Publicado em: 1 de setembro de 2025
Caríssimo acadêmico Leonam Gondim da Cruz Júnior, Vice-presidente da Academia Paraense de Letras e presidente dessa sessão solene, por meio do qual cumprimento a mesa oficial.
Senhoras e Senhores Acadêmicos, autoridades presentes, meus amigos, alunos, amigos de trabalho, meus familiares, Mara, Barbara, Laura, Helder e Luiz, e os amantes da palavra.
Nesta noite, a cidade de Belém — esta senhora de mangueiras, rios e igarapés — parece respirar um ar mais denso, impregnado de memórias e expectativas. As paredes desta casa, guardiãs centenárias da cultura paraense, parecem sussurrar nomes, histórias, versos, prosas e canções, basta olhar para os quadros fixados nas paredes desta sala. Escritores que transcreveram a identidade literária do Pará. É aqui, sob o olhar generoso de tantos imortais, que tenho a honra de sentar à mesa dos que vivem para materializar à palavra.
A Academia Paraense de Letras nasceu no ano de 1900, fruto do gesto visionário de João Marques de Carvalho, ocupante da cadeira de numero 23 deste Silogeu, hoje ocupada pela acadêmica Nelly Cecília Paiva Barreto da Rocha que, junto a outros intelectuais de brilho raro, compreendeu que uma terra grandiosa de rios infinitos, também precisa de portos seguros para as letras. Era preciso existir um espaço onde a literatura não fosse apenas prática individual, fosse também um compromisso coletivo; onde a voz de um escritor ecoasse e dialogasse com as vozes de outros, no tempo e para além dele.
Naquele dia inaugural, dia 03 de maio, esta academia se ergueu de palavras, ideais e sonhos. Os fundadores sabiam que a Amazônia, tantas vezes reduzida a um exotismo geográfico, precisava afirmar sua voz e narrar suas histórias, cultivar seus mitos e revelar, em letra viva, a grandeza e a complexidade de seu povo e do seu território.
Neste momento, trago à memória a figura de meus antecessores nesta cadeira de numero 37. Que com maestria e amor as letras amazônicas contribuíram para o desenvolvimento do pensar. Teodoro Rodrigues, fundador desta cadeira em 1900. José Sampaio De Campos Ribeiro que foi presidente deste Silogeu nos anos de 1951 a 1952 e de 1967 a 1970 e o nosso saudoso, Octavio Avertano Rocha, ultimo ocupante desta cátedra.
Ao evocarmos a memória de Teodoro Simões Rodrigues patrono desta cadeira, falamos em um nome inscrito nos anais da literatura amazônica, e de uma vida que se fez verbo, de uma existência que, embora breve, deixou marcas profundas no imaginário de nossa terra.
Nascido em Vigia, em 1874, Teodoro cresceu no silêncio das ruas antigas de sua cidade natal. Estudou primeiro em sua terra, depois em Belém, no Ateneu Paraense — onde, de aluno aplicado, viria a tornar-se mestre. Sua trajetória foi sempre guiada pela paixão do conhecimento e pela ousadia da palavra.
Com dezoito anos, lançou seu primeiro livro, “Pálidos”, e revelou ao mundo um coração que já pulsava em ritmo literário. Poucos anos depois, integrou a Associação Mina Literária, sob o pseudônimo de Íris, partilhando com outros nomes de destaque, a comissão de critica da poesia com João de Deus do Rego, Guilherme de Miranda, Eustachio de Azevedo e Acrisio Mota. Ali se moldava não apenas o escritor, mas o intelectual consciente de sua missão cultural.
Com o fim da Mina Literária, uma nova instituição se erguia: a Academia Paraense de Letras. E foi nesse espaço de eternidade que Teodoro Rodrigues inscreveu sua presença, tornando-se patrono da Cadeira 37 — a mesma que hoje honrosamente evoco e tomo posse.
Em 1901, partiu para Manaus, onde viveu por uma década. Foi secretário da Biblioteca Pública do Amazonas , jornalista, professor e estudioso da Língua Portuguesa. Na “Revista Ensino”, ombreou-se a gigantes da intelectualidade brasileira, como Cândido de Figueiredo e Coelho Neto, Flexa Ribeiro, Paulino de Brito e Acilinho de Leão, este último dá nome a biblioteca da Academia Paraense de Letras. Sua pena, assim como sua voz, foi sempre dedicada à educação, à cultura e ao engrandecimento de língua portuguesa.
A vida, tão breve diante da grandeza dos sonhos, interrompeu sua jornada. Em Belém, num quarto simples de pensão, foi colhido pela morte de forma súbita, quatro meses após regressar de Manaus. Lecionou na Escola Normal e alimentava o desejo de retornar definitivamente à sua Vigia de Nazaré.
Sua obra, contudo, permanece: “Pálidos” (1892), o “Compêndio da História do Brasil” (1896) “Canções do Norte” (1909), além de manuscritos que ainda ecoam como promessas — “Canções Rebeldes”, “Lições de História do Amazonas” e seus contos.
Teodoro Simões Rodrigues viveu pouco, mas sua chama continua ardendo. Sua palavra foi escrita E vivida: foi rebeldia e docência, sonho e disciplina, silêncio e eternidade.
Eis porque sua presença nesta Academia não é uma lembrança é o compromisso de que a literatura na Amazônia Paraense não pode ser marginalizada diante do cânone nacional. A Amazônia não é eco distante — é voz originária, é fonte que nutre a língua com novas imagens, novas cadências, novas esperanças.
Por isso, ao invocarmos o nome de Teodoro Rodrigues, o fazemos como pacto. Um pacto de continuidade. Um pacto de fidelidade às raízes. Um pacto de defesa da palavra.
Que seu legado inspire e ilumine a Academia Paraense de Letras.
Salve TEODORO RODRIGUES!
E o nosso saudoso Octávio Avertano de Macedo Barreto da Rocha, uma presença luminosa que atravessou quase um século, deixando marcas profundas no Pará, na Amazônia e no Brasil. Jurista, filósofo, jornalista, economista, teólogo, escritor, pesquisador e professor, sua vida foi uma tessitura rara, unia-se, pulsava e se expandia para além das fronteiras da academia e dos muros institucionais.
ESTE ANO — atravessou o rio da vida para o silêncio eterno. Aos 90 anos, ainda exibia a lucidez inquieta dos que não se permitem descansar na mesmice: escrevia, refletia, ensinava, compartilhava. Foi membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará na cadeira nº 39, da Academia Paraense de Ciências, e membro honorário da Academia Paraense de Jornalismo.
Sua trajetória foi marcada por honrarias, mas, uma das suas maiores conquistas, está na memória de quem conviveu, ouviu e aprendeu com ele. Doutor em Direitos Fundamentais, professor de Filosofia e Direito procurador, advogado combativo, jornalista incansável, colaborador próximo de Benedito Nunes, e voz ativa em jornais e academias — Avertano foi sempre um homem que fez do conhecimento um ato de resistência e de esperança.
Recebeu comendas, medalhas, títulos honorários, e tornou-se Doutor Honoris Causa. Cada condecoração era reflexo de algo maior: a confiança que a sociedade depositava em sua inteligência, ética e em sua palavra precisa. Na advocacia, comandou uma das maiores bancas jurídicas do país, tendo papel decisivo em projetos de enorme impacto. Sua obra escrita — em livros, artigos e reflexões — continua ecoando. Sua vida, diversificada e fecunda, nos lembra que a grandeza não se mede pela duração do tempo, mas pela intensidade dos gestos e pela capacidade de deixar sementes no coração dos outros. Hoje, cabe-nos dizer, que sua passagem inspire novas gerações a compreenderem que o saber não é vaidade, mas serviço; não é posse, mas partilha.
SALVE AVERTANO ROCHA.
Como meus antecessores, ao longo de mais de um século, esta Academia recebeu em suas cadeiras nomes que são marcos na história cultural do Pará. Neste momento é imperioso destacar o esforço e o dinamismo que marcaram esses imortais, o que indubitavelmente foram esteios na busca de visibilidade de uma arte literária produzida na Amazônia. Em meio a esse discurso, posso citar escritores e movimentos de insurreição da arte literária que contribuíram sobre maneira para esse deslocamento da margem para o epicentro Literário.
Seis anos antes da fundação da Academia Paraense de Letras, por volta de 1894 o pensamento de escritores paraenses estava voltado a combater o marasmo e desfalecimento da Literatura aqui na capital paraense. Foi na tentativa de agregar escritores desse período que Natividade Lima, patrono da cadeira numero 32, hoje ocupada pelo acadêmico Sandoval Alves da Silva, publicou em 1894 no jornal a folha diária um convite. O texto, um recorte do tipo publicado em classificados dos jornais atuais, dizia, “Solicitamos aos que se interessarem pelo desenvolvimento literário d’Amazônia, o obsequio de comparecer às 9 horas da manhã de domingo, 2 de dezembro, na casa do Sr. Eustachio de Azevedo, à Rua da Trindade, canto do Alecrim, para uma reunião que decidirá do futuro de nossa coletividade literária”. Após esse encontro surge a “Associação Mina Literária” que veio aquecer as letras depois de anos de marasmo cultural. Nomes importantes da sociedade local destacavam-se na elaboração e produção literária. Como integrantes da Mina Literária, tínhamos os Escritores como: “Domingos” Ferreira Pena, Domingos Rayol (Barão de Guajará), José da Gama Abreu (Barão de Marajó), conselheiro Tito Franco de Almeida, os Drs. Clementino José Lisboa, Geraldo Barbosa de Lima, José Joaquim de Assis, Corrêa de Freitas, José Galdino, Júlio Cesar Severiano Bezerra de Albuquerque. Por divergências locais e internas a Associação Mina Literária, após 3 anos de intensa circulação de obras fechou, a Literatura produzida aqui foi novamente fadada ao marasmo.
Outra forte iniciativa acontece por meio do escritor Estachio de Azevedo, patrono da cadeira número 12 deste Silogeu, hoje ocupada pelo acadêmico Homerval RibeiroThompson Teixeira. Estachio de Azevedo publica em 1918 “antologia Amazônica”, Livro que traz em seu conteúdo nomes de escritores que naquela virada de século, mereciam melhor atenção em suas obras.
Grupos importantes da Literatura produzida na Amazônia se formavam na tentativa de fazer circular obras e combater o academicismo exagerado e a importação de uma escrita europeia, Grupos como a Associação dos Novos em 1921, posteriormente Os vândalos do Apocalipse e a Academia do Peixe frito. É válido reverenciar um dos presidentes desta academia paraense de Letras, Bento Bruno de Menezes Costa, Bruno de Menezes, escritor, poeta, folclorista que lidera o grupo Academia do Peixe Frito. Esse grupo era composto em media por 15 jovens que se tornaram vozes dissonantes em tempo que as letras amazônicas continuavam invisíveis. Os Academia o Peixe frito era liderada por Bruno de Menezes, De Campos Ribeiro, que tenho a honra e privilegio de hoje ser empossado em sua cadeira, Paulo de Oliveira, Ernani Vieira, Muniz Barreto, Arlindo Ribeiro de Castro, Lindolfo Mesquita, Sandoval Lage, Abguar Soriano, Jaques Flores, Nunes Pereira, Edgard de Souza Franco, Farias Gama, Severino Silva, Rodrigues Pinagé, Clóvis de Gusmão, Dalcídio Jurandir, Santana Marques, Abguar Bastos e Vicente Sales, este último legitimado seu pertencimento a Academia do Peixe frito pela crônica, “A morte do bate-papo, inserida no livro, Crônicas de um poeta, de Georgenor Franco, ocupante da cadeira de número 38 que presidiu essa Academia Paraense de letras no período de 1962 a 1964 e de 1974 a 20 de Novembro de 1985. Cujo o atual ocupante é Georgenor de Sousa Franco Filho.
Aqui reverencio a presença do Acadêmico e decano Georgenor Franco Filho.
Ainda na construção do fazer literário na Amazônia é imperativo destacar a formação de um dos marcos do Modernismo Amazônico, a revista “Belém nova” que tem sua fundação em 1923. Belém Nova agregava intelectual e escritores para modernizar e protagonizar as letras paraenses. Outras revistas foram alicerces para a circulação de autores paraenses, a revista Efemeris, de 1916 lançada por um grupo de escritores paraenses sob a direção de Artur Guimarães Bastos. O grupo era formado por Lúcidio Feitas, Djard de Mendonça, Tito Franco, Alves de Souza, intelectuais que em 1900, participaram da fundação da Academia Paraense de Letras. A exemplo de outras revistas, Pará Ilustrado de Jaime Lobato; A Planície, de Osvaldo Viana; Novidade, dirigida por Otávio Mendonça, Machado Coelho, Garibaldi Brasil e Ritacínio Pereira; Terra Imatura(1938-1942), dirigida pelos irmãos Cléo Bernardo e Sylvio Braga, a revista e a revista A Semana (1918-1943), a revista de maior duração e circulação da história de Belém do Pará.
Nesse período inicial do século 20, escritores como Abguar Bastos provocam um contra discurso a hegemonia sulista buscando o protagonismo de escritores locais. Com sua pena elabora três importantes textos. Os manifestos “A geração que surge de 1923 e o manifestos aos intelectuais Paraenses, O “ Flamin’ Assu de 1927 que em língua Tupi , significa “a grande Chama”, além de sua obra que funda o Romance Amazônico.Terra de Icamiaba, de 1931.
Em 2014 temos a mais recente tentativa de visibilidade Literária. A iniciativa de Salomão Laredo, ocupante da cadeira de numero 33 e Edir Augusto Proença, aqui presente. Quando criam a feira Literária do Pará. São iniciativas que ao longo dos mais de 130 anos, protagonizam a visibilização da literatura produzida no norte brasileiro.
Essa historiografia Literária aponta para escritores envolvidos com seu tempo. Por isso, Esta casa não é apenas um abrigo para escritores, é um arquivo vivo, onde se preservam a língua, o imaginário, o gesto poético e o compromisso intelectual. É um espaço de resistência contra o esquecimento, contra a erosão cultural que ameaça uniformizar vozes e apagar particularidades.
O filósofo francês Tzvetan Todorov dizia que “a literatura nos enriquece infinitamente, pois nos permite multiplicar nossa experiência do mundo”. Aqui, neste espaço, multiplicamos experiências, guardamos, para que as futuras gerações tenham acesso a um patrimônio imaterial.
Quero trazer, também, a lição luminosa do crítico Literário, Antonio Candido, que via na literatura um direito humano essencial, tão necessário à formação integral quanto o pão é ao corpo. A literatura, em todas as suas formas — do mito indígena à epopeia erudita — cumpre uma função Humanizadora.
Neste sentido, cada obra que repousa sob o manto desta Academia é um território simbólico, uma floresta de sentidos.
Para finalizar, trago um trecho do manifesto aos intelectuais paraenses de 1927 do escritor Abguar Bastos. ELE DIZIA:
É chegada para o Norte brasileiro a hora extraordinária de seu levantamento. Seja o Pará o baluarte da Liberdade nortista.
Façamos a Literatura do Norte! As Academias do Norte! As Edições do Norte! O Intercâmbio do Norte!
“O Norte tem poder, tem força, O Norte é dinâmica! É temperamento! É vibração! É intelectualidade!”
OBRIGADO
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