Publicado em: 19 de outubro de 2025
Afinal, o que somos? Qual o sentido da nossa existência? A morte, especialmente o suicídio, por ser um tema denso, grave e complexo, por certo, é um dos mais refratários ao discurso coletivo, pois convoca-nos a pensar sobre uma realidade que a sociedade prefere não jogar luz: existem muitas pessoas que não suportam mais viver.
A decisão de morrer envolve angústia e o desejo de se libertar de um extremo sofrimento. O ato é contra ela própria, mas em cada vida que se vai há um grito endereçado a todos. O que esse corpo emudecido para sempre tentou dizer jamais saberemos, ainda que deixe uma carta ou bilhete, será apenas uma ínfima parte das dores, dúvidas, anseios e medos que lhe açoitavam a mente. O certo é que o ato passa a ser uma linguagem, um grito silencioso.
Aqui, caro leitor, darei um salto para um pouco mais de 100 anos atrás. Era 1913 quando na Argélia, país localizado ao noroeste da África, nasceu Albert Camus, o qual mais tarde se tornaria um grande filósofo e escritor, além de dramaturgo e jornalista. Recordemos que a Argélia possui uma extensa área recoberta pelo deserto do Saara e que foi colônia francesa até 1962, após anos de guerra por sua independência. Somado a esses fatos, a vida de Camus também foi atravessada pela morte de seu pai na batalha de Marne; por uma infância miserável em Argel; pelo acometimento da tuberculose ainda muito jovem e pelo horror da Segunda Guerra Mundial. Portanto, nosso filósofo experimentou um contexto marcado por conflitos e muita pobreza, fatores que se refletem em suas obras, notadamente, na busca por um sentido para a vida e na luta contra o totalitarismo de modo geral, inclusive rompendo com seus amigos defensores de ditaduras e convocou-nos ao dizer: “no dia que o crime se ornamenta com os despojos da inocência, por uma curiosa deformação que é própria do nosso tempo, é a inocência que se vê intimada a apresentar suas justificativas”.
Albert Camus era forte indagador dos enigmas da existência; entretanto, ele não sofria de crise existencial, muito pelo contrário, era demasiado lúcido e “padecia” apenas da enorme vontade de viver. Assim, com extraordinária lucidez sobre sua condição contextualizou-se na frase: “fui posto a meio caminho entre a miséria e o sol” e, confrontando toda a incoerência do que é a falta de sentido da vida, criou a filosofia do absurdo. Porém, de fato, o que vemos não é absurdo, mas sim uma inenarrável sensibilidade desenhada em palavras.
Essa perspectiva ganhou a adesão de outros renomados filósofos e abriu um diálogo entre a filosofia e a psicologia, trazendo ao centro elocubrações que giram em torno do desespero, da angústia e da morte. A metáfora central da obra é o mito de Sísifo, personagem da mitologia grega. Camus simboliza a imagem de Sísifo empurrando a enorme pedra montanha acima como alguém desprovido de qualquer esperança de alcançar o topo e o momento em que ao aproximar-se do cume a pedra rola montanha abaixo é representado por Camus com um Sísifo que ao invés de cair na desesperança por nunca alcançar o topo, consciente do seu destino, enche-se de vida.
A filosofia do absurdo surge quando o sujeito percebe que a busca por sentido é uma busca inútil. Reconhece estar diante do absurdo e da impossibilidade de resolvê-lo. Depara-se com a realidade de não haver uma razão pré-estabelecida para a vida e com a certeza de que ainda que busque incansavelmente nunca encontrará respostas.
A percepção de que o absurdo não está no homem e nem na natureza, mas no embate, no confronto, nesse querer que um mais um sejam dois quando o mundo pode te entregar qualquer soma. Camus propõe resistir à necessidade de ordenamento, de compreensão e de criar perspectivas, pois é aí que mora o absurdo. Assim, apesar do absurdo, da total incoerência que é a vida, ele propõe uma revolta: abraçar o absurdo com lucidez e, então, viver com paixão, liberdade, plenitude e, como Sísifo, continuar empurrando a pedra montanha acima mesmo consciente da inutilidade de seu esforço, encontrando sentido em sua revolta, traduzida em persistência.
A consciência de que a vida é desprovida de qualquer significado e que nada vai mudar esse cenário não induz o filósofo à ideia do suicídio; pelo contrário, rejeita-a por ser um absurdo tentar resolver o absurdo, aquilo que é inextinguível. Portanto, ao nos depararmos com o que não tem solução, resta-nos aceitar a condição humana e sua finitude, recusando todas as ilusões que tentam negar essa realidade. Diante disso, eu te proponho: recuse-se a fugir, recuse-se a se conformar e aceite o protesto que é viver!
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