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No Brasil, o medo da violência molda o modo como as mulheres se deslocam pelas cidades. A cada 1,5 segundo, uma mulher é vítima de assédio nas ruas; a cada 6,9 segundos, sofre perseguição; e, a cada 7,2 segundos, é alvo de violência física. Esses dados alarmantes foram tirados do estudo Urbanismo sensível ao gênero: como oferecer cidades seguras para as mulheres, produzido pela Consultoria Legislativa do Senado e publicado em fevereiro de 2025. A pesquisa denuncia que o planejamento urbano, as políticas de transporte e as estratégias de segurança no Brasil ignoram sistematicamente as especificidades de gênero e propõe mudanças estruturais que deem conta da mobilidade feminina.

O estudo parte de um diagnóstico de que, para grande parte das mulheres, os trajetos cotidianos são marcados pelo medo constante. Essa insegurança, segundo o estudo, está presente nas ruas mal iluminadas, nos pontos de ônibus vazios e até mesmo em serviços de transporte por aplicativo. A violência urbana atravessa o cotidiano feminino de forma direta, afetando a liberdade, a saúde mental e as relações pessoais. Mulheres carregam traumas e deixam de andar de transporte público, por exemplo, por causa do assédio. A sensação de vulnerabilidade é ainda maior entre mulheres negras e de baixa renda, que dependem majoritariamente de ônibus e se deslocam a pé, muitas vezes em regiões periféricas.

Segundo Carolina Baima Cavalcanti, consultora legislativa e coautora do estudo, é urgente reformular o planejamento das cidades com base na realidade das mulheres. A pesquisa recomenda medidas como mapeamento de pontos críticos, melhoria da iluminação, mais vagões exclusivos para mulheres e criação de pontos de embarque seguros. Experiências como a startup NINA, que monitora a segurança em ônibus em Fortaleza, e o projeto Abrigo Amigo, que instala painéis digitais em pontos de ônibus, mostram que a tecnologia pode ser uma aliada na prevenção da violência de gênero. Propostas legislativas em tramitação no Senado também buscam avançar no tema, como os PLs que permitem passageiras escolherem motoristas mulheres e assentos próximos a outras mulheres em viagens interestaduais ou internacionais, sem custo adicional.

A pesquisa destaca que, para transformar essa realidade, não basta adotar ações pontuais: é necessário implementarmudanças estruturais e integradas, capazes de enfrentar a raiz do problema. O primeiro passo para essa transformação éreconhecer a desigualdade de gênero como um elemento central na forma como os espaços urbanos são ocupados e vividos. Isso implica repensar o desenho das cidades e o funcionamento do sistema de transporte público a partir das vivências femininas, que envolvem deslocamentos múltiplos, fragmentados e frequentemente ligados ao cuidado de outras pessoas.

No relatório Safe Cities and Safe Public Spaces for Women and Girls (Cidades Seguras e Espaços Públicos Seguros para Mulheres e Meninas), publicado em 2019 pela ONU Mulheres, a organização aponta que diversas cidades ao redor do mundo vêm adotando políticas públicas com enfoque de gênero para tornar os ambientes urbanos mais seguros e acessíveis para mulheres e meninas.

Essas políticas envolvem, entre outras ações, investimentos em mobilidade urbana, ampliação da iluminação pública, monitoramento eficaz e, sobretudo, a participação ativa das mulheres no processo de planejamento urbano, garantindo que suas demandas sejam ouvidas e incorporadas.

Foto em destaque: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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