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Natural da comunidade de Itajubá, no município parauara de Curuçá, o chef Léo Modesto construiu uma trajetória singular ao unir gastronomia, agricultura familiar e inovação social. Com graduação em culinária pelo Senac e participação em vários eventos gastronômicos nacionais e internacionais, incluindo o reality show “Mestre do Sabor”, da rede Globo, ele tem como missão resgatar a cultura alimentar da Amazônia, valorizando ingredientes regionais como puba, carimã, cipó-d’alho, farinha de piracuí, tucupi, bacuri, jambu, tucumã, entre muitos outros. Dessa proposta nasceram os produtos Sítio Mearim, fabricados artesanalmente e já reconhecidos por sua excelência: molhos de tucupi com pimenta de cheiro, farofas de cipó-d’alho, geleias de jambu e cupuaçu, tucupi concentrado e farinhas temperadas, todos oriundos de um processo que une tradição e sustentabilidade.

A trajetória de Léo vai além da cozinha. Ele se tornou um agente de transformação na sociobioeconomia do Nordeste Paraense, mobilizando comunidades rurais em torno de um conceito que sintetiza bem sua filosofia: “transformar a subsistência em sustentabilidade”. Como ele explica, “não dá para falar de sustentabilidade sem pensar na sustentabilidade financeira da comunidade. A floresta em pé é essencial, mas as famílias precisam viver dela com dignidade.”

Fundador da Maniwa, empresa que começou como cozinha e se transformou em consultoria voltada à valorização de produtos da floresta, Léo viu no empreendedorismo social uma forma de consolidar anos de experiência com comunidades tradicionais. “A Maniwa tem nove anos de atuação, entre eventos e consultorias, mas decidi transformá-la em um negócio de impacto. Não queria mais que fosse só uma atuação individual, e sim algo que representasse as pessoas com quem trabalho”, explica.

Esse propósito levou o chef a participar da Jornada Amazônia, iniciativa da Fundação CERT voltada à aceleração de projetos sustentáveis. A partir dessa experiência, a Maniwa conquistou acesso ao Parque de Bioeconomia da Amazônia, em Belém, considerado o maior da América Latina e o primeiro do mundo dedicado integralmente ao ecossistema amazônico.

Léo conta que, no início, não imaginava que conseguiria acessar um espaço como aquele. “Quando ouvi falar do parque, parecia algo distante. Mas quando apresentamos o projeto, vimos que era possível. Acho que o que chamou atenção foram os números: quantas famílias são impactadas pelo nosso trabalho, mesmo sem recurso externo. Tudo vem do esforço coletivo e da força das comunidades.” 

O chef enfatiza que seu trabalho une o conhecimento empírico tradicional ao uso de novas tecnologias. “As comunidades me ensinaram que a inovação não precisa vir de fora. Ela começa quando você transforma o que seria descartado em algo de valor”, explica. Entre os produtos desenvolvidos com esse pensamento estão o melácio de mandiocaba, o tucupi defumado e o tucupi preto, criados a partir de resíduos do processamento da mandioca.

A proposta, segundo ele, é verticalizar a sociobioeconomia, ou seja, fazer com que os produtos saiam diretamente das comunidades para o mercado, sem atravessadores. “Queremos que o produto vá da comunidade para a Maniwa e da Maniwa para o mundo. É a floresta em pé gerando renda e autonomia”, resume.

Léo destaca ainda o potencial do Parque de Bioeconomia como espaço de inovação colaborativa. “Vejo uma possibilidade gigantesca de usar aquele ambiente para testar ideias e aprimorar produtos. É um local onde a tecnologia e o saber tradicional podem caminhar juntos. É assim que deixamos de ser apenas fornecedores de matéria-prima e passamos a exportar conhecimento e valor agregado.”

Desde 2019, o chef atua diretamente com comunidades do Nordeste Paraense, como a quilombola de Pitinga, ajudando a desenvolver produtos e estratégias de valorização da produção local. “Eles já faziam um trabalho incrível, mas queriam avançar além da farinha. Percebi uma sede por inovação e decidi apoiar com o que eu tinha: conhecimento técnico e empírico. Dinheiro, não, mas saber, sim”.

Esse trabalho, segundo ele, surgiu de uma inconformidade com a forma como as políticas públicas chegam às comunidades: “muitas vezes, o apoio vem mascarado em doações, cestas básicas, trocas por voto. Isso sempre me incomodou. Eu acredito que políticas públicas devem ser construídas também pela sociedade, com participação real. Foi assim que comecei a agir: partilhando conhecimento, desenvolvendo produtos e criando oportunidades.”

Com a entrada da Maniwa no ecossistema do Parque de Bioeconomia, Léo acredita que está apenas começando uma nova fase de expansão: “finalmente conseguimos visibilidade. Acho que, entre as startups, a Maniwa talvez seja a menor em estrutura formal, mas é grande em propósito. São dez anos de trabalho, dois deles dedicados a organizar a empresa como negócio sustentável, e tudo financiado do próprio bolso, com o apoio das comunidades.”

O chef também vê o parque como um ambiente que pode inspirar novas gerações de empreendedores amazônicos. “Espero que o espaço seja acessível e que permita ampliar os projetos locais. Que o conhecimento e as tecnologias estejam ao alcance de quem vive e produz na Amazônia. É assim que a gente transforma a realidade: unindo saber ancestral, inovação e vontade de fazer diferente.”

Hoje, entre O Sítio Mearim, a Maniwa e as parcerias com comunidades agroextrativistas, Léo Modesto se tornou uma das vozes mais ativas da nova gastronomia amazônica: uma que valoriza o território, a floresta e as pessoas. Como resume o próprio chef, “a sustentabilidade verdadeira começa quando a comunidade entende que seu trabalho tem valor  e que esse valor pode transformar vidas.”

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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