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O dia 15 de agosto “comemora” a adesão da Província do Grão-Pará à “Independência” do Brasil, em 1823. A data, hoje feriado estadual no Pará por força da Lei nº 5.999/1996, é considerada a Data Magna do estado e simboliza a ruptura formal com Portugal e a imposição de um novo regime político centralizador, que manteve estruturas coloniais e que resultou na Cabanagem (1835-1840).

Até agosto de 1823, o Grão-Pará era a única província do antigo Império que ainda não havia reconhecido a independência proclamada por Dom Pedro I em 7 de setembro de 1822. O cenário político local era marcado por resistência à adesão e fidelidade às estruturas lusitanas, alimentadas por interesses comerciais e laços profundos com a Coroa portuguesa. Essa resistência, no entanto, foi desmantelada à força.

Para assegurar a unidade territorial do novo Império, Dom Pedro I contratou o almirante inglês Lord Thomas Cochrane, veterano das guerras de independência na América do Sul, e, junto a ele, o capitão John Pascoe Grenfell, com a missão de cimentar o domínio imperial no Norte. Grenfell foi incumbido de forçar a adesão do Pará.

A operação, inicialmente baseada em um blefe, consistiu na afirmação de que uma esquadra brasileira estava ancorada em Salinas, pronta para bloquear os acessos ao porto de Belém caso as autoridades locais se recusassem a reconhecer o novo governo. Temendo o isolamento e sob forte pressão militar, uma assembleia de 107 autoridades reunida no Palácio Lauro Sodré, em Belém do Pará, assinou o documento de adesão à independência em 15 de agosto de 1823.

A estratégia de Grenfell, no entanto, foi muito além da intimidação. Na mesma noite, ele ordenou o desembarque de tropas imperiais e de mercenários estrangeiros que prenderam e executaram diversos opositores políticos. O episódio mais trágico foi o massacre no brigue “São José Diligente”, depois renomeado “Palhaço”. Cerca de 256 pessoas foram presas arbitrariamente e confinadas no porão da embarcação, num espaço exíguo e sem ventilação adequada.

Com as escotilhas fechadas, pouca entrada de ar e disparos feitos contra os prisioneiros, o massacre se consolidou com o uso de cal viva lançado dentro do porão, supostamente para conter os protestos e tumultos. No dia seguinte, foram encontrados 252 corpos. Apenas quatro prisioneiros sobreviveram inicialmente, e desses, apenas um resistiria mais um dia: um homem conhecido como João Tapuia. O episódio é considerado um dos primeiros grandes crimes políticos do Brasil independente.

Grenfell foi julgado em Conselho de Guerra, mas absolvido das acusações. Alegou não ter ordenado o massacre e também não responsabilizou qualquer subordinado. O cônego Batista Campos, referência no movimento local pela independência e pela autonomia, chegou a ser amarrado à boca de um canhão, escapando da morte graças à intervenção de aliados.

Em 1835, pouco mais de uma década após a adesão forçada, a região entraria em ebulição com a eclosão da Cabanagem. A revolta popular, liderada por figuras como Félix Malcher, Antônio Vinagre e Eduardo Angelim, foi uma resposta direta à exclusão social, à miséria extrema, ao autoritarismo político e ao desprezo pelas populações locais, especialmente os caboclos, indígenas e negros. A Cabanagem se tornou a maior revolta popular da história do Brasil, com mais de 30 mil mortos.

A adesão à Independência, longe de significar a emancipação dos povos amazônidas, consolidou a subordinação da região ao centro-sul do Império. O Pará, antes colônia de Portugal, passou a ocupar uma posição periférica dentro do novo Brasil. As estruturas de dominação e exclusão social permaneceram. O poder continua, até hoje, concentrado nas mãos de uma elite política e econômica associada aos interesses do sudeste e das potências estrangeiras e o povo amazônida ainda é marginalizado nos processos decisórios do país.

Curiosidade: após a anexação, o título de “Príncipe do Grão-Pará” foi criado como uma tentativa simbólica de reafirmar a unidade do novo Império. Segundo a Constituição de 1824, o título era reservado ao primogênito do herdeiro presuntivo ao trono brasileiro. Apesar de conferido apenas três vezes oficialmente, o título fazia alusão à maior província do país e tinha por objetivo assegurar a legitimidade e integridade territorial do Brasil, incluindo as regiões consideradas distantes – ou seja, a Amazônia. Mesmo após a Proclamação da República, em 1889, o título continuou a ser usado pela família imperial, embora sem qualquer reconhecimento oficial.

Imagem em destaque: “A Adesão do Pará à Independência do Brasil”. Anita Panzuti com a colaboração de Betty Santos (Foto: Franssinete Florenzano)

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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