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A música de Villa Lobos nestes 130 anos

O Brasil é um país bem eclético em sua essência. País de muitas cores, raças, sabores e sonoridades. Desde a chegada de Cabral pelas terras tupiniquins, nossos traços atuais mais presentes e profundos começaram a ser desenhados, sejam religiosos, musicais e/ou comportamentais. Influências europeias, africanas e indígenas dão os tons mais característicos de norte a sul desse Brasil imenso, e na música, objeto esse tratado na presente reflexão, não poderia ser diferente.

A música brasileira já teve (e tem) muitos representantes relevantes de diversas épocas: Desde o Padre José Maurício Nunes Garcia no século XVIII, um grande expoente da música barroca/neoclassicista brasileira, passando por Carlos Gomes no século XIX com suas árias, canções para piano e óperas, Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga símbolos de um Rio de Janeiro apaixonante de outrora, Francisco Mignone, Radamés Gnatalli, e inúmeros outros. Dentre tantos, Villa Lobos sempre desperta uma atenção especial devido a inúmeros fatores, seja por seus processos composicionais, material harmônico utilizado, sua biografia, imagem individualista, dentre muitos outros
aspectos positivos e negativos, comportamentais e musicais.

Filho de um músico amador que lhe deu as primeiras lições musicais, Villa Lobos ainda em sua adolescência fez quatro viagens como músico de salão, passando praticamente pelo Brasil inteiro, pois esteve no nordeste, posteriormente para os estados do sul, depois São Paulo e Goiás e por último para o norte brasileiro. Posteriormente à sua proveitosa passagem pela Semana de Arte Moderna de 1922 onde foi o único compositor que participou, embarcou pra Paris onde permaneceu entre 1923 e 1924 e estabeleceu contatos importantes, fazendo com que o lendário pianista Arthur Rubistein, previamente conhecido ainda no Rio de Janeiro, executasse peças de sua autoria.

Diferentemente de Mozart, Chopin ou Debussy, as obras de Villa Lobos não possuem um estilo ou uma forma pré-definida. Classificá-lo como nacionalista, pós-romântico, neoclássico ou modernista é possível, haja vista que suas obras apresentam influências e características peculiares, de acordo com o período vivido e as tendências estéticas norteadoras. Tais diferenças estéticas ficam visíveis ao compararmos, por exemplo, as séries “Bachianas Brasileiras” com os “Choros”.

A série Bachianas Brasileiras é uma das obras (senão a mais) de maior destaque de Villa Lobos. Composta entre 1930 e 1945, as 9 bachianas brasileiras são completamente independentes entre si e fundem elementos da música brasileira com a música de Bach. Essa fusão de elementos tradicionais universais com nacionalistas, do passado com o presente, resulta nesta magnífica série que apresenta escrita para as mais variadas formações: a 1 para oito violoncelos, a 2 para orquestra de câmara, a 3 para piano e orquestra, a 4 para piano solo, a 5 para soprano e violoncelos, a 6 para flauta e fagote, a 7 e 8 para orquestra e a 9 para coro ou orquestra de cordas.

A fase de 1920 a 1929 representa a fase nacionalista modernista de um Villa Lobos que rompe com os padrões estabelecidos da música erudita, utilizando elementos folclóricos nacionais o colocando num patamar de originalidade e singularidade únicosem sua obra. Neste período, o Choro representa esta originalidade nacionalista, ou seja, realizando assim uma representação brasileira através de uma linguagem musical singular e familiarizada do povo brasileiro. A série “Choros” é uma série de 14 composições, e da mesma forma das “bachianas” foi escrita para as mais variadas formações, desde o piano solo da famosa “Alma Brasileira” até o Choros 14 para orquestra, banda e coros. Ainda na temática dessa série, faço uma menção especial aos Choros 10, obra belíssima com o tema “Rasga Coração” de Anacleto de Medeiros em que Villa Lobos utiliza dialogando com motivos indígenas, a qual tive o privilégio de tocar junto à Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz em 2006, quando ainda era integrante da mesma.

Como vemos, as temáticas indígenas e nacionalistas são sempre uma constante nas obras de Villa Lobos. Segundo o artigo “O Elemento indígena na obra de Heitor Villa Lobos”, Villa Lobos utiliza como recurso composicional nesta representação do universo indígena alguns elementos como “melodias em graus conjuntos, cromatismos, saltos de terças, ostinatos curtos” dentre outros recursos musicais. Estes aspectos, dentre outros, são percebidos com clareza quando analisamos a peça “Dansa do Índio Branco” do Ciclo Brasileiro, obra composta para piano a qual é parte integrante junto a outras 3 músicas: Plantio do Caboclo, Impressões Seresteiras e Festa no Sertão.

Com mais de 1000 obras, Villa Lobos é uma fonte inesgotável de pesquisa da música brasileira. Neste ano que comemoramos 130 anos de seu nascimento, sua originalidade continua a transcender quaisquer barreiras estéticas e perdura a encantar as plateias do mundo.

 

Humberto V. Azulay É Presidente da Academia Paraense de Música e Professor de Piano e Música de Câmara da EMUFPA

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