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O teórico búlgaro radicado na França, Tzvetan Todorov, em “A Literatura em Perigo”, uma obra curta, mas de denso teor crítico, publicado em 2007, produz uma reflexão sobre o papel da literatura na sociedade contemporânea, alertando para a sua marginalização dentro do próprio espaço em que deveria florescer: a escola.

Com um olhar lúcido e um discurso didático, o autor denuncia o tecnicismo exagerado na abordagem escolar da literatura, que, segundo ele, ameaça esvaziar sua potência humanizadora.

Todorov afirma que a literatura perdeu sua função essencial de formar o ser humano. Em vez de ser vista como um instrumento de reflexão sobre a vida, ela tem sido reduzida a um objeto de análise estrutural, onde o foco recai sobre a linguagem, os gêneros e as formas, em detrimento das experiências humanas que os textos evocam. Assim, segundo o autor, “a literatura está em perigo não porque as pessoas leem menos, mas porque deixamos de compreender por que ela deve ser lida”.

O autor sustenta que a literatura deve ser lida como uma chave para a vida. Para Todorov, obras literárias são construções estéticas, e marcadamente representações da condição humana, que permitem ao leitor desenvolver empatia, pensamento crítico, autonomia intelectual e compreensão do outro. Ele se alinha à tradição humanista, distanciando-se das abordagens formalistas que dominaram os estudos literários no século XX, como as propostas pelo estruturalismo e pelo pós-estruturalismo.

Para além dessa perspectiva, o filosofo búlgaro denuncia o academicismo que transforma a leitura literária em um exercício mecânico, muitas vezes desinteressante e inacessível aos estudantes, sem proporcionar empatia e a função lúdica do texto literário. Argumenta que a escola tem contribuído para afastar os jovens da literatura ao privilegiar análises técnicas e eruditas que pouco dialogam com a realidade vivida pelos leitores. Nesse sentido, Todorov propõe uma redescoberta do valor histórico, sociológico, psicológico, humano e formativo da leitura literária, defendendo que o ensino de Literatura recupere a centralidade do conteúdo humano das obras.

A Literatura em Perigo é ainda mais evidente quando se observa o contexto atual. Em tempos marcados pela fluidez digital, pelo excesso de informações e pelo enfraquecimento dos vínculos sociais, a literatura continua sendo um espaço privilegiado para o exercício da interioridade e da escuta do outro. Ao reafirmar sua função lúdica, ética, moldadora do pensamento social e da formação intelectual. Todorov convida a pensar a literatura como uma forma de conhecer o mundo e a nós mesmos.

Na contemporaneidade, observa-se uma produção literária que, embora diversa em formas e estilos, muitas vezes busca reconectar-se com o humano. Autores como, Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus, Bruno de Menezes, Abguar Bastos e Machado de Assis, por exemplo, têm produzido obras que abordam temas sociais, memórias pessoais e coletivas, afetos e identidades. Escritos, encharcados de magnitude ética, política, social e humana que dialogam com a concepção todoroviana de literatura como espelho da condição humana e instrumento de transformação.

Outro aspecto relevante apontado por Todorov é o risco de elitização do saber literário. Ao torná-lo um campo hermético e distante do leitor comum, corre-se o perigo de transformar a literatura em um território exclusivo, quando, na verdade, ela deveria ser universal. A atual literatura periférica, indígena, negra e Amazônica por outro lado, contribui para romper essa barreira, promovendo a democratização da voz literária e ampliando os horizontes da leitura críti.ca. Uma espécie de descentralização do cânone, emergindo e deslocando essa literatura para o epicentro

Não se trata, portanto, de negar a importância da teoria literária ou da análise formal, mas de reposicionar a literatura como experiência vital. Todorov não combate o saber acadêmico; ao contrário, ele propõe que esse saber sirva à vida, e não se isole dela. O desafio, segundo é equilibrar o rigor analítico com a sensibilidade ética e existencial que os textos literários despertam.

A Literatura em Perigo é um manifesto intenso em defesa da literatura como prática humanizadora. Tzvetan Todorov, com clareza e sensibilidade, denuncia a redução da literatura a um exercício técnico, reafirmando seu papel insubstituível na formação ética e intelectual do sujeito. Sua obra continua atual e necessária, especialmente em um mundo que precisa de leitores sensíveis, críticos e comprometidos com o outro.

Precisamos de docentes e leitores críticos, a fim de assumir o compromisso de preservar a literatura como fonte de sentido, resistência e escuta. O alerta de Todorov impulsiona a ressignificação do modo de ler, ensinar e valorizar a literatura.

UMA CARTA PARA A COP 30 – 1º CAPÍTULO – A GÊNESE

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