Publicado em: 2 de setembro de 2025
O dia 30 de agosto de 2025 ficou marcado como uma data histórica para o Campus Universitário do Marajó-Soure, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Para quem estava presente, foi muito difícil segurar as lágrimas, e para quem assistir aos vídeos desta matéria, prevejo muitos ciscos nos olhos. Depois de 22 anos, a instituição voltou a outorgar uma turma de Letras – Língua Portuguesa, o que não acontecia desde 2003. A cerimônia foi marcada por forte emoção, relatos de superação e reconhecimento do papel da universidade nos territórios do arquipélago marajoara.
O coordenador geral do campus, Dr. Juliano Cássio da Silva Conceição, homenageado da turma, destacou a importância do momento:
“Ontem foi um dia muito especial, pois tivemos a outorga de mais uma turma do Campus Universitário do Marajó-Soure. A última turma que o Campus ofertou de Letras – Língua Portuguesa foi em 2003. Portanto, 22 anos depois, voltamos a formar profissionais na área. Cada outorga para mim é uma enorme emoção, mas outorgar a Dona Rita, a primeira quilombola de Bacabal, conhecendo todos os desafios que ela enfrentou, foi especialmente emocionante para mim”.
Segundo Juliano Cássio, a presença da UFPA no Marajó tem significado concreto para as populações locais: “Isso só reforça a importância da presença da universidade, através do Campus de Soure, nos territórios. Enxugar as lágrimas da Dona Rita foi minha forma silenciosa e afetuosa de lhe dizer: parabéns, você conseguiu, siga em frente. Através dela, eu parabenizo cada aluno e cada aluna de Letras – Língua Portuguesa, dentre os 28 que conseguiram realizar os seus sonhos e os de seus familiares ao colar grau”.
A trajetória de Rita de Cassia Santos do Nascimento, a Dona Rita, emocionou colegas, professores e familiares. Aos 49 anos, ela se tornou a primeira quilombola de Bacabal a conquistar o diploma de ensino superior.
“Tenho 49 anos, três filhos rapazes, quatro netos. Sou formada em auxiliar de enfermagem há 22 anos, trabalho no posto de saúde da minha comunidade de Bacabal há 16 anos e, para suprir a minha renda salarial e poder ajudar minha família, trabalho com vendas de doces, salgados e comidas”, contou.
Sua conquista foi considerada símbolo da importância da interiorização da universidade. Para Juliano, sua história inspira: “Sei dos desafios e dificuldades de cada um e cada uma. Parabéns! Vocês são vencedores. Aos alunos que ainda estão nesse percurso, desejo que este singelo exemplo possa encorajá-los a seguir em frente e não desistir, para que, no tempo de cada um, também consigam essa vitória”.
Outro momento de forte emoção foi protagonizado por Adiel Craveiro, de 23 anos, que não conteve as lágrimas durante a cerimônia. Nascido e criado em Soure, ele trabalha atualmente como entregador em uma churrascaria. Ao recordar sua caminhada, revelou:
“Foi um mix de lembranças e sentimentos. Para mim foi uma verdadeira luta, só eu sei o que passei. Lembrei das vezes em que quis desistir do curso, por achar que não ia dar conta, por precisar trabalhar e não conseguir emprego devido à faculdade, por estar com a mente fraca e esgotada. Lembrei dos meus amigos e familiares, que não deixaram eu desistir”.
Ele destacou a importância do apoio da rede de convivência: “Sou grato principalmente aos meus avós, Luís Paulo Figueiredo Gonçalves e Maria Lina Amador de Figueiredo, e à minha mãe, Suelem Amador de Figueiredo. Depois que minha mãe me teve, ela precisou largar os estudos para trabalhar, já que era mãe solo. Meus avós me ajudaram muito: meu avô, que tenho como figura paterna, era pescador, carpinteiro e vaqueiro, fazia de tudo para não faltar comida. Hoje sou o primeiro do meu núcleo familiar a chegar ao ensino superior”.
Adiel também relembrou a parceria com colegas: “Quando eu tinha minhas crises de ansiedade e mandava mensagem dizendo que ia trancar o curso, meu amigo Márcio me dava forças. Ele foi minha dupla na defesa de TCC. Já a Izabela sempre me mantinha informado das coisas da faculdade. Esse apoio fez toda a diferença”.
Sobre os planos futuros, o jovem é categórico: “Quero continuar estudando para passar em concursos, conseguir um bom emprego, estabilidade financeira, ou talvez uma outra graduação ou até alcançar o mestrado”.
A celebração da retomada do curso de Letras também teve outro marco simbólico no dia anterior. No dia 29 de agosto, Crislane Francisca Pinheiro Lima, formanda em Letras – Inglês, colou grau tornando-se a primeira pessoa da família e do Quilombo da Providência a conquistar um diploma de ensino superior. Sua trajetória atesta o caráter transformador da presença da universidade no Marajó.

Juliano Cássio fez questão de agradecer às professoras Selma Pena e Rose Fernandes, da UFPA em Belém, à diretora do CIAC, Juliet Jatahy, e à vice coordenadora do Campus de Soure, Leandra Pinheiro, além do diretor da Faculdade de Letras, Luís Parlandin. Também reconheceu o apoio do reitor da UFPA, Gilmar Pereira, e da vice-reitora, Loiane Prado Verbicaro, pelo incentivo ao desenvolvimento do campus.

O coordenador reforçou ainda a necessidade de expandir a presença da universidade no Marajó:
“Peço ao reitor e à vice-reitora que continuem ajudando o Campus Universitário do Marajó-Soure a avançar, especialmente com a criação de polos pelos municípios do Marajó. Que nosso primeiro passo já seja em Cachoeira do Arari. Nosso povo marajoara precisa e merece”.
A solenidade de outorga foi um daqueles momentos ímpares que marcam a comunidade e corroboram a importância da universidade pública como instrumento de transformação social. Para os 28 novos licenciados em Letras, cada diploma representa não apenas um objetivo individual alcançado, mas também uma vitória coletiva na valorização da educação no arquipélago, possibilitando que os marajoaras invistam em suas jornadas acadêmicas sem precisar sair de seus territórios em busca de ensino superior na capital.
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