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O momento eleitoral envolve as pessoas em debates, emocionados, que quase sempre coloca no centro as eleições em si, quem vai “ganhar”. Pouco entra na pauta os modelos de Sociedade que se colocam em disputa. Até mesmo a democracia é pouco debatida. Em vez de se debater a política, se reduz o debate aos políticos. Por isso, a influência das pesquisas de opinião e, até a grotesca compra de pesquisas falsas. Uma cultura em que pouco se percebe quem, ou o que, realmente venceu ou foi derrotado. Esta reflexão trata disso…

Escutei, diversas vezes, em momentos e contextos distintos, uma frase medieval que sintetiza a concepção de mundo que muitos, hoje, no século XXI, professam: “O homem é o lobo do homem”.

O sentido proposto por esta afirmação é a suposta constatação de que, por sua natureza, os seres humanos sem controles externos, vivem em guerra permanente, devorando uns aos outros. Uma natureza autodestrutiva inexorável, que apenas pode ser contida de fora e à força, daí o papel do Estado.

Acontece que esta frase foi cunhada por Thomas Hobbes, em 1651 ao lançar sua obra prima intitulada “Leviatã”. Não por acaso, Leviatã, é um ser da mitologia fenícia, ummonstro marinho de sete cabeças que representa as forças maléficas que devoram os seres humanos. Uma metáfora para a explicação de que o ser humano, em seu estado de natureza, sem regras e controles pré estabelecidos, age como em uma “guerra de todos contra todos”. Daí a necessidade de um Estado forte, capaz de impor obediência e disciplina a qualquer custo. E assim justificava a defesa do Estado Absolutista.

O Absolutismo, foi muito comum na Europa entre os séculos XVI e XIX – por 300 anos. Foi uma forma de governo que prezava pelo poder absoluto da nobreza feudal e da burguesia mercantil. Que neste período se sentiam inseguras com as grandes transformações que a humanidade passava com as descobertas das Grandes Navegações e a Revolução Industrial com suas tremendas inovações tecnológicas. O surgimento da República, do Protestantismo e o Capitalismo.

Com medo e inseguros, os poderosos de então recorreram a uma repressão violenta, reproduzindo grandeconcentração de poder e riqueza, que gerou grande desigualdade entre os grupos sociais. Que coincidência com nossos dias, não? A propósito, “a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” como diria Marx no livro 18 de Brumário de Luís Bonaparte(1852).

Por aqui, neste andar do século XXI, os 1% mais ricos do mundo concentram duas vezes a riqueza do resto do mundo, segundo a agência inglesa Oxfam. Que também afirma que o 1% mais rico do mundo ficou com quase 2/3 de toda riqueza gerada desde 2020, o que é seis vezes mais do que 90% da população global. Um processo econômico construído racionalmente, cuja estratégia de sustentação está no controle da Política e, principalmente, da Cultura da Sociedade.

A Cultura é a síntese de valores que cultuamos e cultivamos em nosso cotidiano, em nossas rotinas. Conhecimentos, crenças e referências de segurança e conforto emocional que orientam e balizam o nosso comportamento. Um produto da Educação. Que para muito além da escola, se dá nos exemplos de sucesso e prestígio que se propagam nos ambientes, nas mídias, nas artes. 

Daí a construção da visão de mundo hobbesiana que entende a vitória, como a derrota do outro. “O inferno são os outros” como sintetizaria Sartre na peça teatral “Entre 4 paredes”, escrita em 1945. O sucesso é entendido como acumulação de bens materiais, daí a obsessão, e o vale tudo, pelo dinheiro. 

Não por acaso, as pessoas dizem admirar Madre Tereza de Calcutá, Ghandi, Jesus, mas elegeram Zoe Fascista, Sonaira Misógina, Sargento Facho, André Fundamentalista Santos, Cris Sionista Monteiro, entre outros, como vereadores da maior e mais importante cidade do país, São Paulo, capital.

Apesar da ciência, através da Antropologia, ter comprovado que os seres humanos se viabilizaram como espécie, exatamente por desenvolver a capacidade de cooperação e solidariedade como elemento de sua própria natureza, ainda hoje, a sonegação desta constatação faz parte da estimulação de conflitos, discriminações e violências para que não se perceba a concentração de poder e riqueza que provoca as desigualdades.

Assim, a democracia é reduzida a eleições, deixando de significar partilha de poder, no dia a dia da Sociedade, e de garantia da igualdade de direitos e oportunidades.

Thomas Hobbes foi derrotado por John Locke nos idos de 1689, pai do Liberalismo, que afirmava que a natureza dos seres humanos é boa, mas pode ser distorcida se o ambiente o avilta, o embrutece, o torna ignorante, criticando o Estado Absolutista, defendido por Hobbes, a partir de sua Teoria do Trabalho. Thomas Hobbes foi derrotado por Jean-Jacques Rousseau, que em “Contrato Social: Princípios do Direito Político”, de 1762, afirmava “A Democracia só é possível onde o mais rico, não seja tão rico que possa comprar alguém. E, o mais pobre, não seja tão pobre, que tenha que se vender”. Demonstrando como a Economia e a Política são as faces da mesma moeda, a moeda do Poder.

Mas eis que em 2024, as evidências demonstram que Hobbes vive, Hobbes vence.

João Tupinambá Arroyo
Prof João Tupinambá Arroyo, mestre em Economia, doutor em desenvolvimento, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão de Conhecimentos da Universidade da Amazônia. Membro efetivo do IHGP.

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