Publicado em: 3 de setembro de 2025
Na última sexta-feira, 29 de agosto, o governo federal publicou o Decreto nº 12.600, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, incluindo os rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização (PND). A medida abre caminho para leilões bilionários que transferirão à iniciativa privada a exploração de hidrovias consideradas estratégicas para o escoamento da produção agrícola pelo chamado Arco Norte, região que vem ganhando relevância como uma alternativa logística aos portos do Sul e Sudeste.
Segundo o governo, trata-se de um avanço na modernização da infraestrutura nacional, capaz de reduzir custos logísticos em até 40%, diminuir emissões de gases de efeito estufa e consolidar a Amazônia como hub global de exportação. Mas, para movimentos sociais, indígenas e ambientalistas, o decreto representa a entrega de um patrimônio natural e estratégico ao capital privado, sem diálogo com as populações locais.
O decreto coloca sob desestatização três hidrovias consideradas vitais para a logística nacional: o Rio Madeira, no trecho com 1.075 quilômetros de extensão entre Porto Velho e a foz no Amazonas; o Rio Tocantins, no trecho que percorre cerca de 1.731 quilômetros ligando Peixe (TO) ao porto de Belém; e o Rio Tapajós, em um trecho de 250 quilômetros que conecta Itaituba a Santarém.
Esses corredores fazem parte do Arco Norte, capaz de encurtar em até 30% a distância entre o Centro-Oeste e os mercados internacionais. De acordo com estudos da Infra S.A. e da Antaq, as concessões devem envolver investimentos superiores a R$ 100 milhões em dragagem, sinalização, terminais e gestão ambiental. O contrato inicial previsto para o Rio Madeira é de 12 anos, com possibilidade de arrecadar mais de 30 milhões de toneladas anuais de carga.
Se para a visão colonialista de Brasília o decreto é sinônimo de eficiência e desenvolvimento, para a Amazônia o projeto significa ameaça direta à vida e à soberania. A liderança indígena Alessandra Korap Munduruku, nas redes sociais, fez duras críticas à iniciativa:
“Ele não fez nenhuma consulta com os povos indígenas, nem com o ribeirinho, nem com o pescador. A gente não vai fazer que o rio seja uma mercadoria. Você tem que pensar a consequência que isso está fazendo. Porque você é um presidente, você está assinando a nossa morte, o Rio do Peixe. Essa hidrovia não é para a gente, é para a soja, para as grandes transportadoras mundiais, esses países desenvolvidos. Que desenvolvimento é esse sem a participação dos ribeirinhos, dos pescadores, dos indígenas? Que desenvolvimento é esse que vai matar a mãe dos peixes? O que é mais sagrado para nós são os rios. A COP30 está chegando, mas a gente já percebe os grandes acordos acontecendo agora com as empresas. A soja é sangue, é sangue indígena, porque os indígenas lá do sul estão morrendo e ninguém está fazendo nada. Agora está aqui na Amazônia, nos nossos rios, onde tanto mundo está de olho. Mas vocês estão pensando só no lucro, só na mercadoria. Que nós somos agora a mercadoria”.
As críticas se somam a questionamentos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre o licenciamento de obras como o derrocamento do Pedral do Lourenço, no Tocantins. O órgão aponta ausência de estudos adequados sobre impactos ambientais e falhas na consulta prévia às comunidades ribeirinhas, prevista na Convenção nº 169 da OIT e pediu a suspensão da licença para explosão de rochas no Rio Tocantins. Está agendada judicialmente a inspeção técnica no perímetro do Pedral do Lourenço nos dias 29 e 30 de setembro. O objetivo é garantir que sejam visitadas comunidades impactadas, como Vila Tauiry, Vila Saúde, Pimenteira e Praia Alta, com apoio logístico das forças de segurança. A reavaliação do pedido do DNIT para retomar as obras só ocorrerá após essa inspeção.
Os defensores do decreto destacam que cada comboio de barcaças equivale a centenas de caminhões a menos nas estradas, com reflexos positivos em custos e emissões. Já os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente alertam para o risco de transformar rios que são fonte de vida, cultura e sustento em meros corredores de grãos e minérios.
A fala de Alessandra Korap sintetiza: de um lado, a promessa de inserção competitiva do Brasil nos mercados globais; de outro, a denúncia de que o preço pode ser a morte de rios, modos de vida e culturas.
Com os primeiros leilões previstos para 2026, começando pelo Madeira, o futuro das hidrovias amazônicas se tornou símbolo de uma escolha maior: a Amazônia como território soberano de desenvolvimento sustentável ou como uma eterna colônia brasileira, agora rota privatizada de exportação de commodities.
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