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Em um estudo financiado pelo National Institute of Environmental Health Sciences (Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental, dos EUA) – uma das agências do National Institutes of Health (NIH), que subsidia pesquisas sobre os efeitos do meio ambiente na saúde humana – apresentado em junho, foi analisada a fumaça de marcas populares de vapes (cigarro eletrônico que aquece um líquido até transformá-lo em vapor), perigosamente popular entre a população jovem, revelando altos níveis de metais pesados, como níquel, antimônio, chumbo e até arsênico. O resultado foi tão absurdo que um dos cientistas chegou a acreditar que o equipamento havia falhado. Esses contaminantes são reconhecidos como carcinogênicos e potencialmente tóxicos para órgãos vitais, como pulmões, coração e sistema nervoso.

Ao aquecer os líquidos, os vapes liberam substâncias como formaldeído e acetaldeído, que podem causar inflamação vascular e aumentar a rigidez arterial . Pesquisas demonstram também que o uso frequente eleva a frequência cardíaca e pressão arterial, condições associadas a arritmias, risco de derrame e infarto.

O uso prolongado de vapes tem sido relacionado a inflamação crônica nas vias aéreas, agravamento de asma e doença pulmonar obstrutiva crônica, além de provocar tosse persistente e falta de ar . Outras substâncias, como o diacetil, presente em alguns líquidos aromatizados, estão vinculadas ao chamado “pulmão de pipoca”, um grave distúrbio respiratório.

A exposição à nicotina presente nos vapes traz efeitos nocivos ao sistema nervoso central, especialmente em adolescentes, cujo desenvolvimento cerebral ainda está em curso. No campo odontológico, a nicotina reduz o fluxo sanguíneo nas gengivas, aumentando a vulnerabilidade a doenças periodontais. A dependência de nicotina é amplificada quando o vapeapresenta concentrações elevadas e alguns dispositivos oferecem até o equivalente a 100 maços de cigarro em puffs.

Os efeitos a longo prazo do vaping ainda são pouco conhecidos, em razão da natureza recente dessas tecnologias e da constante mudança nos modelos disponíveis. A mistura da dupla exposição ao cigarro e ao vape dificulta a atribuição única de riscos do dispositivo eletrônico. Segundo reportagem do New York Times, apesar de menos comum entre adultos, 8% dos jovens do ensino médio nos Estados Unidos usaram vape em 2024.

No Brasil, o uso de vapes já é cinco vezes mais comum entre adolescentes do que o consumo de cigarros convencionais. Os dados são do 3º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III), conduzido pela Unifesp, com apoio da Ipsos e financiamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Segundo o estudo, 8,7% dos adolescentes entre 14 e 17 anos usaram vapes no último ano. Entre os adultos, esse número foi de 5,4%. A prevalência nacional entre pessoas com 14 anos ou mais é de 5,6%, sendo 3,7% usuários exclusivos e 1,9% consumidores combinados com o cigarro comum. Em comparação, o uso de cigarro tradicional entre adolescentes caiu para 1,7%. O vício da nicotina, agora com um novo formato, tem um avanço preocupante, especialmente entre meninas, onde a prevalência se aproxima dos 10%.

O levantamento, que ouviu mais de 16 mil pessoas em 349 municípios em todas as regiões do Brasil, revela ainda que a experimentação dos cigarros eletrônicos entre adolescentes frequentemente evolui para o uso regular: 76,3% dos que experimentaram, continuam consumindo. Outro dado que desconstrói a promessa da indústria é o de que os vapes não têm funcionado como ferramenta eficaz de cessação do tabagismo. Apenas 8,9% dos usuários que combinam os dois produtos deixaram de fumar o cigarro tradicional.

Ainda que proibidos no Brasil desde 2009 pela Anvisa, os dispositivos são facilmente encontrados. A percepção de acesso fácil foi confirmada por 78,4% dos adultos e por 71,6% dos adolescentes. O índice salta para 80,7% entre os jovens usuários.

O estudo aponta ainda que 15,5% da população brasileira utiliza algum produto com nicotina, o que representa cerca de 26,8 milhões de pessoas. O cigarro convencional, embora em queda, ainda é fumado por 11,8% da população. O hábito é mais comum entre homens, pessoas com baixa escolaridade e baixa renda.

Geograficamente, as regiões Sul e Centro-Oeste concentram as maiores taxas de fumantes, tanto do cigarro tradicional (14,7% e 14,1%, respectivamente), quanto dos eletrônicos (7,7% e 9,7%). Essas regiões também apresentam maior proporção de ex-fumantes, sugerindo ciclos mais intensos de iniciação e abandono do hábito.

Outro dado alarmante é a precocidade do início do vício: mais de um quarto dos fumantes (26,1%) começaram antes dos 14 anos. Quase 36% afirmaram fumar mais de 20 cigarros por dia. Apesar de 57% dos fumantes demonstrarem alta motivação para parar, apenas 4,1% procuraram ajuda profissional no último ano.

O ambiente familiar também aparece como fator relevante: 16,5% dos adolescentes convivem com fumantes em casa e quase metade dos fumantes (48,1%) admitiram fumar dentro do ambiente doméstico. Além disso, o acesso de adolescentes ao cigarro comum aumentou de 62%, em 2012, para 78,4% em 2023.

Os dados são um estrondoso alerta de que o Brasil pode estar diante de uma nova epidemia de dependência à nicotina em uma roupagem disfarçada de modernidade. É muito clara a necessidade de regulamentar, fiscalizar e investir na prevenção com a mesma intensidade com que se combateu o cigarro tradicional nas últimas décadas.

Embora o conceito inicial dos vapes como alternativa ao cigarro tenha sido amplamente aceito, as evidências indicam que são dispositivos com riscos claros e diversos, atuando de forma extremamente nociva no corpo humano.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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