Não quero ser daquelas pessoas chatas, pessimistas, negativas, que só veem o lado ruim das coisas, mas não consigo não sentir um gostinho amargo pela não-premiação de Fernanda Torres pela Academia. Depois de tanta polêmica com a Karla Sofía Gascón, ninguém mais esperava que Nanda perdesse para ela. Sinceramente – e vou dar a minha opinião sincera mesmo correndo até o risco de ser mal interpretada aqui como uma pessoa transfóbica, que posso assegurar que não é o caso – acho que, o único “risco” sempre foi uma questão de representatividade trans e de se fazer história, e não artístico. No meu ponto de vista, Gascón não fez um trabalho ruim no papel de Emilia Pérez, mas também não fez nenhuma atuação excepcional que merecesse levar a estatueta – assim como Mikey Madison, a vencedora da noite, também não. Como uma apaixonada confessa por musicais e pelo mundo de Oz, acho que a voz esplêndida de Cynthia Erivo também não era competição. Demi Moore sim, mesmo calada. Se ela tivesse vencido, o sabor da derrota seria outro. É pena.
A (falta da) estatueta dourada não diminui em nada o brilho da Fernanda Torres, assim como nunca diminuiu o da Fernanda Montenegro. Não vou vomitar aqui todas as questões de como um universo de votantes – que apesar de já ter mudado e evoluído muito nos últimos anos – predominantemente composto por machos brancos estadunidenses não é capaz de ter, muita das vezes, um julgamento artístico mais profundo e justo. Nós sabemos da genialidade das Fernandas, elas sabem quem elas são. Mas é claro que símbolos são importantes, principalmente em instituições das quais decisões se perpetuam mundialmente, oriundas de um país que elegeu mais uma vez como presidente uma criatura bestial, com atitudes monstruosas e falas criminosas e que, querendo nós ou não, têm impacto em todo o globo. Não estou dizendo que abordar o trabalho sexual de mulheres – que é o caso de Anora – não é relevante. Porém sabemos o que significaria, historicamente falando, dar a premiação mais pop do mundo para uma atriz brasileira que representou uma mulher do calibre de Eunice Paiva, que diante da tragédia familiar causada pela violência de um regime ditatorial militar se reinventou, guiando sua família despedaçada com amor e tornando-se uma profissional brilhante na defesa dos direitos humanos. É pena.
Mas o Brasil ganhou o seu primeiro Oscar de sempre. Era o mínimo, Walter Salles deveria ter sido premiado por “Central do Brasil”, como todo mundo sabe. “Em nome do cinema brasileiro, é uma honra tão grande receber isso de um grupo tão extraordinário. Isso vai para uma mulher que, depois de uma perda tão grande no regime tão autoritário, decidiu nao se dobrar e resistir… Esse prêmio vai para ela: o nome dela é Eunice Paiva. E também vai para as mulheres extraordinárias que deram vida a ela. Fernanda Torres e Fernanda Montenegro”, disse. Nós sonhávamos mais alto. Nós queríamos a premiação maior da noite. Não sou adepta do pensamento subalterno de que “já está bom para um filme da América do Sul”. A produção brasileira merecia o título de melhor filme sim. Não rolou. Porém, “Ainda Estou Aqui” ecoou os horrores da extrema direita no Brasil pelo planeta e entrou para a história. Ainda bem.
O cinema do sul global vai continuar produzindo joias não premiadas pelo mainstream. Talvez um pouco menos. “Ainda Estou Aqui” gritou que sempre estivemos aqui transformando projeções audiovisuais em discursos artísticos bem mais profundos do que os aclamados em Los Angeles. Aliás, todo o engajamento brasileiro na “campanha” pelo Oscar, que levou as postagens sobre a Fernanda Torres e o filme de Walter Salles serem as com melhor desempenho nas redes sociais da Academia, nos faz refletir sobre um caminho inverso: devemos nos empenhar tanto em fazer barulho na terra alheia nessa eterna ânsia colonizada de sermos notados pelo opressor ou será que já é hora de unirmos essa potência virtual que somos para fortalecermos as premiações nacionais e nos instituirmos como a referência? Eu acredito que vale mais a pena.
PS: Nanda, é claro que és a Rainha do Carnaval. A vida presta.
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