0
 

A três meses da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), para além das negociações oficiais e das grandes obras preparatórias, as comunidades periféricas reivindicam o protagonismo na discussão. Com a COP das Baixadas, em sua terceira edição, nasceu também uma novidade que promete marcar a conferência de novembro: as Yellow Zones, espaços comunitários criados para garantir que os territórios marginalizados não fiquem de fora das decisões globais sobre o clima.

As baixadas de Belém historicamente sofrem com a falta de saneamento e a vulnerabilidade às enchentes. Nesses locais, jovens e coletivos culturais transformam ruas e casas em espaços de arte, tecnologia e memória. Foi nesse contexto que surgiu a COP das Baixadas, há três anos: uma conferência paralela que coloca a periferia no centro do debate climático.

Segundo Jean Ferreira, do coletivo Gueto Hub e um dos organizadores, em entrevista para a InfoAmazônia, o evento nasceu da necessidade de romper com a lógica das COPs oficiais, que frequentemente ignoram os impactos locais nos territórios que recebem a conferência. Ele recorda a estranheza de participar das edições no Egito, em Dubai e no Azerbaijão sem ver as questões das populações anfitriãs incluídas nos textos finais. “Na Amazônia, nós não iríamos permitir que isso acontecesse, porque temos um movimento social forte”, afirma.

A edição de 2024 da COP das Baixadas, realizada entre 22 e 24 de agosto na Vila da Barca, a maior comunidade de palafitas de Belém, reuniu crianças, artistas, pesquisadores, lideranças indígenas, agricultores e moradores para discutir como a crise climática afeta o cotidiano das comunidades.

Inspiradas na divisão oficial da ONU entre Blue Zone (negociações diplomáticas) e Green Zone (atividades culturais e da sociedade civil), as Yellow Zones foram lançadas como uma resposta periférica. Elas se espalharão por oito organizações da cidade: Barca Literária, Casa Samaúma, Gueto Hub, Mirante da TF, Seja Democracia, Pedala Mana, Chibé e Fundação Escola Bosque.

Enquanto a Green Zone exige inscrição e está distante das comunidades, as Yellow Zones levam oficinas, rodas de conversa, palestras e debates sobre o clima diretamente aos territórios, durante as duas semanas oficiais da COP30. A programação já começou e será intensificada em novembro.

A criação das Zonas Amarelas também tem caráter político, já que é uma forma de constranger países e organismos internacionais, mostrando que as comunidades conseguem mobilizar com poucos recursos o que os grandes financiamentos não alcançam. As organizações que acomodarão as Yellow Zones estarão na Blue Zone e na Green Zone também, com o propósito de falar do que está acontecendo fora e fazer com que governos e grandes corporações sintam vergonha.

A COP das Baixadas de 2024 teve grande dimensão cultural do enfrentamento às mudanças climáticas. O evento foi realizado no Curro Velho, complexo histórico da Vila da Barca que hoje abriga oficinas de arte e formação para jovens. Entre debates, houve apresentações de música, teatro, cinema e fotografia.

Se por um lado a periferia constrói alternativas, por outro enfrenta contradições. Um exemplo é a obra de saneamento do cCanal da Doca, no bairro nobre do Reduto, que passou a destinar seus dejetos para uma estação de tratamento construída na Vila da Barca, sem consulta pública aos moradores. A comunidade, que sequer dispõe de rede própria de esgoto, vêm denunciando amplamente o caso como racismo ambiental.

Embora, após pressão, o governo do Pará tenha iniciado obras para levar água e esgoto também à Vila da Barca, o sistema que recebe os resíduos da área nobre continua operando.

Os movimentos sociais também reivindicam que as baixadas sejam reconhecidas em sua singularidade. Hoje, o Censo do IBGE as classifica genericamente como “favelas e comunidades urbanas”, sem considerar sua relação com os rios e o contexto amazônico. Estudo do Ipea aponta que essas áreas, formadas desde os anos 1930, estão ligadas à busca por centralidade urbana e acessibilidade, ainda que em terrenos alagáveis e vulneráveis.

Só que a baixada não é uma favela no contexto oficial compreende, a relação territorial é singular e determinante. Essa diferença, reforçam os organizadores da COP das Baixadas, precisa ser reconhecida para que políticas públicas garantam permanência e dignidade às populações.

As Yellow Zones surgem, portanto, como espaços de resistência e pedagogia comunitáriacomo centros de luta contra a lógica centralizadora da COP oficial. Colocando os territórios periféricos no mapa do debate climático global, as Yellow Zones pretendem mostrar que as soluções para o aquecimento global não podem ignorar quem já vive diariamente suas consequências.

Foto em destaque: www.viladabarca.com.br

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

Assalto com refém no bairro de Nazaré em Belém

Anterior

Uepa abre inscrições para teste de proficiência em inglês e espanhol

Próximo

Você pode gostar

Mais de Notícias

Comentários