Publicado em: 19 de outubro de 2025
As universidades públicas no Brasil são as bases do desenvolvimento e da equidade social, oferecendo educação superior gratuita e de alta qualidade a cerca de 1,2 milhão de estudantes (25% das matrículas totais, per Censo Inep 2023).O ensino publico superior não é obrigatório, pela nossa constituição, mas é o principal vetor de inclusão social, ao elevar a taxa de acesso de 14% (2000) para 24% (2024), entre jovens de baixa renda, especialmente em regiões periféricas como Norte e Nordeste.
As universidades públicas geram 70% da pesquisa científica do país (CAPES, 2024), com inovações em vacinas (como a Butantan contra COVID-19), agronegócio (Embrapa-UFPR) e energias renováveis (USP), contribuindo com R$ 120 bilhões anuais ao PIB nacional, por meio de patentes e startups. Além disso, elas formam 80% dos médicos, engenheiros e professores, reduzindo desigualdades regionais e sustentando a rede do SUS, o agronegócio e a soberania tecnológica. Sem as universidades públicas, o Brasil perderia em competitividade global em um mundo, agora, impulsionado por IA e biotecnologia (OCDE, 2024).
Na semana passada, falávamos sobre a invasão da IA generativa no direito: uma consequência da atual revolução tecnológica da inteligência artificial. Pesquisando sobre o assunto, investiguei um pouco sobre as projeções atuais para o futuro do ensino superior, sob o impacto dessa revolução, pela importância que as universidades públicas têm na democratização do ensino e na distribuição da justiça social e da equidade. O futuro é imprevisível, portanto, o cenário que projetaremos é hipotético, com interferência do impacto da revolução da IA (que estamos vivendo exatamente agora) no ensino superior. Contextualizaremos um cenário para o ensino nas universidades públicas brasileiras na segunda metade do século XXI.
Guiados pelo conceito de bússola da aprendizagem, da OCDE, e pelas palavras-chave: agência estudantil, bem-estar e competências do aluno (incluindo conhecimento, habilidades, atitudes e valores), podemos conjecturar que, na medida em que 2050 se aproximar, as universidades públicas brasileiras irão se preparar para uma reconfiguração, impulsionada por avanços tecnológicos e por uma inevitável reestruturação metodológica do ensino superior, sob demanda das profissões e sob impacto da IA.
Projetar esse cenário significa contextualizar as inovações que provavelmente moldarão as salas de aula e os desafios sociais, econômicos, políticos e éticos que seguirão essa transição, com especial atenção às desigualdades regionais do imenso Brasil, que impõem também desigualdades orçamentárias. Com base nas tendências atuais de inteligência artificial (IA), realidade virtual (RV) e políticas educacionais, o futuro da educação ocorrerá em um campo de possibilidades e de tensões.
Podemos desenhar o cenário de uma sala de aula em 2060 como um ambiente imersivo, cujas paredes cobertas por telas holográficas projetarão modelos tridimensionais de moléculas ou simulações de ecossistemas, enquanto mesas interativas permitirão que alunos manipulem dados em tempo real. Essa imersão será facilitada por dispositivos de RV e IA, como assistentes virtuais que adaptarão o conteúdo ao perfil cognitivo de cada estudante.
A universidade pública, historicamente limitada por recursos, poderá superar barreiras geográficas utilizando o recurso de plataformas digitais gratuitas, conectando os campi remotos em um ecossistema educacional unificado. Essa expansão, no entanto, dependerá de recursos e de infraestrutura robusta, com acesso à internet de alta velocidade e a equipamentos arrojados: um problema no Brasil de grandes desigualdades, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a conectividade é e provavelmente será escassa.
A base de dados do IBGE nos informa que, hoje, apenas 79% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet, com uma queda significativa em áreas rurais (47%) e no Norte (67%). Projeções indicam que, sem investimentos estruturais, essa cobertura pode atingir 90% até 2060, mas regiões como o Amazonas e o Maranhão poderão continuar abaixo de 70%. Está projeção deverá impactar o cenário do ensino também.
Provavelmente o professor de 2060 não será mais a vetor exclusivo do conhecimento em sala de aula, mas um mentor de inteligência humana, que utilizará a IA para personalizar o aprendizado. Ferramentas de IA já apontam, hoje, para esse futuro, oferecendo recursos metodológicos em tempo real e sugestões pedagógicas de conteúdos e métodos. A metodologia mudará para um modelo de ensino centrado no aluno, com ênfase em aprendizagem ativa: projetos colaborativos, resolução de problemas complexos e estágios práticos em parceria com setores público e privado. Currículos interdisciplinares, que integrem tecnologia, sustentabilidade e ciências humanas, prepararão os estudantes para um mercado de trabalho centrado na pessoa humana, dinâmico e interligado. Essa transição exigirá capacitação contínua dos docentes: um desafio agravado pela falta de recursos orçamentários.
A base de dados do ANDIFES informa que apenas 35% dos professores de universidades públicas receberam formação em tecnologias digitais nos últimos cinco anos (ANDIFES, 2024). Para 2060, estima-se que 80% dos docentes precisarão de capacitação anual em IA e RV, um desafio logístico e financeiro. Na região Nordeste, apenas 20% dos professores têm acesso a cursos de atualização, contra 60% no Sudeste (2024): uma disparidade que pode se manter ou crescer sem intervenção.
Em 2024, o orçamento federal para educação superior pública foi de aproximadamente R$ 50 bilhões, com cortes que reduziram 15% dos recursos destinados a infraestrutura (MEC, 2024). Para 2060, as estimativas sugerem que o custo anual de modernização (RV, IA e conectividade) pode ultrapassar R$ 100 bilhões, exigindo um aumento de 200% no orçamento atual. Um desafio que vale a pena, considerando o retorno do custo social desse investimento público.
A perspectiva de democratização do acesso será o viável para universidades públicas em 2060, embora o cenário seja desafiador. Com plataformas digitais, estudantes de áreas rurais ou periféricas, como o Amazonas ou o semiárido nordestino, poderão acessar cursos diversos, sem precisar migrar de suas comunidades.
Avaliações de conteúdos baseadas em IA, com feedback instantâneo, poderão substituir a aplicação de testes tradicionais, permitindo um acompanhamento mais detalhado do progresso individual dos discentes. No entanto, a desigualdade e a exclusão digitais permanecerão um obstáculo. Regiões onde a conectividade é limitada, conforme demonstrado acima, ou onde os alunos não possuirão dispositivos adequados, poderão ficar à margem, perpetuando desigualdades regionais. Além disso, o orçamento escasso das universidades públicas – que em 2025 já sofre cortes – pode inviabilizar a modernização, perpetuando o abismo que já existe entre instituições do Sudeste, com maior capacidade financeira, e as do Norte e Nordeste.
Segundo a UNESCO, há uma perspectiva de que, a partir de 2050, as provas universitárias serão avaliações neurais imersivas e colaborativas em escala global, totalmente integradas à carreira em formação: até interfaces cérebro-máquina poderão registrar o desempenho em tempo real durante a execução de projetos reais, por ex.: um aluno de medicina opera pacientes virtuais em hospitais reais via holograma, enquanto um de Engenharia resolve crises climáticas em simulações quânticas colaborativas com equipes de 50 países.
Focadas 100% em habilidades avançadas (liderança ética, IA-human hybrid) as universidades gerarão diplomas dinâmicos, atualizados. Desafios como “fadiga neural” poderão ser eliminados por IA-regenerativas, reduzindo estresse e transformando as universidades em ecossistemas sem provas tradicionais, onde o teste final será impactar o mundo (OECD/UNESCO 2050). Pesquisar mais em: https://www.oecd.org/en/about/projects/future-of-education-and-skills-2030.html.
Considerando as desigualdades regionais no ensino, atualmente, a região Sudeste concentra 48% das matrículas em universidades públicas (INEP, 2023), enquanto o Norte e o Nordeste somam apenas 18% e 25%, respectivamente, refletindo disparidades de oferta. Em 2060, sem políticas de redistribuição, essa diferença pode se ampliar, com o Sudeste alcançando 55% e o Norte caindo para 15%. Em 2022, a taxa de evasão em universidades públicas do Norte foi de 22%, contra 12% no Sudeste (INEP). A falta de suporte tecnológico pode elevar essa taxa para 30% em regiões menos desenvolvidas até 2060.
As disparidades regionais são um reflexo das desigualdades orçamentárias no sistema educacional brasileiro. Universidades em São Paulo e Rio de Janeiro, beneficiadas por maior arrecadação estadual e parcerias privadas, tendem a liderar a adoção de tecnologias como RV e IA. Já instituições no Pará ou no Maranhão, dependentes de verbas federais muitas vezes contingenciadas, lutam para manter infraestrutura básica, com menos recursos para investir em inovação. Em 2025, o orçamento da educação superior pública já reflete essa crise, com cortes que afetam laboratórios e bibliotecas. Em 2060, sem uma redistribuição equitativa de recursos, o risco é a criação de um sistema de “duas velocidades”, onde o acesso à educação de qualidade dependerá da região de origem do estudante.
A modernização também exigirá capacitação por treinamento de professores, mas a falta de fundos limitará programas de capacitação, especialmente em áreas remotas. Enquanto algumas universidades poderão contratar especialistas em IA, outras mal conseguirão garantir tecnologia adequada. Essa disparidade orçamentária pode agravar a evasão escolar em regiões pobres, onde os alunos, sem suporte tecnológico adequado, desistirão diante de barreiras digitais.
Pesquisando no INEP, MEC e relatório da OCDE, identifiquei que o gasto médio por aluno em universidades públicas, em 2024, foi de R$ 18.000 anuais, com variação de R$ 25.000 no Sudeste e R$ 12.000 no Norte (MEC, 2024). Para sustentar tecnologias como IA e RV, esse valor pode precisar subir para R$ 30.000, um aumento de 66%, inviável sem reestruturação orçamentária. Entre 2015 e 2025, o orçamento da educação superior pública sofreu cortes acumulados de 30% (MEC), impactando laboratórios e capacitação. Sem reversão, a tendência é que, em 2060, apenas 40% das universidades públicas tenham condições de adotar inovações.
A automação do ensino levanta questões éticas profundas. A dependência da IA pode enfraquecer a interação humana, essencial para o desenvolvimento socioemocional dos estudantes, um impacto potencialmente maior em comunidades carentes de suporte social. A privacidade dos dados coletados pela tecnologia, como padrões de aprendizado e desempenho, será um ponto crítico, exigindo regulamentações rigorosas. Socialmente, a pressão por resultados, em um sistema hiperconectado, poderá elevar o estresse, especialmente entre alunos de regiões menos desenvolvidas, demandando suporte psicológico diretamente integrado aos currículos.
Estudos da UNESCO (2023) sugerem que 70% das universidades globais adotarão RV e IA até 2060, mas no Brasil esse índice pode ficar em 50%, em virtude das limitações orçamentárias, com o Norte e Nordeste alcançando apenas 30%. Se os investimentos atuais em conectividade dobrarem até 2030, 85% dos estudantes poderão ter acesso a plataformas digitais em 2060. Do contrário, a cobertura pode estagnar em 60%.
Para que esse futuro se concretize, o Brasil precisará de investimentos maciços em infraestrutura e formação docente, além de políticas que garantam equidade. Universidades públicas, como a USP e a UFRJ, já testam protótipos de salas inteligentes, mas o sucesso depende de uma alocação justa de recursos. Uma proposta orçamentária seria criar um fundo nacional para educação tecnológica, priorizando regiões menos favorecidas. A colaboração entre governo, iniciativa privada e academia será essencial para financiar essa transição. Em 2060, o ensino superior público pode se tornar um modelo global de inovação inclusiva – ou, sem planejamento, um reflexo das desigualdades regionais e orçamentárias atuais ampliadas pela tecnologia.
Esses dados, embora baseados em projeções a partir de um cenário futuro, destacam desde então a urgência da promoção de políticas que considerem as desigualdades regionais e a escassez orçamentária. A implementação de um fundo nacional, semelhante ao FUNDEB, e de parcerias público-privadas, será imprescindível para alinhar o Brasil às tendências globais de educação até 2060. O relógio já marca o início dessa jornada revolucionária. Com 35 anos para avançar, o futuro dependerá de e ações urgentes , equilibrando o potencial transformador da tecnologia com os valores humanos e a justiça social, que sustentam a educação superior pública de qualidade.
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