Publicado em: 24 de setembro de 2013
No vídeo, Mercedes Sosa recita o Poema
15, uma das obras mais conhecidas do poeta chileno Pablo Neruda, morto há 40
anos, em 23 de setembro de 1973
em Santiago do Chile, oito dias após a queda do Governo da Unidade Popular e da
morte de Salvador Allende.
15, uma das obras mais conhecidas do poeta chileno Pablo Neruda, morto há 40
anos, em 23 de setembro de 1973
em Santiago do Chile, oito dias após a queda do Governo da Unidade Popular e da
morte de Salvador Allende.
A palavra
Pablo Neruda
“… Sim Senhor, tudo o que
queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam …
Prosterno-me diante delas… Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as,
derreto-as … Amo tanto as palavras … As inesperadas … As que avidamente a
gente espera, espreita até que de repente caem … Vocábulos amados … Brilham
como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal,
orvalho … Persigo algumas palavras … São tão belas que quero colocá-las
todas em meu poema … Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as,
limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas,
vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas,
como azeitonas … E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as,
adorno-as, liberto-as … Deixo-as como estalactites em meu poema; como
pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes
da onda … Tudo está na palavra … Uma idéia inteira muda porque uma palavra
mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase
que não a esperava e que a obedeceu … Têm sombra, transparência, peso,
plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio,
de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes … São antiqüíssimas e
recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada … Que
bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos … Estes
andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .Américas encrespadas,
buscando batatas, butifarras*,
feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz
que nunca. mais,se viu no mundo … Tragavam tudo: religiões, pirâmides,
tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas… Por
onde passavam a terra ficava arrasada… Mas caíam das botas dos bárbaros, das
barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que
permaneceram aqui resplandecentes… o idioma. Saímos perdendo… Saímos
ganhando… Levaram o ouro e nos deixaram o ouro… Levaram tudo e nos deixaram
tudo… Deixaram-nos as palavras.”
*Do livro “Confesso que Vivi — Memórias“, Difel — Difusão Editorial —
Rio de Janeiro, 1978, pág. 51, traduzido por Olga Savary.
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