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O jornalista Marcelo Beraba morreu hoje, 28, aos 74 anos, no Rio, vítima de câncer no cérebro. Ao longo de mais de meio século de carreira, ele trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, TV Globo, Estadão e Folha de S. Paulo. Idealizou, fundou e foi o primeiro presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), da Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo e do seu Prêmio Latino-Americano, no qual atuou como jurado por mais de dez anos. Era defensor incondicional da liberdade de imprensa e incansável promotor do jornalismo investigativo como ferramenta essencial para o fortalecimento da democracia. Recebeu, em 2005, em Washington, o Prêmio Excelência em Jornalismo do ICFJ (International Center for Journalism).  Ministrou oficinas de investigação jornalística nos programas de treinamento da Folha e do Estadão, no programa Jornalismo de Periferias, da Abraji, e nas pós-graduação de Jornalismo Investigativo da FGV/Rio e ESPM/Rio. Sua marca era a seriedade e competência no planejamento, apuração e ética.

Em 1981, uma explosão dentro do carro ocupado por dois militares do Exército no estacionamento do Riocentro, onde milhares de jovens acompanhavam shows de música do 1º de Maio, embalados pelo ideal de redemocratização, matou na hora o sargento Guilherme do Rosário e feriu gravemente o capitão Wilson Machado, agentes do Doi-Codi. Beraba foi um dos primeiros repórteres a chegar ao local. Conseguiu as imagens da cirurgia do capitão Wilson e, com a informação vinda de Brasília de que eram duas bombas, comprovou que a intenção dos militares era forjar um atentado para evitar o processo de retorno ao regime democrático. Aquela cobertura jornalística foi fundamental para o movimento Diretas, Já, deflagrado em 1984. Anos mais tarde, em entrevista à Abraji, Beraba definiu o Caso Riocentro como exemplo da importância da imprensa na defesa do Estado democrático de direito, sem destacar sua contribuição pessoal, mas a cobertura diligente dos jornais, como um todo:

“A definição mais aceita de jornalismo investigativo é a que condiciona o trabalho jornalístico a uma investigação própria, relevante e que se empenha em desvendar aquilo que algum poder tenta ocultar. Este foi o caso do Riocentro, em que a imprensa trabalhou sozinha, sem ajuda do Ministério Público, de juízes, das polícias – todas estas instituições e o governo militar estavam empenhados em impedir o nosso trabalho e fazer a sociedade crer numa farsa. A investigação do atentado terrorista do Riocentro foi exemplar e contribuiu para o fim da ditadura militar”.

O jornalista Tim Lopes, da TV Globo, foi descoberto por traficantes quando apurava, disfarçado, a exploração sexual de adolescentes em um baile funk no Complexo do Alemão. Foi torturado, teve membros amputados e queimado ainda vivo. A indignação de Beraba resultou na criação da Abraji.

Foi mestre de gerações. Em 1985, Beraba era diretor da sucursal da Folha no Rio quando a jornalista Elvira Lobato recebeu uma informação em off: o Ministério da Aeronáutica estava fazendo testes nucleares em plena selva amazônica, na Serra do Cachimbo, no sul do Pará. Beraba designou-para investigar o caso. A reportagem revelou que era ainda pior: ali seria também armazenado o lixo atômico resultante da produção de urânio dos reatores instalados em Angra. Foi um escândalo nacional.

O então governador do Pará, Hélio Gueiros, divulgou em veículos de circulação nacional uma carta aberta dirigida ao presidente da República, José Sarney, intitulada “O Pará não é lata de lixo do Brasil”. E garantiu que iria barrar o projeto, na Justiça ou de qualquer jeito. A Alepa aprovou e Gueiros sancionou uma lei proibindo o depósito de qualquer material radioativo no Pará (em vigor até hoje). As bancadas paraenses na Câmara e no Senado, entidades empresariais e ambientalistas liderados por Camilo Vianna fizeram mobilização nacional; torcedores do Clube do Remo, do Paysandu e da Tuna; católicos, evangélicos, espíritas e de religiões de matrizes africanas se uniram; milhares de indígenas marcharam até Brasília.

A sociedade paraense virou um caldeirão em ebulição. No Círio, centenas de manifestantes participaram da procissão portando cartazes e máscaras de protesto clamando pela ajuda de Nossa Senhora de Nazaré.

O presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, físico militar Rex Nazaré Alves, achou que podia acalmar os ânimos e anunciou que estava embarcando para Belém a fim de explicar as razões do governo federal. Repórteres levaram a notícia ao governador, que fulminou: – “O Pará não vai ser destinatário de lixo algum e eu não vou perder tempo discutindo com um sujeito com nome de cachorro”.

Então, no dia 14 de outubro de 1987, um comboio de caminhões deixou Goiânia com o material radioativo, via BR-163, a Santarém-Cuiabá, com destino a Serra do Cachimbo. Aí milhares de homens armados, a maioria garimpeiros de Itaituba, garantiram que iriam impedir a passagem dos caminhões, recorrendo à força, se necessário. Hélio Gueiros deu o aval, com seu jeitão: – “Estou aqui para o que der e vier!”. E ainda aventou a possibilidade de mandar a PMPA bloquear a rodovia. Sarney, temendo o pior, recuou. Ao assumir a Presidência da República, Fernando Collor de Mello foi a Serra do Cachimbo para literalmente jogar uma pá de cal sobre o projeto e celebrar a paz.

Elvira Lobato, jornalista muitas vezes premiada, é a viúva de Beraba.

Que ele esteja em paz e na luz e Deus conforte seus familiares.



Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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