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Convido a todos para navegarem comigo sobre o leito de um infindável rio narrativo/poético, epigrafado com alguns “afluentes” do poema “Barcarolas”, de autoria do poeta que aqui chega, relacionados à esta saudação.

E ele começa assim:

“O Homem conduz o sonho

O sonho conduz o homem,

No rio que dá noutro rio,

Que dá noutros rios que somem…”

  1. A ENTRADA

A alegria que experimento nesta noite, senhoras e senhores, para saudar um grande expoente da cultura brasileira: o poeta João de Jesus Paes Loureiro, é a de quem abre a trilha de seu mundo/verde/mágico/poético perante este renomado silogeu.

Assim penso, porque provavelmente seja o poeta quem nos recebe, no instante em que nossas portas se abrem para a sua chegada, porque sejamos nós quem estamos entrando no seu fabuloso universo poético para dar e pedir boas vindas.

Na recepção protocolar, este clássico silogeu recebe um dos mais densos imaginários-literários-filosóficos-estéticos-amazônicos que se tem registro nesta região, construído por encantamentos do talento incomum de um pensador amazônico.

Na recepção indireta que o poeta nos proporciona, seu imaginário é quem abre as portas para nos fazer sentir o quanto somos partes de um mundo invisível que sua poesia revela.

Com João de Jesus Paes Loureiro se constrói a esteticidade amazônica, estendida como função essencial do humano enquanto vetor de identidade marcante e fortalecedora de entrelaçamento social.

E ele prossegue dizendo:

“No rio a sumir no rio,

Que passa em seu próprio nome,

No qual o homem navega

Enquanto navega o homem.”

  1. O POETA

Este João amazônico, ser aberto de vários universos, alma incorporada à manifestação viva da arte, é aquele que percebeu, sentiu, traduziu e reinventou um mágico mundo universal poético extraído de um contexto singular.

Este amazônico João é aquele que ofereceu visibilidade ao invisível engenho da condição humana em seu próprio habitat, através da transcendência dos signos e da revelação de outra dimensão material.

João de Jesus Paes Loureiro é o vento que ressoa pelos galhos entrecruzados da floresta costurada entre ramos contorcidos revelando outra linguagem. A voz que corre sobre folhas secas das entranhas das sumaumeiras. As asas que batem acima das copas multicores e aquele que acompanha as chuvas que escorrem entre caules, fertilizando a seiva que deságua no oceano verde.

Sua linguagem fabulosa, com níveis linguísticos encantados, morfologia, sintaxe, signos, semântica, metáforas, revela o misterioso mundo amazônico que a inesgotável força da poesia reconstrói e a insensibilidade de alguns seres o destrói. Sua poesia ressignifica o ser amazônico em todas as suas nuances culturais: crendices, costumes, lendas, mitos e culturas como grandes componentes do universo que ousa ressignificar.

Por essa dimensão que o poeta se insere, revelando para o mundo outro mundo dentro deste universo, é que observo sua chegada – assim me permitindo – como que configurando uma dimensão dentro de outra dimensão, onde a palavra é essência, a ideia uma expansão, na desmaterialização da forma e na reconstrução da parcela poética.

Novamente ele nos diz:

“A canoa sobre a onda.

O homem sobre a palavra.

Coisa como o rio, profunda,

Sintaxe de fina lavra.”

  1. A POESIA.

A vida é um ciclo enfeitado por visões e dessas visões os escritores extraem seus mundos realísticos como os das obras de Garcia Marques, Franz Kafka, Saramago e Fernando Pessoa.

“A ficção é mais estranha que a realidade”, assim começa a obra do escritor Edgar Rice Burroughs, narrando as histórias do personagem Tarzan para expressar a harmonia entre ser humano, meio ambiente e animais.

Na obra de Frank Baum, “Ó Mágico de Oz”, podemos lembrar as metáforas do homem leão que buscava coragem mesmo sendo temido, do espantalho que desejava um cérebro pensando que não raciocinava e do homem de lata que desejava um coração para poder amar e sentir as emoções.

Nos clássicos contos e fábulas infantis de Ana Maria Machado, Andersen, Carrol, Collodi, Daniel Munduruku, Defoe, Dickens, Esopo, Exupéry, Fontaine, Grim, Monteiro Lobato, Perraut, Walt Disney e outros prosadores que trabalham a ficção, como Miguel de Cervantes, Dostoievski e Machado de Assis, a fantasia, o mágico, a magia e a poesia revelados nessas obras, comprovam que a imaginação é aquela que embeleza a realidade.

Aqueles que escrevem a vida dentro de seus próprios ciclos, criando, ressignificando a realidade, oferecendo nova interpretação do existente, reinventando o objeto substancial da coisa conhecida, são os seres que transformam o estático e proporcionam novos sentidos para velhos sentidos.

Nossa espécie aprendeu a escrever e a falar por signos poéticos, primeiramente formatando encantamentos, visíveis e invisíveis, nas paredes das cavernas, em escritas cuneiformes das argilas da Mesopotâmia.

Os sumérios como primeira civilização da história humana, 3.500 anos antes de Cristo, revelaram na Epopeia de Gilgamesh, o primeiro poema épico, heroico e lírico da humanidade, escrito antes da Ilíada e da Odisseia atribuídas a Homero.

Revelaram, em poesia cuneiforme, a história de um dilúvio, ocorrido sete séculos antes da Arca de Noé do Velho Testamento.

Dos sumérios aos babilônios, dos gregos aos chineses, dos indianos às civilizações pré-colombianas e inúmeras culturas originárias, a poesia foi a forma mais excepcional de expressar o mundo e dizer o quanto somos emocionais.

Por sua essência, esta Casa recepciona João de Jesus Paes Loureiro, com admiração entre seus escritores, nossos imortais, que reescrevem, também, novos mundos, novos sentidos, para este mundo às vezes tão sem sentido que nossos sentidos tentam compreender.

Aqui se encontram, também, vários transformadores de realidades, escritores, poetas, dramaturgos, artistas plásticos, músicos, compositores que agora recebem mais um que reinventa o mundo em tom de verde/musgo/oliva em direção ao grande mar das imaginações.

Cada qual desses escritores em estilos e formatos pessoais interpretram o mundo, donos de seus mundos, de maneira pessoal na criação de novos mundos. Escritores com cinzéis em pedras, esculpindo ressignificando vidas dentro das vidas de seus leitores.

Criadores de outros universos que o leitor recebe em seu universo, a literatura, por exemplo, que o homo sapiens primeiramente desenhou para contar-nos histórias, os poemas que os sumérios escreveram em suas tabuletas, os poemas de Camões ou mais o que poderá surgir do infinito mundo da interação humana.

A poesia das formas significativas, engendrada pela mente da invenção do intelecto, o poema que pulsa à nossa frente, o verso que recria o mundo pela realidade da ilusão na ficção da realidade ou da fantasia em que estamos inseridos.

Os seres humanos comunicam-se por diversos recursos de linguagem: sonoro, escrito, visual, musical, iconográfico e gestual. Penso em poesia como atitude linguística que a perplexidade transforma em realidade formal codificada em realidade informal, expressa por símbolos e representações metafóricas.

O poema existe além da palavra, além da escrita, onipresente e ausente na expressão da fala peneirada no papel, feito crivo, como expressou Benedito Nunes, ou no espaço em que restou a expressão que não morreu estagnada.

Seu objeto não é o objeto, mas a observação do objeto pela lente do poético transformando objetos através dos signos. O poema ultrapassa barreiras, arrebata, arranca, transforma, alerta, harmoniza e liberta, livre de manuais e entrelaçamentos funcionais.

Na prioridade da poesia foi que Fernando Pessoa pediu à Ophélia para esperar, porque precisava escrever mais, e assim foi ver os contrafortes de Órion no alto de seu infinito.

Vislumbrou o espaço sideral nas constelações cósmicas dos signos. Pontuou galáxias na inconstância do firmamento, na infinitude do finito e na infinda razão de expressar a vida.

Andou pelo Cruzeiro do Sul, atravessando noites intermináveis como um cometa reluzente. Vagou por espaços interestelares da imaginação, percorreu a volúpia e o medo, a sanidade, a loucura, a inteireza e o caos.

Foi homem, mulher, idoso, criança, matéria, energia, a multidão dos grandes bulevares das capitais do Ocidente, o isolamento do mar e o pastor de ovelhas invisíveis na metafísica do tempo. Foi ele mesmo e muitos outros e todos os outros que podia ser porque a vida, enquanto vida, não lhe bastava…

Foi também nessa prioridade que João de Jesus Paes Loureiro idealizou sua tarefa de vida, penetrando nos encantamentos da floresta nativa que o inspirou. Transfigurou-se na magia de seus mitos, na profundidade de seus rios, nos mistérios de seus igapós, peraus e encantamentos de igarapés misteriosos do nosso insolúvel verde encantado.

Traduziu a linguagem da floresta e dos seres encantados que nela habitam, das lendas que nos contam nossa trajetória, aos seres humanos que lutam, formando a voz da expressão amazônica.

Foi nessa prioridade que João desenhou outra floresta, outros mitos, outras vozes, outras arquiteturas, outras visões, enfrentando lendas sociais e urbanas que lhe ensinaram o avesso da consistência.

Foi na prioridade da poesia que João incorporou a densa mata dos mistérios que sustentam vidas sofridas desse universo verde e a identidade de uma região que proporciona ao mundo respirar;

Foi na especialidade do poema que João protestou contra a injustiça produzida pelos insensíveis e foi na inteireza do poema que completou lacunas omitidas pelos poderosos;

Em sua expressão prioritária, João extrai a força de um bioma devastado que insiste em sobreviver e a essência de seu habitante natural que sobrevive por insistência.

Foi na substância do poético que João ganhou as asas da poesia, expandiu o amor que plantou em seu jardim especial e lá cultivou a maior flor da sua vida: uma Violeta.

Foi com morfologias, fonemas, neologismos e metáforas que João chegou até aqui, inaugurando seu inusitado mundo.

João é toda poesia, ressignificando o léxico amazônico com associações de sentidos e revelações de significados linguísticos, entre essências e medulas, como escreveu o poeta Ezra Pound.

Entre mitos, crenças, imaginários nativos, o poeta repensa nossa região por outro sentido e redimensiona a existência do existente ao seu redor.

Nesse repensar, o poeta reinventa a realidade da própria realidade, mantendo a exclusividade da poesia sem excluir, contudo, a relação dos conflitos sociais que afetam o ser humano.

Nessa interação poética material, João funda, com toda a certeza, o realismo poético amazônico em todas as suas formas e características que a literatura brasileira haverá de registrar.

Mais uma vez o poeta diz:

“A canoa faz do leme

Seu pensamento e razão,

Assim o poema, que ao tema

Imprime forma e paixão.

  1. VIDA E TAREFA.

Da cidade de Abaetetuba, Estado do Pará, berço de grandes artistas, debruçada sobre o rio Tocantins, vem o poeta que se tornou jornalista, professor, filósofo, compositor, ensaísta, dramaturgo, folclorista, escritor e poeta.

Iniciou sua tarefa em 1964, voltado à representação humana em seu anfiteatro injustiçado e carente, aberto ao verde da esperança da poesia libertária e humanitária que lhe abriu, também, a porta dos porões mais sinistros de sua vida: os porões da ditadura militar.

Seu primeiro livro de poemas, “Tarefa”, foi destruído pelo Exército, o poeta preso, torturado no regime autoritário e conduzido para o Rio de Janeiro onde quase desapareceu nas salas de terror que antecederam o Centro de Operações e Defesa Interna, o DOI-CODI.

Nesse mesmo ano, concluiu o curso de Direito pela Universidade Federal do Pará, sendo eleito orador da sua turma, mas sua prisão atrapalharia essa escolha.

Às vésperas da formatura, um ofício do Comando Revolucionário do Regime Militar, representando as três forças reunidas, Exército, Marinha, Aeronáutica, comunicava seu impedimento ao então Reitor Aluysio da Costa Chaves.

O autor de “Tarefa” estava proibido de se manifestar na cerimônia dos novos bacharéis.

Novamente diz o poeta:

“A canoa tem no leme

Sua liberdade e prisão

A forma clara e distinta

Parnasiana invenção.”

Em nova eleição para orador da turma que não concorreu, foi novamente o mais votado, criando um impasse entre a reitoria e os universitários. Ficou ajustado que o poeta poderia ser mantido como orador, entretanto, sem pronunciar qualquer palavra.

Nem palavra, nem poesia, o autor falaria, assim foi a ordem.

Sendo assim, o poeta nada falou, mas seu silêncio ecoou mais forte que a proibição naquela inesquecível data. Seu discurso mudo, mas ensurdecedor, alcançou ruas, feiras, favelas, fábricas e universidades como poesia sobre a liberdade.

No desfecho da ditadura militar, a população brasileira ainda pisando em ovos, João passou a escrever crônicas em O Liberal que meu pai, o jornalista Eládio Malato, diretor-secretário, as publicava. Crônicas sobre viagens, narrativas que diziam ao povo o que poderia dizer e a repressão não entender.

Corajosamente, meu pai publicava um escritor vigiado pelo regime autoritário e o próprio “O Liberal” de Rômulo Maiorana na mesma condição estava, com redatores intimados para explicar títulos e subtítulos de diversas matérias editadas.

Aos sábados, meu pai recepcionava João em nossa própria casa para receber suas crônicas em uma sala cheia de livros, à Rua Soares Carneiro, 684, bairro do Telégrafo-sem-Fio. Dois jornalistas corajosos conversavam sobre antropologia, arqueologia, civilizações antigas, Amazônia e poesia, e eu, adolescente, os escutava.

Continua o poeta:

“A minha canoa vive

Além de mim e da morte

A forma é sua eternidade

Língua e linguagem. A sorte.”

Aportando nas margens de Belém, se tornou jornalista, professor de Estética, Filosofia da Arte e Cultura Amazônica na Universidade Federal do Pará, Mestre em Teoria da Literatura e Semiótica pela UNICAMP de São Paulo e Doutor em Sociologia da Cultura pela Sorbonne de Paris.

Foi Secretário de Estado da Cultura, Criador e Superintendente da Fundação Cultural do Pará, Secretário da Educação do Estado do Pará e Secretário de Educação e Cultura de Belém, capital do Estado, Criador e Presidente do Instituto de Artes do Pará.

Doutor Honoris Causa pela Universidade da Amazônia, Membro da Academia de Letras do Brasil – ALB, parceiro musical do famoso grupo Quinteto Violado, do mestre internacional e confrade nesta Casa Salomão Habib, dos inesquecíveis Sebastião Tapajós e Paulo André Barata.

João é parceiro-letrista de três gerações da família Fonseca de Santarém, cujos integrantes figuram compositores como os maestros José Agostinho da Fonseca, Wilson Fonseca (o mestre Isoca) e Vicente Malheiros, confrade integrante desta honrada academia.

De seu premiado livro “Altar em Chamas”, se extrai a belíssima letra na melodia composta por Vicente Malheiros, Acalanto número 02, neste recinto interpretadas pelo próprio poeta e pelos musicistas Lanna Bastos. Jader Guilhon e Adriana Azulay.

Premiado por vários de seus livros traduzidos e publicados na França, Alemanha, Itália, Portugal, Japão e China, sugerido recentemente pelo Consulado da República Tcheca na Amazônia para tradução de suas obras naquela Nação.

Através da Lei n. 1.124, de 02 de setembro de 2025, sancionada pelo Governador do Estado, Helder Barbalho, restou declarada como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Pará, nos termos do artigo 286, da Constituição do Estado do Pará, a obra do Poeta João de Jesus Paes Loureiro.

Sua vasta produção cultural abrange literatura, teatro, cinema, música e cultura popular. Paes Loureiro é o maior intérprete da cultura poética e estética amazônica.

Assim semeou sua tarefa, como quem “semeia o solo”, no “chão do poema”, assim revelou seu mundo ao nosso mundo, enfrentando a correnteza de outros rios que desafiou, em outras canoas que resolveu navegar, outras florestas que se permitiu adentrar, aparições e mitos que ousou desafiar.

Prossegue o poeta:

“Assim, quando vem o sol

O homem já amanheceu

No eterno pescar palavras

No rio verbal que escolheu.”

  1. PRODUÇÃO LITERÁRIA.

Aporta nesta Casa com uma infinidade de obras impecáveis, traduzidas em vários idiomas. Aporta dizendo à toda humanidade que representamos uma cultura infinita, ocupando admirado espaço na sobrevivência do planeta e dos seres vivos. Aporta revelando que a Amazônia é mais rica do que imaginamos.

Esta Amazônia devastada pelos interesses coletivos e individuais, maior bioma do Planeta, aquela que devolve oxigênio à atmosfera terrestre, a que apresenta a maior reserva de água doce do mundo e ainda pode deter a 6ª extinção da espécie.

Através da poesia de João, a Amazônia se revela livre das algemas, fora das grades que o aprisionaram tentando abafar a voz com a qual nossos ancestrais iniciaram nossa existência racional.

João ocupará a Cadeira número 09 deste Silogeu, patronímica de José Coelho da Gama e Abreu, o Barão do Marajó, que também pertencia à Academia de Ciências de Lisboa e fundou o Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará.

Seu último ocupante foi o saudoso professor Edson Franco, fundador do Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará, atualmente Universidade da Amazônia, cuja reitora é a nossa confreira Bethânia Fidalgo Arroyo.

Foi assim que João chegou, exatamente como quem começa uma trilha sobre galhos secos, folhas caídas, gravetos e brotos, em direção ao rio, florescendo nessa densa selva linguística poética que integra o cenário mágico ficcional humano.

O poeta nos diz:

“É certo que no seu leme

Há rumos nunca traçados

Mapas de limo. Destinos

E verbos não inventados.”

  1. A DESPEDIDA.

Vou detendo a canoa por aqui que insiste em navegar quando o leito do rio já virou mar.

Entra o poeta com sua densa floresta de palavras aqui neste recinto, envolto em aningas, cipós, mururés e planctos do perau onde repousa a serpente do canal. Adentramos, igualmente, em sua selva poética como assim me permiti imaginar:

Fecho os olhos e imagino esta cerimônia com Icamiabas pintadas, estando Poromina-Minare, de prontidão, nas escadas de mármore deste Silogeu. Mapinguari montando vigilância na entrada e Curupira feliz por ter ensinado, certinho, os caminhos para se chegar.

Chegou em comitiva, formada por botos, boi-tingas, Macunaíma, Iara, Jaci, boiunas, mitos grego-amazônicos, enviados pelos deuses Zeus e Tupã.

O poeta continua:

“A vela leva a canoa

A canoa leva a vela

É como ave que voa

Nas penas que voam nela.”

Imagino entidades circundando o prédio protegendo sua chegada.

O poeta finaliza:

“Palavras sonhando seres

Na busca do que seria.

Canoa e homem tornaram-se

Mais que palavra – poesia.”

Pressinto os passos da pajelança e as benções sobre o poeta por nossas entidades religiosas, São Benedito de Bragança, São Sebastião de Cachoeira do Arari, Nossa querida Nazinha de Nazaré de Belém do Grão Pará, e o hálito quente da nossa imensa floresta tropical.

Ouço os cantos do Uirapuru, do Araponga e do Cricrió anunciando sua chegada. Ouço o batuque dos povos originários, o clamor dos ribeirinhos, os ritmos eloquentes da região, o çairé, o retumbão, o siriá, o carimbó, as guitarradas, e farejo o aroma das infusões do fava-tonka, puxuri, priprioca e patchouli espalhados no recinto.

Pressinto, neste instante, a entrada de um ser misterioso que habita nossa floresta, às vezes pássaro, às vezes mulher idosa, que em nossas portas bate pedindo tabaco.

(Neste instante soa o apito da Matinta Pereira no salão ao lado, mas ninguém a vê ainda)

Matinta Pereira, sorrateira, que veio conferir a nossa homenagem.

(Matinta Pereira sai do salão ao lado, entra calmamente, batendo seu cajado no chão e apitando)

Matinta atravessa o recinto em direção a floresta, certa de que o poeta foi bem recebido… certa de que nossos mitos serão sempre lembrados. Certa de que João nunca será esquecido.

“A Matinta e o Poeta – Ernane Malato

Matinta segue a tua trilha

Atravessando o salão

Em direção à floresta

Terra de aluvião

Onde a poesia germina

Com grande transformação.

Matinta estava escondida

Zelando pelo João

Olhou o que acontecia

Neste imenso salão…

Homenagem à poesia

De um grande cidadão.

Se ausenta daqui satisfeita

Partindo com emoção

Pede licença e caminha

Se despede de João

Cumprimenta os presentes

nesta instituição.

Poeta é quem sente a terra

E o mar da arrebentação

Poesia é filha da vida

e vida é inspiração…

Matinta disse ao poeta:

A Amazônia tem salvação!”

Ernane Malato
Ernane Malato é escritor, poeta e jurista, especialista em Direito Constitucional pela UFPA, mestre em Filosofia do Direito, área de Direitos Humanos pela PUC/SP, professor e pesquisador da Amazônia em diversas áreas sociais e científicas no Brasil e no Exterior, membro das Academias Paraenses de Letras; Letras Jurídicas; de Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará. Exerceu funções de magistrado estadual e atualmente atua como cônsul honorário da República Tcheca na Amazônia.

“O princípio impõe nomes” (Sócrates)

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