Publicado em: 20 de julho de 2025
Não quero mais ouvir quem diz que o amor é só para ser feliz. Angústia ou paz, prazer ou dor, eu quero é mais morrer de amor. Eu quero amar demais sem poupar coração. Que para mim o amor que apraz é uma louca paixão. Um amor só satisfaz além da razão”. Assim canta Nana Caymmi.
A Rita Lee arremata dizendo que amor é livro. De fato, é tão repleto de nuanças, sendo impossível traduzi-lo em poucas palavras. E, porque os Titãs sabem que é amor, não pedem nada em troca e nem alguma prova. Já o Jota Quest se sente tão seguro diante do ser amado que pode brincar de descobrir desenho em nuvens, contar pesadelos e até as coisas fúteis. E nisso de descrever o amor o cantor italiano Niccolo Fabi declara: o amor não existe. Existimos eu e você.
Então, quem é esse que ao amá-lo nós o consideramos único e insubstituível? Podemos pensar num ser amalgamado, composto por esse sujeito vivo com o qual estamos face a face e pela sua presença fantasiada e fixada no nosso inconsciente por meio de inúmeras representações simbólicas.
Fazemos uma tecitura no inconsciente com os fios do desejo que o amado provoca em nós, juntando imagens e significantes. Assim, isso que chamamos de fantasia é a presença real, simbólica e imaginária do eleito, no nosso inconsciente, que se fortalece no real do desejo que o outro provoca em nós e que provocamos nele. Porém, entre a presença viva e a fantasiada, predomina a última. Não à toa disse Shakespeare: “o amor não vê com os olhos, vê com a mente. Por isso é alado, cego e tão potente”.
Mas há um detalhe que não podemos ignorar. A pessoa para despertar e capturar nosso desejo precisa estar viva, porque essa imagem capturada através das particularidades desse corpo em movimento, fundida e confundida entre o que é nosso e do outro, será com ela que nos identificaremos no imaginário. Isso justifica, frequentemente atribuirmos ao outro qualidade e valores nossos. É assim que introjetamos o outro como fonte de excitação que sustenta nosso desejo e fantasia.
A conexão com a presença simbólica do outro é como um acorde que vai estabelecer a maneira como dançaremos embalados no ritmo do desejo. E quanto mais nosso desejo se modula ao ritmo do desejo do outro, mais pobre de desejo próprio ficamos e mais insubstituível aquele vai se tornando. Entretanto, desejo na psicanálise não é sinônimo de querer. É um conceito que fala do vazio, do inexistente. O objeto (pessoa) que seria possível preencher esse buraco só existe no campo da fantasia. A pessoa amada obviamente é concreta, mas quando ela se vai o que desmorona é, antes de tudo, a parte ignorada e inconsciente de nós mesmo.
A dor maior não é pela perda da pessoa amada, mas do caos, da desestruturação que provoca no interior do eu. A dor é a última barreira contra a loucura. É a máxima expressão de defesa. E ela só existe quando no fundo está o amor.
O surgimento abrupto da dor não significa a inexistência de uma sistemática. A dor do amor começa com a perda do ser, que é o instante em que algo se separa, divide, cessa. Em seguida vem um abalo psíquico, uma aflição e, por fim, irrompe uma reação de luta do eu para dar conta do desmoronamento psíquico. É um grito contra o inesperado dilaceramento. Assim, em cada etapa nos deparamos com diferentes expressões de uma mesma dor.
Podemos arriscar dizer que amar não é escolha, é arrebatamento? Seria, então, dois seres que se derramam um no outro e que já não sabem mais o que é de quem? Talvez por isso dizemos que quem vai deixa um pouco de si e carrega consigo algo de quem ficou. O fato é que quanto mais amamos, mais sofremos. Eis o paradoxo incontornável do amor! Por isso, os poetas ao falarem de seus amores também derramam suas dores. Sim, ele é lindo. Mas dói. Quanto mais amamos, mais irremediavelmente sofreremos com a perda da pessoa amada.
O amado, portanto, não é só uma criação. É uma parte fantasiada de nós mesmos. Perdê-lo é experimentar o desabamento de uma fantasia que sustenta nossa própria estrutura. Então, o que fazer para apaziguar esse esmagamento do corpo e da alma? Ao invés de tentar apagar a imagem do ser perdido, é preciso acolher a dor inassimilável e transformá-la em dor simbolizada. E porque é dor de amor, dói demais sentir, mas, não sentir, dói ainda mais.
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