0
A tragédia ambiental causada pelo rompimento de duas barragens na região de Mariana(MG) precisa servir para evitar mais acontecimentos desastrosos por conta do descaso com a vida e o meio ambiente. A  própria mineradora Samarco –  empresa controlada pela Vale e pela australiana BHP – já informou que a barragem Germano, localizada no mesmo complexo (acima da Santarém e Fundão), requer esforço estrutural, aumentando o temor de um novo capítulo no desastre. O mar de lama que deixa rastros de destruição em Mariana matou pelo menos oito pessoas e deixou 19 desaparecidos, além de centenas de famílias desabrigadas. 

Agora a mineradora está monitorando os muros, instalou radares de alta potência e tem uma sala com imagens em tempo real. Como sempre, os cuidados vêm depois dos fatos. A mina Germano está com a licença de operações vencida desde 27 de julho de 2013, de acordo com a Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais. Na mesma situação estava Barragem de Santarém, com licença de operações desde maio de 2013. A mineradora, no entanto, já tinha apresentado os pedidos de revalidação das licenças antes dos vencimentos, o que, segundo a própria secretaria, está dentro da lei. Ou seja, todos os envolvidos – iniciativa privada e governo – têm culpa, deixaram de tomar as providências necessárias para garantir a segurança da população. 

A barragem Fundão, que foi a primeira a se romper, tinha licença até 2019. Ninguém se preocupou em fazer uma revisão dos critérios básicos para o funcionamento de um empreendimento tão impactante. Muito menos havia algum tipo de controle ou acompanhamento das licenças ambientais.
Sequer verificaram se as condicionantes exigidas à Samarco no licenciamento da barragem estavam sendo cumpridas. 

A empresa terá de pagar R$ 250 milhões por poluir os rios, tornar área imprópria à ocupação humana, interromper o fornecimento de água a cidades e lançar efluentes danosos à biodiversidade. É pouco. Essa multa corresponde a míseros 9% do lucro líquido obtido pela Samarco, R$ 2,8 bilhões no ano passado, segundo informações do Valor Econômico. A mineradora registrou receita líquida de R$ 7,5 bilhões em 2014 antes da dedução de juros, impostos, depreciação e amortização. 

No Pará, Estado minerador, é preciso arregaçar as mangas e conjugar o verbo prevenir. Exemplos dramáticos não faltam. A Mineração Rio do Norte destruiu completamente o lago do Batata, área de 2.100 hectares em que despejava, sem dó nem piedade, durante 10 anos (1979-1989), 2,4 mil metros cúbicos por hora de resíduos da lavagem da bauxita. Os restos do minério envenenaram as águas, que se tornaram vermelhas, mataram os peixes e deixaram sem comida cerca de 100 famílias, que moravam na região e tiveram que procurar outra fonte de sobrevivência. A lavagem da bauxita era feita diretamente no lago, que funcionava como depósito. Estima-se que tenham sido lançadas 1,5 milhão de
toneladas de rejeitos por ano no lago. Até meados de 1984,
os rejeitos eram lançados no igarapé Caranam, que drena
para o Batata. Com o esgotamento do curso d’água,
passaram a ser lançados em outros pontos e no igarapé Água
Fria. O alto nível de assoreamento do lago colocou em perigo de
contaminação até o rio Trombetas, o que
motivou a construção de uma barragem com 10m de altura
para impedir o transbordamento. Um escândalo, mesmo naqueles tempos em que não havia lei ambiental no Brasil.

Só depois da visibilidade internacional e a grita dos ambientalistas do Exterior, o Departamento Nacional
de Pesquisa Mineral (DNPM) notificou a MRN que,
posteriormente, substituiu o antigo sistema por tanques de
rejeitos. Mas a tragédia estava consumada. Toda a vida no lago Batata foi extinta. A
s raízes das plantas localizadas em suas margens morreram por falta de oxigênio, o que resultou também na mortandade de peixes e quelônios e, em consequência, de todas as espécies nativas do local. Nas áreas de igapó [vegetação típica da Floresta Amazônica], o
assoreamento levou à morte parte da vegetação e à perda
de habitat para várias espécies, muitas de importância
econômica, como os peixes tambaquis. Foi o maior
desastre industrial da Amazônia. 

A MRN, como resposta às pressões
externas, passou a implementar um plano de recuperação do
lago, que vem tendo sua fauna e flora
regeneradas, mas só talvez em 50 anos seja recomposta a fauna e flora que, ainda assim, jamais serão as mesmas. A um custo altíssimo, com a ajuda de cientistas renomados, um outro ecossistema está sendo construído. 

Embora esse acontecimento funesto esteja presente na memória de todos, há relatos recentes sobre irregularidades na extração de
bauxita em Oriximiná, como a exploração de áreas sem as
devidas licenças e a poluição de igarapés, que drenam para o
lago Sapucuá e para o rio Trombetas, causando doenças nas
comunidades ribeirinhas. Os impactos nos recursos hídricos
se devem à exploração ilegal nas proximidades da borda do
platô (o que desestabiliza a encosta) e ao transbordo dos
tanques de rejeito. Por ser uma área de preservação
permanente (topo de morro), a empresa deveria respeitar um
limite de 30 m antes do declive, mas, segundo moradores,
realiza extração até 10m da borda para maximizar a lavra.

O órgão ambiental local desaconselhou a água do rio
Trombetas para banho e consumo, apesar de ser a única
fonte de captação para muitas famílias que não foram
atendidas pelo projeto de microssistemas de água financiado
pela MRN e pela prefeitura. Em 2005, o Instituto Brasileiro de
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) multou a empresa,
reincidente pela contaminação do igarapé Saracá, resultante
do transbordamento de um tanque seguido de um movimento
de massa no platô Papagaio. Em dezembro de 2007, a empresa foi multada e novo em R$ 56 mil
por não ter comunicado imediatamente ao Ibama o
vazamento de óleo nas águas do rio Trombetas, no
mês anterior. A equivalência entre o valor da multa e o dano ambiental é chocante.

O município de Oriximiná tem cinco minas de bauxita e
mais 14 ocorrências do minério não exploradas, na bacia do rio Amazonas, entre os igarapés
Araticum, Terra Pedra e Moura. É o caso de muita reflexão e ação.

Outros desastres ambientais vêm acontecendo no Pará, e todos têm sido tratados isoladamente. Em 2004 e 2009, em Barcarena, as bacias de contenção de efluentes das fábricas Albrás e Alunorte transbordaram, ferindo de morte o rio Murucupi. Já na Ymeris Rio Capim, que opera com Caulim desde 1996 e em 2010 adquiriu a Pará Pigmentos S.A. e tem a maior planta de beneficiamento de caulim do mundo e 71% de participação na produção de caulim no Brasil, em junho de 2007 os tanques de contenção de rejeitos da empresa transbordaram e 200 mil m³ de efluentes tomaram as águas do rio das Cobras e os igarapés Curuperé e Dendê, entre outros. Por conta do acidente, a Semas multou a empresa em R$ 5 milhões.
Em março de 2008, novo vazamento da bacia de rejeitos agravou ainda mais a situação dos moradores da Vila do Conde que de novo se viram impedidos de usar os recursos hídricos da região. Foram atingidos os igarapés Curuperé, Dendê e São João, além da praia de Vila do Conde e o rio das Cobras. No ano passado os moradores denunciaram outro vazamento. Os acidentes integram o Mapa da Injustiça Ambiental da Fiocruz. 
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

Três horas de terror em Americano

Anterior

Incentivo na luta contra as drogas

Próximo

Vocë pode gostar

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *