A invisibilidade atinge as mulheres de muitas formas. Por exemplo, conforme o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, o Transtorno do Espectro Autista é quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas. Mas essa estatística está diretamente relacionada a fatores como diferenças genéticas, papéis de gênero e o histórico subdiagnóstico feminino na medicina. A vida das mulheres autistas é marcada por desafios específicos, desde o diagnóstico tardio ou equivocado até dificuldades no mercado de trabalho e na vida pessoal. É um tema que precisa ser lançado ao debate.
Mulheres autistas demoram a ser diagnosticadas porque se submetem à camuflagem social para serem socialmente aceitas, o que pode mascarar os sinais do espectro. Na infância e adolescência, seus sintomas costumam ser interpretados de acordo com expectativas de gênero. Hiperfoco pode ser visto como sinal de inteligência, enquanto dificuldades de socialização e comunicação são confundidas com timidez ou sensibilidade excessiva. Na vida adulta, esses sintomas podem se acumular e levar a quadros de ansiedade e depressão, como revelam pesquisas recentes. Um estudo publicado no Journal of Abnormal Child Psychology aponta que pessoas com TEA são quatro vezes mais propensas a sofrer de depressão ao longo da vida em comparação com neurotípicas.
Por causa de estereótipos de gênero e em razão da manifestação diferenciada dos sintomas, muitas mulheres só recebem o diagnóstico na idade adulta, após décadas enfrentando desafios sociais e emocionais sem a devida compreensão. Pesquisas indicam que mulheres, por serem mais pressionadas desde cedo a se comportarem de maneira “adequada”, acabam ocultando características do autismo por anos. Dificuldades de compreensão social e comunicação podem resultar em isolamento ou até maior vulnerabilidade a relações abusivas, vez que muitas autistas têm dificuldade em identificar comportamentos manipuladores ou estabelecer limites saudáveis e sofrem em silêncio, sem entender as razões de suas dificuldades, sem conhecer ferramentas para lidar com elas, acessar redes de cuidado e suporte para seus filhos atípicos, lidando com sobrecarga emocional e estrutural.
No mercado de trabalho, a inclusão ainda é um sonho. O estudo Mulheres Inserção no mercado de trabalho, realizado pelo Dieese, mostra que o Brasil conta com 90,6 milhões de mulheres com 14 anos ou mais, das quais 47,8 milhões fazem parte da força de trabalho. Já o levantamento da Organização Pan-Americana de Saúde aponta que 70% dos trabalhadores do setor de saúde e social são mulheres.
Dados do IBGE revelam que 85% dos autistas estão fora do mercado de trabalho. Embora a Lei 8.213/91 estabeleça cotas para a contratação de pessoas com deficiência em empresas com 100 ou mais funcionários, o autismo muitas vezes não é reconhecido pelos recrutadores, dificultando o acesso a essas oportunidades. A maioria não sabe lidar com perfis de pessoas autistas para as vagas de PDC para grandes empresas.
O levantamento “Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil”, promovido pela Genial Care, evidenciou que 86% dos cuidadores de crianças com TEA são mães, e 47% delas sentem culpa pela condição do filho.
Já a pesquisa “Retratos do Autismo no Brasil”, também da Genial Care, expôs que, dentro da amostra de pessoas autistas, 24,2% são, também, cuidadoras e responsáveis por uma criança com o diagnóstico E 65% se identifica como gênero feminino, maioria com faixa etária entre 25 e 34 anos (33%).
Assim, além de serem maioria na rede de apoio, as mulheres que são mães atípicas enfrentam desafios dobrados ao equilibrar vida pessoal, carreira e os cuidados com filhos também atípicos.
Urge enxergar mulheres neurodivergentes e promover mudanças estruturais para que elas sejam reconhecidas, compreendidas e incluídas em todas as esferas da sociedade.
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