Publicado em: 18 de agosto de 2025
Uma análise de abrangência nacional publicada na revista Nature Human Behavior concluiu que o Programa Bolsa Família está diretamente associado à redução significativa dos casos e das mortes por Aids entre mulheres em situação de vulnerabilidade no Brasil. O estudo, conduzido pelo projeto DSAIDS (uma parceria entre a Fiocruz e o Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia – UFBA), abrangeu o período de 2007 a 2015 e demonstrou o impacto positivo das políticas de transferência de renda sobre a saúde pública.
A pesquisa avaliou dados de 12,3 milhões de mulheres brasileiras de baixa renda, com foco em mães e filhas residentes em domicílios atendidos pelo Bolsa Família. Os resultados foram contundentes: entre as filhas, a incidência da Aids caiu 47% e a mortalidade por complicações da doença, 55%. Já entre as mães, as reduções foram de 42% na incidência e 43% nas mortes.
A pesquisadora Andréa Ferreira da Silva, do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs) e uma das autoras do artigo, destacou que “o maior impacto foi observado entre mães pardas/pretas, extremamente pobres, mas com ensino superior completo”. A afirmação aponta para um efeito cruzado entre escolaridade e acesso a políticas públicas, sugerindo que o empoderamento por meio da educação potencializa os benefícios das transferências de renda. Neste grupo, foi observada uma diminuição de 56% nos novos casos da doença.
Os cientistas associam os resultados às condicionalidades impostas pelo Bolsa Família, como a obrigatoriedade de frequência escolar, realização de exames de rotina e participação em ações de promoção da saúde, que incluem atividades sobre prevenção sexual e reprodutiva. Esses fatores teriam contribuído diretamente para o diagnóstico precoce, adesão ao tratamento e prevenção da transmissão do vírus HIV.
A base para o estudo foi a chamada “Coorte de 100 Milhões de Brasileiros”, do Cidacs/Fiocruz Bahia, construída por meio do cruzamento de registros administrativos como o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). O recorte específico da análise abrangeu 1.350.981 filhas e 10.948.115 mães, compondo um universo estatístico que permitiu isolar com precisão os efeitos do programa.
Entre as mães que acumulavam duas ou mais vulnerabilidades sociais, particularmente aquelas identificadas como pardas/pretas e em situação de extrema pobreza, o estudo identificou uma redução de 53% na incidência da doença. Entre as filhas, os efeitos também foram expressivos, reforçando a tese de que o Bolsa Família contribui para romper ciclos intergeracionais de exclusão e adoecimento.
O Bolsa Família, relançado pelo Governo Federal em 2023 com um modelo que considera o tamanho e as características das famílias, vai além da transferência direta de renda. O programa está estruturado para promover acesso integrado a serviços públicos essenciais, como saúde, educação e assistência social. Seus efeitos positivos sobre indicadores de saúde vêm sendo documentados há anos, mas este novo estudo amplia a compreensão sobre como políticas sociais podem atuar diretamente na mitigação de epidemias como a da Aids, que afeta desproporcionalmente populações marginalizadas.
Além de reduzir a desigualdade de renda, o Bolsa Família tem contribuído para a equidade em saúde, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A evidência de que a política pública pode impactar positivamente os índices de doenças transmissíveis fortalece o argumento de que os programas de proteção social são também instrumentos de enfrentamento à desigualdade estrutural e ao racismo institucional.
Os resultados evidenciam a importância da articulação entre diferentes políticas públicas. O sucesso do Bolsa Família neste campo decorre, em grande parte, da sua natureza intersetorial: não basta transferir renda; é necessário garantir acesso à informação, serviços de saúde, educação sexual e prevenção, especialmente entre jovens mulheres e adolescentes em situação de risco.
A análise publicada na Nature Human Behavior atesta que o combate à Aids deve ir além das abordagens biomédicas. É preciso olhar para os determinantes sociais da saúde, como pobreza, raça, gênero e acesso à educação. O estudo é um chamado para que gestores públicos, pesquisadores e sociedade civil ampliem o investimento em políticas que combinem proteção social com promoção de direitos, a fim de enfrentar de forma estrutural as desigualdades que alimentam epidemias silenciosas.
Com metodologia rigorosa, o estudo oferece evidências sólidas de que a interseção entre assistência social, saúde e educação é capaz de transformar realidades, salvar vidas e promover justiça social. O desafio é ampliar e qualificar essas políticas para que seus efeitos alcancem cada vez mais brasileiras e brasileiros que enfrentam a exclusão e a violência estrutural no país.
Comentários