar um projeto que foi reconhecido não só no Brasil, mas agora na feira em Abu Dhabi”.
O ineditismo também foi destacado por Rosenilda Vilar, responsável pela delegação brasileira da Feira Nordestina de Ciência e Tecnologia (Fenecit), que credenciou o Flor de Lótus para Abu Dhabi: “entendemos que são instituições como a Apae que valorizam e desenvolvem a potencialidade dessas pessoas, que fazem a diferença. E quero dizer, além de parabenizar, que estamos de portas abertas para a Apae encaminhar projetos para a Fenecit, porque acreditamos nesta causa que vocês desenvolvem. Até porque a nossa linguagem universal é a ciência, e todos nós temos habilidades para desenvolver ciência”.
A experiência também impactou a organização do evento. O diretor executivo da Milset Brasil, Mateus Alex Barbosa Dedê, explicou que a participação levou a ajustes nas regras, já que até então não havia ocorrido situação semelhante. Ele destacou que, após a presença da professora Gina, o edital e o estatuto foram modificados para considerar que o aluno estava na faixa escolar adequada, de modo que a idade não fosse tratada como um impeditivo. Ressaltou ainda que Eduardo é uma pessoa extraordinária e que o alcance social e a representatividade do projeto são de grande relevância.
A coordenadora de Educação Empreendedora do Sebrae Nacional, Luana Carulla, afirmou que ela e sua equipe ficaram admiradas com o projeto e com o potencial de Eduardo. Explicou que a proposta nasce de uma oportunidade identificada na comunidade, relacionada ao descarte de gordura, e associa esse processo ao reconhecimento do que o território oferece, como a natureza local que confere aroma ao produto. Segundo ela, esse desenvolvimento mobiliza diversos conhecimentos e habilidades dos alunos, fazendo com que se sintam produtivos, realizados e capazes de contribuir com a sociedade. Para Carulla, esse é o verdadeiro sentido do empreender, e o Flor de Lótus se mostrou no mesmo nível de qualidade e inovação dos projetos ambientais e de vocações territoriais apresentados por outros países.

Com a repercussão internacional, o projeto já planeja novos passos. A equipe confirmou presença na Mostra de Ciência e Tecnologia do Instituto Açaí (MCTIA), em Belém, marcada para dezembro de 2025. De acordo com a professora Gina, o grupo está desenvolvendo uma nova linha de sabão produzida a partir do caroço de açaí. “Fizemos os testes e o resultado foi ótimo. Agora estamos em busca de parceiros tanto para triturar o caroço de açaí quanto para pontos de venda”, revelou.
O movimento apaeano, há mais de 70 anos, defende direitos e promove inclusão de pessoas com deficiência intelectual e múltipla no Brasil. A Apae de Abaetetuba, filiada à Feapaes-PA e à Apae Brasil, que é a maior rede de defesa dessas populações na América Latina, mostra que a combinação de ciência, inclusão e sustentabilidade podem transformar vidas.
Imagens e informações: Tábita Oliveira/Feapaes-PA
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