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Na Floresta Nacional do Tapajós, um projeto desenvolvido pelo WWF-Brasil, em parceria com a Sociedade para Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente (Sapopema), introduziu o uso dos pingers, pequenos dispositivos acústicos instalados nas redes de pesca que emitem sons de alta frequência, imperceptíveis ao ouvido humano, mas capazes de afastar os golfinhos de rio sem causar qualquer tipo de dano.

A experiência, implementada entre 2023 e 2024 na comunidade de Prainha I, localizada na margem direita do rio Tapajós, reuniu 34 famílias que têm na pesca artesanal a principal fonte de renda. Os resultados mostraram uma redução de 40% nos danos às redes e um aumento de até três vezes na quantidade de peixes capturados, sem que tenha sido registrado qualquer caso de emalhe ou morte acidental de botos. O projeto, ainda, alterou a percepção local sobre esses animais, tradicionalmente vistos como competidores e, agora, muitos pescadores passaram a reconhecê-los como parte essencial do equilíbrio dos ecossistemas aquáticos.

O projeto foi baseado na metodologia internacional C2C (Conflict to Coexistence), reconhecida pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que propõe transformar conflitos entre humanos e fauna silvestre em oportunidades de coexistência harmônica. Segundo Mariana Frias, analista de conservação do WWF-Brasil, a presença dos botos é um importante indicativo da saúde dos rios. “O declínio dessas populações revela o impacto direto da degradação ambiental, do garimpo e da pesca predatória. Nosso trabalho, com as comunidades na Amazônia e no Cerrado, mostra que é possível mudar esse quadro. Quando pescadores e pesquisadores atuam juntos, adotando práticas de coexistência e tecnologias como os pingers, todos ganham: o boto, o peixe e o pescador. A coexistência é o caminho para a conservação e para a segurança alimentar das populações que vivem do rio”, afirma.

A transformação social decorrente do projeto também é ressaltada por Neriane da Hora, representante da Sapopema: “essa experiência contribuiu para mudar a forma como a comunidade enxerga os botos. Hoje, há uma compreensão maior sobre o papel desses animais no equilíbrio do rio e na manutenção das espécies. Essa mudança de percepção é essencial para fortalecer a convivência entre as pessoas e a natureza e ampliar horizontes para a continuidade da pesca de maneira sustentável”.

O Brasil abriga três espécies de golfinhos fluviais: o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis), o tucuxi (Sotalia fluviatilis) e o boto-do-Araguaia (Inia araguaiaensis), este último descrito apenas em 2014 e classificado como Vulnerável (VU) à extinção. A combinação de desmatamento, contaminação das águas, garimpo ilegal, mudanças climáticas e capturas acidentais tem levado essas populações a um declínio acelerado.

No Cerrado, a Rede pela Conservação do Boto-do-Araguaia (REBOTO) reúne governos estaduais, universidades e organizações locais e tem realizado diagnósticos participativos e oficinas baseadas na metodologia C2C em comunidades do Médio Araguaia (Goiás) e no rio Paranã. Entre os principais resultados estão o fortalecimento do manejo sustentável, a valorização do conhecimento tradicional e o incentivo a novas formas de renda, como o turismo de base comunitária voltado à observação responsável dos botos.

A partir das experiências acumuladas nesses territórios, nasceu a cartilha “Coexistência com Botos”, lançada recentemente pelo WWF-Brasil. O material reúne orientações sobre o uso dos pingers, manejo sustentável das redes, respeito ao ciclo reprodutivo dos peixes e preservação das matas ciliares, contribuindo com práticas que garantem o equilíbrio ecológico e o sustento das famílias ribeirinhas. A publicação também destaca a importância de manter os rios livres e conectados, condição indispensável para a circulação de peixes e golfinhos, e traz recomendações para o resgate de animais enredados.

A cartilha, elaborada com a colaboração da Sapopema, da Floresta Nacional do Tapajós (FLONA Tapajós), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Comunidade Prainha I e do Instituto Aqualie, expõe o aprendizado de campo e atende ao compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente os que tratam da erradicação da pobreza, da fome zero, da saúde e bem-estar e da vida na água.

Foto em destaque: Fundación Omacha / WWF-Brasil

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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