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Vou abordar hoje um tema sobre a espiritualidade na Amazônia: a Invocação ao Mestre Caiano.
 
É o pedido para que seja bem-sucedido, ordenado e disciplinado o ritual coletivo de se beber a Ayahuasca, bebida enteógena de origem amazônica, lembrando que o significado de “enteógena” tem a ver com limpeza e purificação.
 
A Chamada do Mestre Caiano é oração-cantada, comum dessa manifestação espiritual que eu vou chamar de “religião da floresta” dos povos tradicionais e entre os daimistas. É uma invocação discreta, que revela o respeito a uma linhagem anterior de mestres e o primeiro deles é reverenciado. 
 
Caiano foi o primeiro Oasqueiro, e honrando a sua memória, precisamos pedir licença toda vez que for beber a Uni, pronuncia-se [uní], entre os Katukina, que vivem na divisa entre o Acre o Amazonas e dão esse nome para a Ayauhuasca, “aquela que une”.
 
Uma das coisas mais interessantes na ritualística da Ayahuasca, no caso específico, da linha de ensinamentos do mestre Gabriel, é a memória.
 
No ritual, tudo é organizado como se fosse a primeira vez, algo que lembra deveras, no Cristianismo, a recordação da eucaristia, recordando-se em cada missa a primeira vez que a partilha do pão e do vinho foi feita em memória do Messias da Galileia.
 
Na linha do Santo Daime, o pedido de licença ao Mestre Caiano confirma que você não vai apenas conhecer a conexão entre homem e selva, e sim porque o vinho das almas vai revelar quem você é.
 
Um dos efeitos da Ayahuasca é, dentre outros, a visão de um panteão de divindades que acompanham e protegem o iniciado, e quanto mais concentrado e meditativo estiver o iniciado mais informações ele recebe de suas vidas passadas, de vaticínios pessoais e eventos futuros.
 
A Ayuahusca é reencarnacionista, assunto que irei mostrar em um próximo texto.
 
Hoje, quero tratar da invocação ao Primeiro Oasqueiro, o passo inicial dessa tradição ligada ao Vinho das Almas: para que seja aberto o caminho pediremos a bênção ao pioneiro, o Mestre Caiano.
 
A Ayahuasca potencializa a consciência e todo um processo de autoconhecimento se inicia.
 
A cantoria é feita de maneira singela e ao mesmo tempo meditativa, na medida certa de cada palavra entoada, não é necessário aumentar a voz e sim
 
 
A CHAMADA DO MESTRE CAIANO
 
Caiano, mestre Caiano
É o primeiro Oasqueiro
Um hum
Eu chamo Caiano,
Chamo a borracheira
Eu chamo Caiano
Chamo a borracheira
 
Caiano, mestre Caiano
É o Oasqueiro sem fim
Eu chamo o Oasqueiro
Clareia seus Caianinhos
Eu chamo o Oasqueiro
Clareia seus Caianinhos
 
Caiano, mestre Caiano
É quem é a luz do caminho
É a escada do vegetal
Os degraus é seus Caianinhos
 
Caiano, mestre Caiano
Vem ver a luz verdadeira
Clareia seus Caianinhos
Todos pedem a borracheira
 
(Transcrição: Benilton Cruz de um áudio enviado pelo Mestre Eloi, da Comunidade Tonantzin, em Benevides, na Grande Belém, Pará, e que serviu para um artigo no meu blog Amazônia do Ben www.novoblogblc1.blogspot.com).
 
E quem são os “Caianinhos”. São os iniciados, aqueles que estão ali para beber e receber a luz, e ao mesmo tempo, pedir licença à “borracheira” ou “borrachera”, palavra de origem espanhola que designa o efeito de bebida alcóolica, e neste caso específico, refere-se ao transe que a bebida proporciona. 
 
E sobre esse léxico específico, entende-se que “borracheira” deriva de uma região que teve contato com o idioma espanhol, a Amazônia oriental, Peru, em especial, por conta da história da formação de uma religião genuinamente brasileira, a do Santo Daime, em torno do mestre Irineu Serra.
 
O “Um hum” do início deve ser entoado bem suave e quem autoriza a borracheira é o Mestre Caiano que é eterno porque é “sem fim”, ele é quem vai iluminar os seus discípulos, os Caianinhos, vai orientar e prescrever um conjuntos de informações sob o efeito da Uni.
 
Caiano é a metáfora de “escada” e cada um dos iniciados é um “degrau”, por isso que provavelmente uma roda de iniciados bem comandada pode levar a uma “subida” que seja benéfica aos iniciados, tal é a força em união dessa “escada”, a luz verdadeira que está na borracheira.
 
Três coisas marcam a todo e qualquer iniciado à Ayahuasca através da Chamada do Mestre Caiano: 1 – A consciência de que exatamente está se bebendo, algo que vai levar à borracheira; 2 – o condutor dessa jornada é o primeiro Oasqueiro, Caiano, e a ele se deve pedir permissão; e 3 – todos na roda do ritual têm um só objetivo: a alevação espiritual através do autoconhecimento e expansão da consciência.
 
E quando o canto e a poema primordial se unem com o propósito de criar uma unidade espiritual coletiva, com base em uma identidade – palavras nos limites do corpo e espírito – em sua forma mais primitiva, destituída de toda tecnoclogia e vestida da mais pura inspiração – o nome disso tem um nome: se chama Etnopoesia.

Benilton Cruz
Benilton Cruz é doutor em Teoria e História Literária, professor de alemão e do Curso de Letras-Português e Letras-Libras da UFRA, Campus Belém, autor dos livros: Olhar, verbo expressionista – O Expressionismo Alemão no romance “Amar, verbo intransitivo de Mário de Andrade; Moços & Poetas – Quatro Poetas na Amazônia - Ensaios Sobre Antônio Tavernard, Paulo Plínio Abreu, Mario Faustino e Max Martins; Espólios para uma Poética – Lusitanias Modernistas em Mário de Andrade; pesquisador e perito forense, editor do blog Amazônia do Ben; editor do Canal de Poemas No Meio do Teu Coração Há um Rio, no Youtube. Diretor da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará; e membro eleito da Academia Paraense de Letras.

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