Publicado em: 7 de dezembro de 2025
Ao contrário do que tentam afirmar sobre passividade feminina, sempre na história houve resistências de luta de mulheres contra violências e opressões. Na cultura ocidental, de caráter judaico-cristão, que tem o patriarcado como base, os movimentos feministas foram fundamentais para garantia de direitos. Direito ao voto, propriedade, ao trabalho, a luta pelo próprio corpo e contra objetificação, pela igualdade salarial, pelo reconhecimento do trabalho do cuidado, por políticas públicas, desde a saúde feminina ao combate as violências.
No Brasil, o movimento feminista participou da construção da Constituição Federal, nossa lei maior, que inclui a mulher como cidadã. Pada quem não sabe, as manifestações, são previstas e garantidas na nossa própria Constituição e elas são fundamentais para democracia, garantindo o direito da expressão e liberdade, permitindo a sociedade civil organizada protestar violações e reivindicar direitos.
Nesse sábado (6), como parte da reivindicação nacional, ocorreu o ato pela vida das mulheres aqui em Belém, com a presença de mais cem representações de movimentos sociais. O motivo é de conhecimento geral, o número alarmante e crescente de tentativas e de feminicídios ocorridos nos últimos dias. Casos brutais que chocaram a sociedade e que infelizmente não acabam de se anunciar, crescendo a cada dia. Somente no dia da manifestação, três novos casos foram divulgados em mídia nacional: um soldado em um quartel em Brasília, dois em São Paulo, sendo um pelo ex companheiro e outro, aparentemente um estupro por desconhecido, seguido de assassinato.
O fato é que a cada dez minutos uma mulher sofre feminicídio no mundo. São Paulo bateu recorde de 53 ocorrências, com 207 feminicídios. No Pará, houve aumento de 19% de caso, com 56 registros de janeiro a novembro, conforme informa a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup). Há três dias, a cantora Ruthetty foi encontrada morta em Belém.
O feminicídio é o estopim da violência contra as mulheres e a prova que políticas de segurança estão falhando para nós.
Sendo um crime que escancara o poder masculino sobre domínio do corpo e vida das mulheres, o homem agressor se coloca no lugar de escolher se aquele corpo tem direito a viver e até quando, ceifando experiências, sonhos, projetos, e instituindo punição por não obedecer ordens – objetificando esse corpo, como propriedade, de maneira máxima. E se os números de feminicídio são alarmantes, imaginem o de violências domésticas.
Essa presença alarmante, por exemplo, foi constatada por mim, já na ida ao ato. Ao pedir um Uber, vibrei ao perceber que era uma mulher. Ao entrar no carro, comentei o quanto havia ficado satisfeita e logo ouvi que, infelizmente, há muitas resistências contra ubers mulheres, além dos riscos. No meio da conversa, ela comentou que esse ano perdeu uma amiga para feminicídio, realizado por um ex marido, e que ela própria havia sofrido violência psicológica, não conseguindo mais se relacionar com homens há três anos.
É esse cenário que levou o Brasil inteiro se organizar para protestar pela vida das mulheres, exigindo medidas governamentais de combate. Em Belém, a escolha do sábado, distinta dos demais estados que se reunirão no domingo, se deu pelo bom senso e empatia feminina diante das mulheres mães e dos/as adolescentes diante do exame do ENEM que ocorrerá em nossa região.
Como todo ato organizado por mulheres, o evento foi composto por gritos de ordem, falas, mas também poesia e a presença de crianças. Um evento pacifista, visando não apenas denunciar e cobrar medidas de proteção, mas dialogar com a comunidade, especialmente com mulheres como forma de prevenção e promoção de saúde.
Embora a motivação da reunião coletiva de mulheres seja a dor, impunidade e necessidade, a reunião coletiva de mulheres também é um espaço de apoio, de congregação, de encontros, parcerias e fortalecimento. Havia mulheres ali de vários partidos políticos, de diferentes movimentos sociais e de distintas idades, raça e classe social. Eu tive o prazer de encontrar amigas, alunas queridas, representantes políticas que acredito em suas pautas e outros rostos conhecidos de luta. Vi mulheres que sofrem violências, vi mulheres se emocionando pelas injustiças ouvidas e até pela saudade de companheiras, já falecidas. E é sempre bonito ver a força das mulheres quando se unem.
Contudo, também foi possível ver a presença da violência masculina. Apesar da ignorância política que somos levados/as a ter, em que alguns ainda enxergam manifestações como baderna e não entendem seu sentido, a ameaça de violência contra nós também se fez presente. E o motivo é o mesmo: misoginia. Tentar desautorizar o movimento, deslegitimar e minimizar a luta coletiva.
Isso nos convoca a ler o cenário social e perceber tais gestos como “sintoma”, que revela e desnuda aspectos da estrutura social.
Ja se sabe que homens não costumam se sensibilizar com a pauta de mulheres. Diante das notícias assombrosas dos crimes, quase não se viu curtidas, compartilhamentos, organizações de protesto ou de combate entre homens. Ainda assim, tivemos um pequeno número de camaradas caminhando conosco. Por outro lado, a presença masculina se fez presente de outra forma: em vários momentos, muitos homens (geralmente em veículos, como carros e, especialmente, motos) querendo furar a passeata ou invadir o movimento. Mesmo em casos que havia rua de desvio, alguns se sentiam autorizados a esbravejar, ameaçar e atrapalhar a organização política.
Já estávamos sem o apoio comum à manifestações, oferecidos pela prefeitura e estado (o que também diz muito dessa gestão), logo já estávamos vulneráveis, e tivemos que mostrar força em um cordão humano que barrasse a falta de limites machistas. (Percebem como a união feminina é fator de proteção?)
Enquanto alguns homens tentaram atropelar e furar à força a manifestação, outro não entendia o porquê toda uma manifestação não abria espaço para ele – alecrim dourado – passar. Sendo estas cenas a representação “em ato” do patriarcado.
Analisem comigo a profundidade das cenas: a dificuldade em abrir espaço às mulheres, em solidarizar com a causa, em entender sua insignificância diante de um movimento maior e mais, em renegociar uma rota (logo, em ouvir “não”).
Não acho que essas cenas devam ganhar mais holofote que a beleza que foi ver a potência da união política feminina, mas também acredito ser importante destacar como a violência dos homens está em todo lugar , mesmo em situações que bizarramente parecem ser impossíveis de acontecer.
Somos ameaças em casa dormindo, andando na rua, sozinhas ou juntas. E a nossa manifestação foi justamente para denunciar e pedir por nossa segurança, por respeito as nossas vidas. Pelo direito de existir.
Foi bonito ver as trabalhadoras do ver-o-peso e do comércio ouvindo nossos gritos, reflexões, protestos e apelos. Foi bonito ver crianças olhando pela primeira vez uma manifestação, atentas. Foi bonito ver crianças meninos andando conosco.
Foi bonito ver que não estamos sós, mas é preciso também dizer que precisamos ser mais. Esse movimento precisa crescer e precisa de cada uma de nós e de cada um de vocês.
Mulheres sabem que precisam lutar, aprendemos isso com as que vieram antes de nós.
Nosso movimento não irá acabar.


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