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Estamos em uma bolha virtual, no metaverso da Meta — uma sala digital de espelhos que refletem avatares fragmentados, simbolizando um lago que desenha a vaidade humana na superfície. Peter Sloterdijk, o filósofo, usa seus óculos de armação fina, por onde lança um olhar penetrante. Ele reclina-se sobre uma cadeira esférica flutuante, como se desafiasse a gravidade. Mark Zuckerberg, em um avatar estático, mostrando vulnerabilidade nos olhos, gesticula lentamente, mas com precisão algorítmica. Os dois falam sobre as plataformas digitais, representando um espelho da vaidade humana, pelo qual a tecnologia amplifica o narcisismo, criando bolhas de auto-obsessão que protegem, mas também aprisionam e transformam a humanidade em um coletivo de egos mimados e obcecados por validação.

Sloterdijk diz:

Mark, aqui estamos, em seu templo digital, este palácio de espelhos onde cada usuário se encanta com o próprio reflexo. Em Esferas, eu falo sobre os humanos construírem bolhas para se proteger, desde o útero materno até as catedrais. Mas sua Meta, com feeds infinitos e avatares perfeitos, não é apenas uma esfera de conforto; é um altar à vaidade humana. A “sociedade do mimo” que descrevo é, em juízo de comparação, um exemplo disso: uma espécie de mundo onde o ego se torna uma divindade, adorado via likes e filtros. Você concorda que suas plataformas transformaram a vaidade — outrora um pecado mortal — em motor da existência?

Zuckerberg responde:

Peter, você vai direto ao ponto, não é? Olha, eu entendo o que você quer dizer com vaidade, mas prefiro chamar de expressão. Desde 2004, quando lancei o Facebook, a ideia era dar às pessoas um espaço para serem elas mesmas, para compartilhar suas histórias, suas fotos, seus momentos. O metaverso leva isso adiante: avatares personalizados, mundos onde você é quem quer ser. Não é vaidade; é liberdade. As pessoas sempre buscaram validação. Na Grécia Antiga, era a glória nos poemas épicos; hoje, nos stories bem editados. Mas eu admito: os likes podem viciar. Minha pergunta é: a tecnologia apenas reflete a vaidade humana ou a cria? Porque, honestamente, acho que ela já estava lá.

Sloterdijk insiste:

Sua observação faz uma distinção astuta, mas enganosa. Em Crítica da Razão Cínica, mostro como a modernidade camufla seus vícios como virtudes. Sua “expressão” é apenas vaidade reembalada, um narcisismo remasterizado. A tecnologia não apenas reflete; ela amplifica e domestica o narcisismo. Pense nas suas esferas digitais: cada perfil é uma microesfera, uma bolha onde o usuário se vê como protagonista, curado por algoritmos que dizem: “você é especial!”. Em No Mundo Interior do Capital, chamo isso de “cúpula de cristal”, um espaço artificial onde o ego se banha em luz própria, protegido do atrito da realidade. Mas essa proteção tem um preço: a vaidade nos infantiliza. O usuário do Instagram não é um herói homérico, mas um Narciso digital, afogando-se em sua própria imagem. Você já considerou que sua rede, ao mimar o ego, está criando uma humanidade que teme o espelho que não elogia?

Zuckerberg pondera:

Narciso digital? Essa é boa, Peter! Vamos lá: as pessoas não estão apenas se olhando; elas estão se conectando. Em 2017, reformulei a missão do Facebook para dar às pessoas o poder de construir comunidades. Durante a pandemia, grupos no Facebook organizaram ajuda mútua; no metaverso, estamos testando espaços para terapia em VR, onde pessoas vulneráveis encontram apoio sem julgamento. Sim, há vaidade: filtros de rosto, avatares perfeitos, mas isso também é um escudo. Muitos usam a tecnologia para superar inseguranças, não para inflá-las. E sobre o mimo, vejo como um equilíbrio: protegemos as pessoas do ódio e da desinformação para que possam se expressar sem medo. Você, com sua ideia de Thymos, o impulso de luta e reconhecimento, acha que a vaidade nas redes sufoca esse espírito ou o canaliza?

Sloterdijk responde:

O thymos… Bem, você toca no núcleo da questão, Mark. Em Raiva e Tempo, argumento que o thymos é a força vital do humano: o desejo de ser reconhecido, de se afirmar contra o vazio. Mas suas plataformas pervertem isso. O like não é reconhecimento; é uma migalha, uma validação instantânea que reforça a luta por um aplauso fácil. A vaidade, na sociedade do mimo, não canaliza o thymos; ao contrário, ela o domestica — como um cão treinado para buscar ossinhos digitais. Seus algoritmos são antropotécnicas: técnicas de moldar o humano, mas que, em vez de forjar guerreiros ou poetas, produzem consumidores de si mesmos, obcecados por métricas de autoestima. O metaverso? Um espelho infinito, onde o ego se fragmenta em avatares, cada um mais perfeito que o último. E o pior: essa vaidade é mercantilizada. Sua Meta lucra com cada selfie, cada story, e o narcisismo é o novo ouro. Você não acha que isso nos reduz a fantoches de nossa própria imagem?

Zuckerberg:

Bem, você me pegou na parte do lucro. O modelo de negócios das redes sociais depende da atenção, e a vaidade dos usuários é um ímã. Mas discordo que isso nos reduza. Veja o open source da nossa IA, como o Llama: estamos dando ferramentas para que as pessoas criem, não só consumam. No metaverso, criadores constroem seus mundos, não apenas avatares. É vaidade, sim, mas também é criatividade. E sobre o thymos, acho que ele está vivo nas redes: pense nos influenciadores que mobilizam milhões, ou nos movimentos sociais que explodem online. A vaidade pode ser combustível. Minha dúvida é: como distinguir a vaidade destrutiva da autoafirmação saudável? Porque, como você disse em Você Deve Mudar Sua Vida, os humanos precisam de práticas para se superar. A tecnologia pode ser uma dessas práticas?

Sloterdijk:

Sua pergunta é profunda, Mark, mas a resposta exige coragem. A vaidade destrutiva é aquela que nos tranca em bolhas de auto-obsessão, onde o outro só existe como espelho ou inimigo. A autoafirmação saudável, por outro lado, exige o risco do encontro — o que chamo de coimunidade: a esfera compartilhada onde crescemos pelo atrito, não pela adulação. Suas plataformas poderiam ser antropotécnicas, sim, mas apenas se desafiassem o mimo. Imagine um metaverso onde os avatares não fossem perfeitos, mas vulneráveis; onde o algoritmo premiasse o diálogo incômodo, não o aplauso vazio. Em Você Deve Mudar Sua Vida, falo de exercícios verticais — práticas que nos puxam para cima, contra a gravidade do ego. A vaidade, para ser superada, precisa de um espelho que não minta: o outro, a realidade, o mundo em chamas fora da sua cúpula digital. Senão, sua Meta será apenas um museu de Narcisos: eternamente mimados, eternamente frágeis.

Zuckerberg:

Museu de Narcisos… você não poupa, cara! Talvez precisemos de um “botão Sloterdijk” no metaverso: desligar os filtros, expor as rachaduras, forçar o encontro real. Estou anotando isso. Mas, sério, Peter, sua crítica me faz repensar como equilibrar expressão e autenticidade. A vaidade é humana, mas talvez possamos usar a tecnologia para direcioná-la a algo maior: comunidades, causas, criação. Obrigado por me tirar da bolha por um momento.

Sloterdijk:

Quanto a mim, Mark, agradeço pelo espelho — mesmo que distorcido. Mas cuidado: espelhos podem estilhaçar. Que suas esferas não nos aprisionem no reflexo.

Mark, sobre o Instagram: é um cenário, uma catedral de selfies, onde cada pixel é um espelho. Em Esferas, falo de bolhas que nos protegem desde o útero, mas seu Instagram é a apoteose disso — uma esfera estética onde todos posam como deuses de si mesmos. A sociedade do mimo que descrevo é isso: uma humanidade que troca a luta pela vida por um filtro Valencia e uma legenda com #VidaPerfeita. A vaidade humana, outrora um demônio sussurrante, agora são stories de 24 horas. Você criou um mundo onde o ego é o influenciador supremo. Isso é progresso ou regresso?

Zuckerberg:

Peter, amigo, agora você chegou com tudo, hein? Olha, o Instagram é sobre storytelling visual. Desde 2010, quando o Kevin Systrom lançou, a ideia era capturar momentos com beleza. Os filtros eram só um jeito de deixar a vida mais vibrante, como uma pintura. Hoje, com Stories, Reels e IGTV, é um palco para criatividade: artistas, ativistas — até filósofos como você — podem compartilhar ideias com um aesthetic que engaja. Sim, tem vaidade, sim! Quem não quer um grid perfeito? Mas isso é expressão humana, não só narcisismo. Minha missão sempre foi conectar pessoas, e o Insta faz isso: #BlackLivesMatter explodiu lá, com milhões se mobilizando. Você acha que a estética do Instagram amplifica a vaidade ou dá poder a vozes que não tinham palco antes?

Sloterdijk:

É um palco, sim, mas com um script invisível. Em Crítica da Razão Cínica, mostro como a modernidade disfarça seus vícios com vernizes nobres. Seus filtros — Amaro, Clarendon, Gingham — são cosméticos metafóricos, polindo o ego até ele brilhar como um post patrocinado. A estética do Instagram é a quintessência da sociedade do mimo: cada story é uma microesfera, uma bolha onde o usuário se torna o herói de um clipe de 15 segundos, com trilha de lo-fi e legenda motivacional. Mas essa vaidade é estéril. Em No Mundo Interior do Capital, falo da “cúpula de cristal”: um espaço artificial onde o humano se refugia, longe das fraturas da realidade. O Instagram é essa cúpula, Mark: um feed onde o outro só existe como like, comentário ou emoji de coração. Você já pensou que, ao mimar o ego com essa beleza algorítmica, está atrofiando o thymos — o fogo da luta, do reconhecimento real, que nos faz humanos?

Zuckerberg:

Thymos no feed? Gostei! Mas, sério, Peter, o Instagram não é só vaidade polida. Pense nos Reels: pessoas compartilham danças, tutoriais, até protestos — tudo com uma estética que prende atenção. Em 2020, posts com #ClimateChange tiveram bilhões de visualizações, mobilizando jovens para a ação. A estética, sim — os filtros, as cores, o #AestheticVibes — é o que faz a mensagem viral. Sem ela, seria só texto bruto, perdido no scroll. E sobre o mimo, vejo como proteção: moderamos conteúdo tóxico para criar espaços seguros. Minha pivotada para privacidade, com mensagens criptografadas e Close Friends, é para deixar as conexões mais íntimas, menos performativas. Mas, ok, me diz: como a estética do Insta poderia canalizar esse thymos sem virar só um carrossel de egos? Porque quero que a tecnologia eleve, não só espelhe.

Sloterdijk:

Elevar? Essa é a palavra-chave, Mark, mas exige romper com o espelho. A estética do Instagram é uma antropotécnica — uma técnica de moldar o humano —, mas ela molda Narcisos, não Prometeus. Cada filtro é uma carícia no ego; cada hashtag #SelfLove, #BestLife é um mantra de auto-adoração. O thymos, que exploro em Raiva e Tempo, é o desejo de ser visto, sim, mas através da luta, do confronto com o outro real — não com um algoritmo que premia poses. Sua cúpula digital é um mercado de vaidades: cada post é uma oferta, cada like é uma moeda. E o lucro? Bilhões de dólares, enquanto os usuários se tornam produtos, vendendo suas imagens perfeitas. Imagine um Instagram que subverta isso: um filtro que revele rugas, não as esconda; um story que obrigue o usuário a ouvir o outro, não só a si mesmo. Em Você Deve Mudar Sua Vida, falo de práticas verticais — exercícios que nos puxam contra a gravidade do ego. Sua estética é horizontal, mimando a vaidade em vez de desafiá-la. Que tal um Reels que ensine a falhar gloriosamente?

Zuckerberg:

“Falhar gloriosamente”? Isso daria um Reels épico! Peter, sua visão é provocadora. A estética do Insta pode ser um véu, sim, mas também uma ferramenta. Pense nos criadores independentes, nos artistas e ativistas que usam filtros e hashtags para alcançar milhões. Sem essa beleza, seriam invisíveis. Mas entendo: a vaidade pode virar armadilha. Já pensei em um modo “raw” para o Insta — sem filtros, sem edições, só a vida crua. Talvez um desafio vertical, como você diz, para quebrar a bolha do ego. Mas me diz: como equilibrar essa estética que engaja sem alimentar só o narcisismo? Porque o scroll não para — e a vaidade é o que o move.

Sloterdijk:

O scroll é o fluxo do lago de Narciso, Mark — e você é o arquiteto da correnteza. Equilibrar exige coragem para desmimar. A estética do Instagram é uma droga: viciante, brilhante, mas anestesiante. Em Espumas, falo de esferas frágeis, coisoladas, onde vivemos como ilhas de ego. Seus filtros criam ilhas belas, mas solitárias. Minha proposta: um Instagram que rompa bolhas. Um algoritmo que sugira o oposto do seu feed, que te force a ver o que incomoda. Um filtro “Antropoceno”, que mostre o custo ambiental dos seus servidores. Ou stories colaborativos, onde dois estranhos criem juntos, sem curadoria. Isso seria thymos digital — um palco para o encontro, não para o espelho.

Zuckerberg:

Filtro “Antropoceno”? Isso seria viral ou um flop total! Mas, sério, você me fez pensar. Talvez um experimento: um modo “NoFilter” que premie autenticidade, com prompts para debates reais, como você sugere. A estética do Insta é humana, mas podemos usá-la para elevar, não só mimar. Valeu, Peter — vou levar esse thymos para o próximo sprint.

Sloterdijk:

Boa sorte, amigo Mark. Seus espelhos bonitos refletem, mas também aprisionam. Que suas plataformas não sejam só um lago eterno de Narciso. Até logo!

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

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