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As últimas décadas do século XIX foram de efervescência e alquebramento literário no Pará. O surgimento da associação Mina Literária veio aquecer as letras depois de anos de marasmo cultural e literário. Neste período, posso inferir os anos de 1870-1894, em que a primeira leva de literatos do norte ensaiava publicações de livros e artigos na revista Amazônica.      

   Nomes importantes da sociedade local destacavam-se na elaboração e produção literária, como: “Domingos” S. Ferreira Pena, Domingos Rayol (Barão de Guajará), José da Gama Abreu (Barão de Marajó), conselheiro Tito Franco de Almeida, os Drs. Clementino José Lisboa, Geraldo Barbosa de Lima, José Joaquim de Assis, Corrêa de Freitas, José Galdino, Júlio Cesar Severiano Bezerra de Albuquerque.

Aqui no Pará e especialmente em Belém , dizia Clovis de Moraes Rego que a “a mocidade das escolas, das às associações maçônicas, poetas e jornalistas, batiam-se com as palavras e com a pena, pelos jornais e nas praças públicas, promovendo a quermesse e comícios populares, nos quais cada patriota era um orador fluente ou um poeta inspiradíssimo.

Durante esse período, as letras paraenses voltaram-se para a publicação de poemetos; contos foram idealizados e construíram romances, cuja centralidade girava em torno do anti-escravismo. Essa cintilança cultural trouxe mais adeptos para a literatura nortista, outros jovens uniram-se aos que já circulavam, nomes como Elias Viana, Alfredo Pinto, Paulo Maranhão, Pádua Carvalho entre outros, traduziam a expectativa social, fonte de uma intensa vida literária, convívio espiritual entre cafés e teatros, residências e bondes. O próprio historiador Clovis de Moraes Rego afirmava que “depois da abolição da escravatura um período de letargia literária tomou conta da vida cultural belemense, salvo por um ou outro conto literário que surgia pelas gazetas.

Foi para acabar com essa letargia literária que o poeta Natividade Lima, escritor que mais tarde ocuparia a cadeira de número 32 da Academia Paraense de Letras, o mesmo acento que anos depois, seria preenchido por Bruno de Menezes e por Alonso Rocha. Natividade Lima provocou a sociedade literária paraense ao convidar para uma reunião. “O convite foi publicado no jornal “Folhas Diárias” em 27 de novembro de 1894, a reunião tinha um objetivo direcionado com o seguinte texto:” aos que se interessarem pelo desenvolvimento literário d’Amazônia, o obsequio de comparecer às 9 horas da manhã de domingo, 2 de dezembro, na casa do Sr. Eustachio de Azevedo, à Rua da Trindade, canto do Alecrim, para uma reunião que decidirá do futuro de nossa coletividade literária”.

O resultado dessa reunião, segundo relato do escritor Eustachio de Azevedo, contou com a presença dos principais intelectuais locais, desta última década do século XIX: Drs. Álvares da Costa, Paulino de Brito, Natividade Lima, Leopoldo Souza, Guilherme de Miranda, Ácrisio Mota, Alcides Bahia, Manuel Lobato, João de Deus do Rego, Theodoro Rodrigues, Euclides Dias e Luiz Barreiros.

Estava assim criada a Mina Literária “associação de letras que constitui um dos fortes elementos de nossa literatura, no norte do Brasil” , assim pontuou Eustachio de Azevedo. A inauguração aconteceu no dia 1° de janeiro de 1894. Azevedo disse ainda, que a mudança no ambiente literário foi mais intensa, pois a Mina Literária “despertou o amor pelas letras no ânimo de nossos jovens patrícios e fez em prol de nossa literatura o que, até então, nenhuma associação fez até hoje”

A Associação Mina Literária foi criticada por grupos antagônicos, como uma farsa, e seus membros foram taxados de ridículos e tolos, porém como movimento literário cabe registrar a contribuição desse periódico que durante os quatro anos de sua existência produziu varias obras editadas no Pará: Brado d’Armas, soneto de Natividade Lima; Nevoeiro, versos de Eustachio de Azevedo; Alma Nova fantasias de Euclides Dias; Paginas Avulsas, artigo e crônicas de Álvares da Costa; Maria Luiza, romance naturalista de Ovídio Filho; A Viúva, novela naturalista de Eustachio de Azevedo; Coisas Profanas, poesias, de Acrísio Mota; Coelho Neto e Mina Literária, por vários membros da Mina; Palavras e Actos, de Lauro Sodré.

Em um pensamento lúcido diante do momento literário em que a capital paraense vivia, Eustachio de Azevedo, em tom provocador infere que “o Pará precisava “não apenas produzir borracha”, mas sim idéias. Assim, a Associação Mina Literária constituiu-se numa forte representação no quadro literário local, pelo “esforço dos seus membros, pelos trabalhos que publicou, e pela propaganda tenaz que fez das letras nortistas,” além dela, outras associações literárias existiram no Pará daquele momento, e foram capazes de construir uma sociedade belemense para além do câmbio e da borracha”. Mesmo que, o crítico paraense José Veríssimo tenha se esquecido de citar algum desses escritores ou poetas em sua obra História da Literatura Brasileira: De Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908), publicada em 1916, no Rio de Janeiro, pela Francisco Alves”

   Esquecimento a parte, o ambiente literário que envolveu outro importante momento envolveu o decênio 1920 a 1943, principalmente com a realização da Semana de Arte Moderna acendeu o sentimento dos escritores paraenses incentivados pela ideia de rompimento com o tradicionalismo europeu na escrita poética.

O modernismo Brasileiro e seus escritores utilizavam-se de revistas Literárias para disseminar suas ideias e evidenciar escritores e obras. Foi com a intenção de seccionar esse tradicionalismo que surgiram revistas como: Klaxon em São Paulo; Estética no Rio de Janeiro; Festa também no Rio de Janeiro; Terra Roxa e outras terras em São Paulo; Verde em Cataguazes nas Minas Gerais; Revista de Antropologia em São Paulo e A revista na capital mineira.

O Pará foi produtivo no surgimento de revistas Literárias, embora esses periódicos tivessem duração efêmera. Podemos indicar como marco desse período, a primeira manifestação dessa prática literária: o surgimento do correio brasiliense, revista editada em Londres.

Aqui na Capital Paraense, a revista Efemeris, de 1916 lançada por um grupo de escritores paraenses sob a direção de Artur Guimarães Bastos deu os primeiros passos na renovação literária antecedendo a Semana de Arte Moderna. O grupo era formado por Lúcidio Feitas, Djard de Mendonça, Tito Franco, Alves de Souza, intelectuais que em 1900, participaram da fundação da Academia Paraense de Letras. 

O desejo de renovação literária era constante nas rodadas de intelectuais, a busca por uma literatura com características próprias sem o “glamour” europeu pairava no ambiente literário paraense.

Esses periódicos e revistas dos anos 1920 aparecem com caráter documental onde os artistas exibem seus trabalhos com uma linguagem nova e sintonizada com as correntes do movimento vanguardista que tinha a característica de desconstruir os modelos e regras passadistas.

As revistas literárias paraenses foram importantes para a circulação de informação do fazer literário em todo o país, desde o final do século XIX, até o inicio da década de 40, período de fechamento de uma importante revista, “Terra Imatura”.

    A professora Marinilce Oliveira Coelho aponta que “a literatura local sobreviveu graças às iniciativas individuais, como o lançamento de Anjo dos abismos, primeiro livro de poesia de Ruy Guilherme Paranatinga Barata, com 27 anos, publicado em 1943, pela editora José Olympio, do Rio de Janeiro, e encontros frequentes de bons amigos escritores, cultivando o debate literário nos cafés e nas residências particulares, em especial à casa de Machado Coelho, no antigo Largo da Pólvora, sempre aberta aos amigos das letras”.

Além das revistas e periódicos, as livrarias e as casas impressoras constituíram-se em meados do século XIX, em estabelecimentos que contribuíram para a divulgação de pensamentos e ideologias dos intelectuais. As instalações modernas das tipografias e das casas de comércios, com estrutura vinda da Inglaterra possibilitaram que fossem divulgadas internacionalmente. A Livraria Universal do senhor Tavares Cardoso era um dos tradicionais pontos de encontros da intelectualidade paraense da belle-époque, além da J.B. dos Santos & Cia, Taveira e Serra, Pinto Barbosa & Cia, A. Loiola, Porto de Oliveira & Cia, Tavares Cardoso & Cia. E as livrarias Escolar, Carioca, Universal e Clássica. Essas empresas editorais facilitaram a publicação de livros de autores locais em diferentes áreas de estudo. Além das livrarias, escritores liam seus romances, poemas e contos em concorridos saraus no Teatro da Paz, nas praças públicas, ou na casa de amigos. Diversos grupos de escritores e poetas tiveram uma sistemática publicação de livros e revistas.

   Após Ephemeris, fundam-se revistas e jornais como forma de propagar o novo ideário modernista.  A exemplo, Pará Ilustrado de Jaime Lobato; A Planície, de Osvaldo Viana; Novidade, dirigida por Otávio Mendonça, Machado Coelho, Garibaldi Brasil e Ritacínio Pereira; Terra Imatura(1938-1942), dirigida pelos irmãos Cléo Bernardo e Sylvio Braga, a revista A Semana (1918-1943), a revista de maior duração e circulação da história de Belém do Pará, fundada por Manuel Lobato e Alcides Santos, e a revista Belém Nova, (1923-1929), fundada pelo poeta Bruno de Menezes.

As casas de impressão,as livrarias e as revistas literárias proporcionavam um ambiente de trocas, diálogos desses grupos de intelectuais. José Eustáchio de Azevedo ressalta o ambiente literário vivido pelos grupos em suas praticas sociais, “havia vida literária, convívio espiritual nos cafés e teatros, nas nossas residências e até nos bondes”

As letras paraenses viveram intensas formas de convivências, tensões e práticas de sociabilidade entre literatos. No intimo uma forte troca de anseios na busca do ideal coletivo de legitimar a literatura do norte com suas particularidades, diante da sobreposição do tradicionalismo europeu, tanto imbricado até então, na feitura poética brasileira.

Marcos Valério Reis
Marcos Valerio Reis, jornalista, mestre em Comunicação, Doutor em Comunicação, Linguagens e Cultura, pós-doutor em Comunicação. Membro do Grupo de pesquisa Academia do Peixe Frito, pesquisador da arte literária na Amazônia e membro da Academia Paraense de Jornalismo.

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